IV - O herói.

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               Usei mais cores que deveria, e nenhuma delas para pintar a obra a qual fui designada. Em troca, recebi mais dias, porém não vi neles nada que pudesse chamar felicidade. Agora surge essa nova questão acima das outras como uma potência matemática, elevando exponencialmente o peso em minhas costas. Portanto, com que fim prolonguei minha existência? Em vez de debater-me com perguntas, colocarei em prática o processo que me restabelecerá a condição de inanimada, escrevei a carta.

               Nossa, imagino quantas maravilhas virão ocorrer depois de findada essa missão: A moça que habita o pensamento de meu senhor saberá dos sentimentos sinceros dele e voltará tão logo concluir pela leitura que o homem que a espera não a esquece e que a distância física que os separa ora não é o destino informando que a relação não tem futuro . Eu então serei um mártir, desligado do mundo para ligar duas almas, como se ocorresse uma troca equivalente. Serei a ponte que restabelecerá o acesso desse casal a si. Um herói para essas duas pessoas. Quem sabe se ambos não falarão de mim a cada dia especial, se não virei a ser uma lenda na boca de seus filhos; mais ainda, um finado cujo trabalho venha a ser admirado à altura de "poema em linha reta", "canção do exílio", "desencanto"²e outros escritos sublimes. Sim, essa é a felicidade que eu preciso.

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² Poemas de Fernando Pessoa, Gonçalves Dias e Manuel Bandeira, respectivamente.

Destinatário AdulteradoWhere stories live. Discover now