Primeira parte

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Outubro de 1856

Ela tirou os sapatos para que não fizessem barulho quando seus pés tocassem o chão. Estava apressada, correndo pelos corredores enormes de sua casa, com os olhos arregalados e amedrontados. Ao ouvir passos, se virou tão rapidamente que esbarrou na mesinha que ficava encostada em uma das paredes, fazendo o vaso de porcelana que estava em cima, cair.

Mas antes que ele se chocasse contra o chão, mãos ágeis o pegaram.

— Perdoe-me, senhorita.

Seus olhos verdes se encontraram com os do homem a sua frente.

Foi como se o mundo tivesse silenciado por alguns segundos, tanto para ela, quanto para ele, quando se deparou tão de perto com a beleza da jovem.

Ela murmurou algo que ele não compreendeu.

— Sinto muito ter lhe assustado.

— Não me assustou. Estava apenas perdida em meus pensamentos e não o notei.

Ele colocou o vaso de volta em seu devido lugar e falou de forma gentil:

— De qualquer modo, sinto muito.

Ela sorriu para ele de forma doce.

De repente, uma voz grave gritava o nome da jovem, o que a fez arregalar os olhos.

— Oh meu Deus, é o meu pai!

Uma porta no meio do corredor seria sua salvação, então com as mãos trêmulas, ela girou a maçaneta e entrou, mas antes de fechar a porta, encarou aquele homem que a olhava de forma curiosa.

— Por favor. — ela colocou o dedo indicador em frente aos lábios.

Sua voz não passou de um sussurro, e se não fosse pelo olhar observador dele, diretamente em seus lábios, ele não teria entendido aquele pedido tão desesperado.

Assim que ela fechou a porta, dois homens cruzaram o corredor.

— Senhor Norton? Eu não sabia que estava junto de seu pai.

— Senhor Barot — ele fez uma reverencia — Eu precisava tratar de alguns assuntos na cidade, e resolvi fazer uma visita.

— Fique quanto tempo for necessário. Ah, permita que eu lhe apresente o senhor Monteiro, futuro noivo de minha filha.

Ele foi discreto ao constatar que a moça escondida atrás daquela porta, provavelmente estava fugindo de seu próprio noivo.

Quando os homens se afastaram, ela abriu a porta e saiu.

— Fico grata por ter guardado segredo, senhor. — assim que ela se preparou para fazer um reverencia, ouviu novamente os gritos de seu pai — Oh, céus! Ele está voltando!

Ele se sensibilizou com o desespero da jovem, então resolveu ajudá-la.

— O que a senhorita está pretendendo fazer?

Ela não respondeu, mas correu até o próximo corredor, levando Henrique junto. Ao avistar outra porta, ela a abriu e entrou com ele; sem saber que era um dos minúsculos cômodos em que havia apenas roupas de cama.

O coração dela estava tão acelerado e sua respiração tão ofegante, que ela só percebeu seu corpo praticamente colado ao dele, poucos minutos depois.

— Oh, perdoe-me! — ela tentou se afastar, mas não havia mais espaço — Fiquei desesperada em fugir que não pensei...

A luz do pequeno cômodo era muito fraca, mas ele pôde notar o tom corado que se apoderou do rosto da jovem.

— Não vejo mal algum nisso, senhorita. Pelo contrário.

Ela semicerrou os olhos.

Ele não poderia negar o tremor que percorreu sua coluna ao ter o corpo dela tão perto. Ela era perfeitamente bela e terrivelmente irresistível.

— Como assim?

Ele deu uma leve risada, erguendo os ombros.

— Não foi difícil constatar o motivo de seu desespero. Nem mesmo minha irmã, que só Deus sabe como era rebelde, fugiu do futuro noivo com tanto afinco.

— Meu pai quer me obrigar a casar com um homem que não conheço! Passarei minha vida inteira fugindo se for necessário!

Saber que ela não queria o compromisso, o fez sorrir. Ele não imaginava que houvesse outra pessoa com o gênio tão forte quanto o da irmã.

Mas a rebeldia da irmã sempre o irritou.

Já a da senhorita Barot, o deixou terrivelmente atraído.

Ela o olhava profundamente, como se estivesse sentindo o mesmo que ele. E de fato, estava. Ambos não poderiam negar a atração imediata que sentiram um pelo outro.

Quando o corredor silenciou novamente, ela abriu a porta e saiu.

— Está mais calma?

Ela inspirou profundamente.

— Sim. Mais uma vez, peço perdão por tê-lo envolvido nesta confusão. Acredite, estou profundamente envergonhada por minha falta de decoro. — ela deu um leve sorriso — Espero que não fique com uma má impressão.

— Da senhorita? — ele perguntou como se ela tivesse dito algum absurdo — Isso seria impossível.

Ele a conhecia apenas como filha do senhor Barot, mas, mesmo sabendo que ela já estava prometida a outro homem, ele não conseguiu negar a vontade que estava de conhecê-la mais. Muito mais.

Ele estendeu a mão e ela colocou a sua sobre a dele.

— Estou encantando em finalmente ter a honra de conhecê-la, senhorita Barot. — ele beijou as costas de sua mão, por sobre a luva que ela usava. — Sou Henrique Norton, filho do senhor Plínio Norton, velho amigo de seu pai.

— Ah, sim. Conheço o senhor Norton. — ela sorriu, o deixando com a certeza de que queria vê-la sorrindo mais vezes — Estou lisonjeada em conhecê-lo, senhor Henrique. — ela fez uma reverência — Espero que na próxima vez que nos encontrarmos eu possa ao menos lhe oferecer um chá.

— Um chá em sua companhia seria adorável, senhorita.

A Prometida (conto de época)Onde histórias criam vida. Descubra agora