Capítulo dois

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Alguns dias depois

MÃE-observei meus sapatos vermelhos de veludo e cadarço balançarem no ar, de vez em quando eu olhava de esguelha para ela que colocava mudas de violetas em todas as janelas
—Sim pequena?-ela andava lentamente pela casa, sua barriga devia pesar, afinal Luna estava sendo gerada, um dia amarrei uma melancia na minha cintura e tentei andar por aí, confesso, era exaustivo
—O que está fazendo?
—Fazendo nossa proteção-ela sorriu docemente
—Não entendo, são apenas flores
—A primeira vista sim-ela riu-entretanto saiba que as violetas são ótimas para proteção
—O que elas podem fazer?
—A sua pureza não permite que o mal nós atinja, a sua cor é ofuscante para as sombras e seu cheiro-exalou o perfume-é ótimo para deixar a casa perfumada- virou-se para mim
—E ela vai nos proteger também ou so a casa?-juntei as sobrancelhas, confusa
—Para nossa proteção eu tenho outra coisa-do bolso de seu avental mamãe tirou uma pedra tao preta quanto a noite. Ela olhou para o meu pescoço
—Que linda a sua-brincou com ela-onde a encontrou?
—No bosque enquanto brincava-levantei os ombros
—Você sabia que se juntar a lápis lazuli e a obsidiana negra nada poderá lhe atingir? Nem mesmo um feitiço-levantou o dedo indicador para enfatizar
—Então vamos dar as duas para todos-saltei do balcão para o chão-Arcate não poderá contra nós
—Não é assim que funciona meu amor-seus dedos calejados pousaram no meu queixo
—Poderíamos salvar todo o reino
—Seria uma maravilha não seria?-eu pulei de felicidade-embora essa pedrinha azul que você carrega no pescoço seja rara. Para doarmos pra todos até da vila seria uma eternidade, e você sabe que quando digo eternidade não falo da boca para fora
—Quem acreditou em mim?-questionei depois de um tempo
—Alguns da nossa vila, a repercussão foi muita admito mas é difícil acreditar em uma criança
—Você acredita não é mamãe?
—Acha que se eu não acreditasse estaria espalhando flores pela casa?
—Na verdade eu acho sim-nós rimos-mamãe posso fazer uma pergunta?
—Estou toda a ouvidos
—Por que Arcate vai fazer isso?-vi sua cor se esvair
—Porque... -se ajoelhou para ficar na minha altura-ela criou uma maldade muito grande por causa... das coisas que ela acha injustas, por isso acha que tem que ser má e injusta com todos
—Qualquer um pode virar de bom para mal?
—Infelizmente, umas pessoas tendem a ser assim-disse com uma tristeza notável

⚡ ⚡ ⚡

—Dou um ticys pelo seu pensamento-meu pai disse se aproximando de onde eu cuidava de Thomi
—Eu daria minhas penas por eles senhor Tomas, são cem pensamentos para cada um ano que minha senhora viveu-meu pai riu
—Pena que não tenho penas-arriscou um trocadilho, lancei um olhar significativo para Thomi. Rimos na hora
—O que você está fazendo aqui pai?
—Vim lhe entregar isso-ele me ofereceu um saquinho de pano marrom
—Pra que serve?
—Como tudo que temos feito ultimamente, proteção
—Posso saber o que é?-tentei desfazer o laço entretanto ele se fazia novamente. Um nó reparador-papai-reclamei
—Sabia que iria querer abrir-sorriu-cuidei disso rapidinho mas, agora entre que o sol já está se pondo
—Já irei só vou reunir as cobertas do Thomi
—Não demore-me olhou desconfiado
—Me dirá o motivo para ter ficado?
—Você.
—Eu? Fiz ou disse algo que não lhe agradou?
—Nunca Thomi, você é o meu único amigo-cada parte do meu coração se contraiu-minha mãe não fez um amuleto pra você
—Não tem problema-ele se deitou, eu sabia que Thomi estava com medo. Assim como eu. Assim como todos que acreditavam.
—Óbvio que há problema-disse resignada e tirei minha obsidiana pela cabeça. Fiz um nó amarrando-a no pescoço de Thomi-você sempre esteve comigo, sem você aqui Thomi, eu não iria aguentar. Eu não suportaria

Não aguentei, meus olhos ardiam e minha garganta parecia se fechar a cada segundo que passava, meus ombros tremiam com a força que eu fazia para não soltar um soluço alto demais, Thomi ficou calado mas gosto de acreditar que se ele tivesse braços me confortaria. A sensação de ter que esconder seus sentimentos era esmagadora. Sufocava na verdade.
   Depois daquele mesmo dia eu pedi a Thomi para me levar ao portal, para tentar acreditar que Peter não viria mais, fiquei horas lá, rondando o portal e eu me arriscaria atravessa-lo entretanto me envergonhava dizer que não tive coragem.
Peter desapareceu, e eu não sabia oque fazer sem sua companhia.
—Você vai esquecer Merlin, dias se passaram, semanas se passaram, meses se passarão, anos se passarão e no final você só vai te-lo na mente como um sonho que não se realizou
—Um conto de fadas-era assim que chamávamos os sonhos que não se realizavam ou uma estória repleta de mentiras
—Sim. A sua única lembrança vai ser esse colar que leva no pescoço-suspirei-o sol se pôs a senhora deve entrar
—Boa noite Thomi
—Boa noite minha senhora

A casa estava aquecida pelas chamas que preparava a comida, eu observava o amarelo se misturar ao laranja e depois engoli-lo, papai concertava alguma coisa quebrada, ele era um dos 7sonhadores e não se agradava muito do dom pois alegava ser inútil para nós, mamãe era uma tempesil dominava as tempestades, quer dizer podia desfaze-las não cria-las denominava sua função como um simples suspiro. Fácil. E eu não sabia oque eu era. E isso sim era inútil.
   A noite tinha chego acompanhada de um frio intenso, uma lareira de pedras foi montada no meio da sala para nos aquecer, estávamos jantando, os únicos sons presentes era os estalos da madeira queimando lentamente, uma coruja ao longe, e um centauro urrando no meio da floresta. Assim tão rápido como as asas de uma fada o silêncio se instalou, rastejando até parecer que o tempo parou.
   Um grito estridente chegou aos meus tímpanos quase os fazendo sangrar, todos nos levantamos no mesmo momento, correndo desesperadamente para fora de casa. Uma péssima ideia. Eu queria avisar que era uma ideia horrível.
   Todos da vila estavam reunidos em volta de um corpo, mas ela não estava morta, sua respiração era descompassada, o único sinal de vida e a pele estava tao branca que se aproximava do translúcido. Meu jantar subiu a boca ameaçando sair sem minha permissão, burburinhos se espalhavam pela multidão, um redemoinho se formou como se saísse do chão para o céu, folhas giravam ao redor depois tudo se dissipou
—Povo de West-uma pessoa de costas disse, assim que se virou todo mundo se afastou com medo. Era Arcate-como estão?-sorriu mostrando a longa fileira de dentes brancos
—O...o que você quer Arcate?-alguém se arriscou
—Eu? Nada-ela riu escandalosamente e então sumiu para aparecer perto de quem perguntou, a metros de distância de mim-sua alma me parece um ótimo motivo de vim mera ninfa
—Não por favor não-se afastou com as mãos a frente do corpo
—Oun, está com medo?-ela assentiu-que pena-disse seca

Arcate levantou as mãos, suas longas unhas quase tocando o rosto amedrontado da ninfa, foi só um levantar de dedo, só um segundo para a pobre cair desacordada e cinza no chão, seu corpo reduzido a ossos. Ela se virou, seus olhos encontraram os meus fazendo meu sangue gelar, me senti sufocada por um momento todavia minha mãe me puxou para perto de si fazendo Arcate rir
—Soube que uma menininha saiu por aí espalhando boatos sobre mim-pôs a mão no peito,uma auto-pena fingida-mas, não era boato. Que irônico não é? Somos mágicos porém ninguém acreditou nessa menina, não lamento por isso
—Não!-saí dos braços da minha mãe-você não pode fazer isso conosco, nem todos aqui foram injustiçados como você, não é mamãe?-Arcate olhou para minha mãe, seu olhar transbordava ódio
—Tola, eu vou fazer vocês se arrependerem por tudo que fizeram

Raios preto faíscantes saíram de sua mão, não na direção dos outros, nem da minha família mas na minha direção. Todos se afastaram, fechei os olhos com o medo que me impossibilitava de sair do lugar, algo me acertou e então esperei porém eu não sentia nada, nada além do cheiro de flores, arrisquei abrir os olhos. Várias pétalas de violeta giravam no ar, rodopiando lentamente no meio da aurora rosa até chegar ao chão, olhos arregalados me encaravam, Arcate estava com o rosto vermelho de raiva. Dei língua a ela
—Idiota-vociferou-sua inconsequente, a sua ousadia vai punir a todos, minhas palavras vão se concretizar e você vai ser a culpada

Ela levantou as mãos e começou a balbuciar palavras que eu desconhecia, um redemoinho se formava no céu escuro, as estrelas sumiram para se proteger da sua ira, ventos uivavam nos nossos ouvidos e faziam as árvores se mexerem descontroladamente, passos ecoavam por todos os lados, portas se fechavam e janelas se batiam, ninguém ficou para ver a tempestade de ódio que se formava além de mim. Arcate baixou a cabeça e me encarou, não desviei o olhar, suas palavras não paravam de ressoar, então tudo parou afundado no pleno breu uma calmaria angustiante chegou.
   Quando abri os olhos tudo estava cinza, algumas pessoas que não conseguiram fugir se arrastavam com os olhos arregalados presas no seu próprio mundo
Você vai se arrepender menininha tola-sussurrou

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