(Quarto de Gisele.)
Serafim:
- Com licença!
Gisele:
- Serafim, o que deseja?
Serafim:
- Eu, eu passei esse tempo morrendo de saudades e descobri que estava em casa hoje, resolvi passar por aqui!
Gisele:
- Que bom, aceita um chá?
Serafim:
- Sim, mas não é só isso!
Gisele:
- Diga! Você me dá medo, Serafim! Sempre que traz notícias, elas nunca são boas.
Serafim:
- Lembra que lhe falei da revista Película? Ela agora está me cobrando. E não que precise do dinheiro, mas preciso emprestada aquela foto que lhe dei no começo de carreira.
Gisele:
- Quem diria, o homem que vivia contra o capital, que repudiava a exploração da beleza... Como as coisas mudam! Já disse que havia perdido tal foto, não?
Serafim:
- Não acredito que tenha feito isso! Foi um presente e...
Gisele:
- Realmente não perdi, Serafim, mas tenho curiosidades! Por que me escolheu na época? Por que nunca expôs as outras fotos minhas?
Serafim:
- Ora, ora... está brincando comigo, Gisele!
Gisele:
- Vamos lá, um segredo seu por um segredo meu!
Serafim:
- Resolvi fotografá-la pela beleza, mas não a beleza em si. Você tinha um quê de ingenuidade que me intrigava! O que me deixa triste é que mudou com o passar dos anos, não fisicamente, mas tem mudado suas atitudes.
(Gisele se aproxima, chega os lábios bem perto de Serafim.)
Gisele:
- Só isso, Serafim? Nenhum interesse masculino?
Serafim:
- Não estou entendendo!
Gisele:
- Eu acho que está!
Serafim:
- Você sempre foi uma jovem bonita, mas não passava de um anjo para mim!
Gisele:
- Não seja hipócrita, seu velho babão, diga a verdade! Nunca chamei sua atenção?
Serafim:
- Não fale assim comigo! Eu... eu confesso que tive uma pequena atração, um amor platônico, mas nada além disso! Não ria de mim... E você anda tão diferente ultimamente!
Gisele:
- Quer ver o retrato, seu trabalho mais brilhante?
Serafim:
- Sim, onde está?
(Gisele traz o álbum e mostra o retrato.)
Serafim:
- Onde está a foto?
Gisele:
- Esta é a foto. Este foi o seu trabalho!
Serafim:
- Uma velha com fisionomia horrível e olhos... olhos malévolos! Não acredito!
Gisele:
- Creia, é o seu trabalho! Ou acredita que alguma plástica me manteria assim por tanto tempo?
Serafim:
- Isso é amaldiçoado, está transformando você, temos que destruir!
Gisele:
- Destruir? Destruir??? Nunca! Vou pegar seu chá.
Serafim:
- Isso não é normal, Gisele, você não precisa disso! Nós destruímos e inventamos uma desculpa para a sociedade!
(Gisele sai.)
Serafim:
- Isso não é obra minha, é só uma foto! Podemos mudar isso!
(Gisele retorna, serve um chá a Serafim e começa a massagear seus ombros.)
Gisele:
- Não há por que destruir. O retrato, Serafim, é algo magnífico! Que outro autor conseguiu uma foto que tomasse lugar do modelo?
Serafim:
- Isso é demoníaco, não é normal!
(Gisele pega um punhal e penetra na cabeça de Serafim, que se debruça morto sobre a mesa.)
Gisele:
- Perdão, Serafim, mas não posso deixar que isso atrapalhe minha vida! Eu não queria, juro que não! (Beija a boca do morto.) Você não entende! O que vou fazer agora? Pense... pense... já sei! Vou para casa que tenho em Campos! Lá acendo a lareira e tudo resolvido! Espalho as cinzas no jardim! É só um velho, ninguém vai sentir falta! É só ter calma!
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O Retrato
General FictionTexto para montagem ou filmagem, uma adaptação de o Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde JOÃO FERNANDES O RETRATO Setembro 2005 JOÃO FERNANDES O RETRATO REVISÃO Fernanda Barros Palma da Rosa Setembro 2005 O RETRATO PEÇA TEATRAL EM QUATORZE CENAS P...