Dias atuais

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Thierry estava em um inusitado local para se estar em um sábado à tarde: Entre as prateleiras de uma loja de brinquedos.

Rodeado por ursos enormes, bonecas levemente assustadoras e muito maquiadas, bonecas que pareciam bebês reais, carrinhos, aviões e milhões de outras coisas esquisitas com as quais ele nem saberia o que fazer.

Precisava escolher um presente para sua sobrinha, Larissa, que estava completando sete anos naquele dia.

Caminhou por alguns corredores, realmente angustiado, ele geralmente não comprava os presentes, ele só entregava e sorria radiante para a foto, como o bom padrinho que era. Comprar era mais difícil do que ele imaginou a princípio, será que ela ia gostar mais de bonecas ou de roupas? Coisas de casinha ele nem arriscaria a comprar ou sua irmã o castraria.

Avistou um cavalinho de madeira rustica, parecido com um que a irmã teve quando criança e caminhou na direção dele. Paralisou no corredor ao ver uma garotinha de vestido amarelo caminhar e agarrar um pônei de pelúcia que estava ao lado do cavalo de madeira.

- Eu quero o ponny e não o úniconi.

Ele escutou a vozinha embaralhada e doce e sorriu interiormente. Achou melhor não sorrir de verdade, pareceria muito esquisito, um adulto, sozinho em uma loja de brinquedos e sorrindo para uma criança aleatória e sua dicção engraçadinha.

- Unicórnio e pônei - corrigiu uma voz feminina e mesmo antes que a mulher entrasse em seu campo visual ele sentiu todo o sangue ser drenado de seu rosto. Encarou boquiaberto quando a viu chegar perto da garotinha. A voz era rouca e ele reconheceria a quilômetros de distância... Anos depois de ter escutado pela última vez. - Você já tem um pônei marrom, vamos levar o unicórnio.

A mulher se agachou ao lado da menininha e tentou retirar a pelúcia dos bracinhos gorduchos que a agarravam. Ele sentia-se incapaz de parar de encarar, sabia que deveria virar e caminhar pelo corredor, ir embora sem que ela descobrisse que ele estava ali, mas não pôde.

A garotinha se aferrou mais ao pônei e se desvencilhou dos braços da mulher, correu com a enorme pelúcia agarrada aos braços na direção dele e ele se agachou e a segurou no exato momento em que ia tombar por causa do peso.

- Opa, cuidado - ele disse e sorriu para a menininha que cambaleava para se estabilizar.

- Anastácia, será que...

A mulher chegou até onde ele e a garotinha estavam e ele temeu o momento de olhar para cima, sabia que ela estava ali, encarando-o com os enormes olhos de cor âmbar. Sabia que a fala ficara presa na garganta dela assim como na dele. O coração batia descontrolado no peito e ele fez um carinho no cabelinho da menininha antes de erguer a cabeça e encarar a mulher.

- Oi - ela disse simplesmente. Como se eles se encontrassem todos os dias na estação de metrô ou no hall do prédio, a voz era casual... Mas ela estava rígida.

- Oi - respondeu enquanto se levantava.

Ele tentou sorrir, mas deve ter feito uma careta. Sentia todos os músculos doloridos, a vontade de correr, de gritar, de fugir... A vontade de fazer qualquer coisa que os distanciasse era gritante.

Antes que ela pudesse responder, a menininha soltou um gritinho feliz e ambos viraram para procurá-la, ela estava atrás de Thierry, abaixada próxima a uma prateleira, o pônei marrom já estava jogado no chão e ela estava agarrada a um outro. - Tem ponny azul - ela anunciou feliz, os olhinhos brilharam ao se agarrar mais a pelúcia.

- Você já tem um pônei azul - a mulher disse com voz inflexível.

- Banco.

A menininha largou a pelúcia azul e pegou o pônei branco que estava ao lado. Ela era adorável em seu vestidinho amarelo e ele sentiu que era mais confortável ficar olhando para ela do que encarar o passado.

- Você também tem um branco. - Ela soltou um suspiro cansado, mas ele não viu sua expressão pois ainda se mantinha de costas, encarando a criança e evitando-a. - Que tal se você levar um pônei preto e o unicórnio?

- Peto? - A menininha se ergueu e olhou para o local onde o pônei preto estava guardado, alguns centímetros a frente.

- Sim, vá buscar.

A mulher mal acabara de falar e a garotinha já estava longe, agarrando o pônei. Ele não teve mais escolha, virou e encarou, quase sentiu o joelho cedendo ao se ver de novo cara a cara com ela.

- Paixão por pôneis? - perguntou com uma despreocupação que não sentia.

- Sim e das grandes. - Ela sorriu e ele sentiu vontade de chorar. - Eu preciso ir ou ela vai comprar mais dez pôneis.

Ela revirou os olhos de modo irônico e caminhou até onde a garotinha estava. Ele ficou ali, olhando enquanto ela trançava as pernas, uma na frente da outra, o salto fino fazendo barulho no piso. Ela segurou a mão da menininha e foi em direção ao caixa da loja, nesse momento ele chegou a conclusão que o presente de Larissa seria comprado por outra pessoa, ele precisava sair dali.

Três anos, este era o total de tempo que eles não se encontravam e de repente, em um corredor de uma loja de brinquedos ela aparecia. Ele respirou fundo, reprimindo a melancolia e a dor. Certas coisas era melhor deixar do lado de fora.

Então Vá, Alice [Conto]Onde histórias criam vida. Descubra agora