No. 1 Party Anthem

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Está para existir uma festa de que eu não goste.

Talvez eu seja feito para festas, talvez elas sejam feitas para mim.

Música alta ecoando as batidas aceleradas do coração. Braços suados que se encostam sem convite. Corpos que se encontram em desejo e vontade de criarem conexões imediatas. Paredes escuras que disfarçam segredos, suores e outras secreções humanas. Camada invisível de álcool que sai do bar e invade os cantos do lugar, carregada por copos em mãos vacilantes e por hálitos felizes e levemente embriagados.

Acima de todos esses detalhes está o propósito compartilhado de aproveitar a noite, de ignorar os problemas do dia – desde o trabalho que suga sua alma, a família que não para de demandar impossibilidades até a ex namorada que se recusa a sair de sua memória.

Em toda e qualquer festa, esse sentimento está no inconsciente de todas as pessoas presentes. Por ser alguém que vive para esses momentos, nada passa despercebido por mim.

Do bar (melhor lugar para observar pessoas e deixar que sua energia nos contagie – junto com álcool) vejo pessoas dançando ao som de sintetizadores que entorpecem seus sentidos. Elas são braços e quadris que se contorcem sob a luz negra e ocasionalmente colorida da pista de dança. Elas não são seus problemas. Elas são auras azuladas e avermelhadas, que repelem tudo o que não for o calor de corpos se roçando e se balançando ao ritmo da música.

Também posso ver pessoas conversando civilizadamente em mesas altas, fingindo ser adultos que sabem como viver. A verdade é que aprenderam na adolescência como fingir e nunca pararam. Elas fingem que estão em encontros com seus futuros amores verdadeiros, fingem que estão interessadas em matar saudades de pessoas com quem não falam há séculos, fingem que seus copos enfeitados e seus aperitivos intocados importam. Por dentro, todas elas querem apenas estar com alguém. Seja com uma pessoa em particular, seja com um grupo de desconhecidos. Elas querem se perder em algo maior.

É por esse motivo que não faço ideia do que o homem ao meu lado está falando. Sua boca abre e fecha, manipulando o ar e produzindo sons discerníveis para a mulher ao meu lado, que imita o gesto. Eles coordenam pausas, trocam turnos e sorriem nos momentos exatos. Viemos como um trio, mas eles sairão como um casal e amanhã vão fingir que nada mudou entre eles. Me pergunto quando minha fase de cupido irá acabar.

Depois do quarto copo, uma das poucas coisas que me distraíram da conversa ensaiada foi ela. A garota merece itálico, negrito, caixa alta e um seriado só dela. Desde sua chegada, segurando um cigarro escondido entre os dedos, até meia hora atrás, ela dançou lentamente com outras garotas balançando quadris ao ritmo da música. Com mãos erguidas, como quem não se importa em ser acorrentada por mim ou pela vida, seus pés a girava para todos os lados. Ela dançava com todas e com ninguém.

Ela estava na festa e a festa estava nela.

Observá-la virou um hábito na última hora.

– Não façam nada que eu não faria – digo para o casal que formei. Eles sorriem sem-jeito, pois acabei de lhes dar permissão para fazer o que bem entendessem. Não que precisassem de permissão.

Ela está do outro lado do bar. Peço ao barman duas tequilas, pois é isso o que ela bebe, escorregando uma nota de vinte sobre o balcão úmido e pegajoso. Enquanto espero, continuo lhe observando. Ela conversa com três outras garotas, uma das quais é a aniversariante, que decidiu fazer sua festa num bar – melhor decisão impossível. As quatro gargalham felizes. Rostos perfeitamente maquiados para o alto, narizes empinados, saias curtas, decotes profundos, corpos perfeitamente criados. Eu amava cada uma delas e o que faziam para parecerem tão imaculadas.

No. 1 Party AnthemOnde histórias criam vida. Descubra agora