Capítulo 1

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— Vamos Raquel. – Henrique exclamou irritado. — Anda logo, já estamos bem atrasados. Vamos acabar perdendo o avião.

Droga. O Henrique estava certo, se eu não corresse iríamos perder o voo. Mas tudo seria por minha culpa, pois ontem inventei de sair para comemorar minha partida dessa cidade maravilhosa que aprendi a amar.

Exagerei na bebida e como consequência, perdi a hora e, ainda, estava com uma ressaca horrível. Saí do banheiro, olhei-me no espelho e pude ver meu aspecto horrendo. Meu rosto ostentava uma olheira enorme. Estava parecendo um urso panda, infelizmente não teria tempo de fazer uma maquiagem.

— Vamos, Raquel – exclamou Henrique pela quarta vez.

A minha sorte é que eu tinha um melhor amigo maravilhoso que cuidava de mim. Se não fosse ele, com certeza eu ainda estaria dormindo. Já que não daria tempo de passar nada no rosto, o jeito era usar meus óculos de sol. Saí do meu quarto com minhas coisas, e me peguei olhando o apartamento, no qual passei dois anos de minha vida, e uma pequena dor em meu peito se instalou. Eu sabia que estava deixando ali um pedaço de mim.

Chegamos ao aeroporto super atrasados, quase não conseguimos fazer o Check-in, mas, por sorte, ainda deu tempo.

Em dado momento, me peguei pensando em como será minha vida daqui para frente, pois teria que encarar muitas dificuldades. Sinceramente, eu não sabia se estava preparada para enfrentar o que estava por vir. Já fazia dois anos que eu morava em Redenção, e recentemente decidi voltar a morar em Campos do Jordão, cidade onde residia minha família.

Aos 20 anos, saí do seio de minha família para fazer mestrado em Enfermagem na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). E para espanto de muitos eu, aos 22 anos, já era Mestre em Enfermagem, e tudo por meu mérito. Havia horas que era difícil ser uma Cavalcante, pois meu sobrenome era conceituado em todo Brasil, mas eu cheguei onde estava por merecimento e isso ninguém podia tirar de mim.

Falar em família não trazia pensamentos muito bons no momento, pois com certeza minha chegada surpreenderia muitas pessoas, principalmente meus irmãos. Mel de 31 anos e Gabriel de 28. Nosso relacionamento sempre foi muito conturbado, pois vivíamos como gato e rato. Brigávamos bastante, para logo em seguida fazermos as pazes, entretanto, nunca guardamos mágoa.

Eu e minha irmã sempre fomos muito diferentes. Enquanto Mel era expansiva, faladeira, alegre. Eu era o inverso, sempre fui tímida, calada e na minha. Tinha uma mania de ficar estudando pelos cantos, com um livro nas mãos, fato este que sempre gerou piadas por parte dos meus primos.

Mas meu algoz era meu primo Vitor, ele não perdia uma oportunidade de me pôr apelidos. Tinha o prazer de me chamar de ratinha de biblioteca. Na realidade, eu sempre fui um pouco esquisita, nunca tive muitos amigos, usava óculos fundo de garrafa, acompanhado de um aparelho ortodôntico que me deixava horrível.

Eu já me sentia uma completa idiota, e isso só aumentou, depois que Vitor passou a me perturbar. Mas meu querido primo não estava sozinho, ele tinha um bando de seguidores. O espertinho só fazia isso na escola, em casa era um santo que me tratava bem e fazia meu pobre coração apaixonado ter esperanças de que um dia Vitor poderia vir a gostar de mim.

Graças a Deus tudo isto ficou no passado. Eu cresci, passei em uma universidade, para o curso de Enfermagem. Minha família se admirou pela minha escolha, uma vez que todos apostavam em medicina, como sendo a carreira ideal para mim. Entretanto, eu sempre fui apaixonada pela arte do cuidar do meu próximo, essa era minha essência. A Medicina tinha todo o seu respaldo técnico, mas não me agradava muito. O problema é que ninguém aceitava que o curso de "Enfermagem", que não me traria o glamour do título de "doutora", pudesse ser minha primeira opção apenas por ser.

Quando comuniquei a família sobre a decisão que tomei, tive a infeliz ideia de fazer no meio do jantar e o resultado foi catastrófico: como se uma bomba estivesse sendo detonada. Logo, todos da minha família, incluído tias, tios, primos e até minha avó Catherine, queriam dar a sua opinião sobre a minha universidade. Mas eu não permiti, bati o pé e disse que a decisão já estava tomada, isto ocorreu no auge dos meus 16 anos, coisa que ninguém esperava.

Quatro anos depois, a mesma briga ocorreu de novo quando disse que havia passado no programa de mestrado da UNILAB, todos foram contra a minha partida, ficavam dizendo que eu não tinha capacidade de morar em outro estado sozinha, por ser jovem demais.

Mas minha irmã se levantou e disse:

— A Quel pode ser nova, mas é mais ajuizada que muitas pessoas, inclusive do que eu, que tenho 29 anos. – todos começaram a rir, pois era a verdade, minha irmã ainda precisava crescer um pouco.

Depois disso tudo, os ânimos se acalmaram, porém, havia os que ainda relutavam com a minha decisão. Eu queria ir. E faria isso, mesmo contra tudo e todos, se assim fosse preciso.

ۺP

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⏰ Última atualização: Sep 16, 2016 ⏰

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