Pré-adolescência

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Ao chegar na pré-adolescência, meus sentimentos de inferioridade, exclusão e baixa autoestima se acentuaram. Até onde eu sabia, minhas amigas não conviviam com aquelas situações humilhantes. Assim como todas as pessoas, possuíam conflitos nas respectivas famílias, mas não eram tão evidentes quanto na minha. Moravam em casa minimamente dignas, com algum ou bastante conforto, possuíam carro, condições financeiras para comprar roupas novas, cosméticos, mas acima de tudo, tinham liberdade para passeios. Eu desejava tanto ter tudo aquilo, mas nunca nos sobrava dinheiro, mas mesmo que sobrasse, meu pai nunca me deixava sair, pois temia muito que eu seguisse caminhos tortuosos, começasse a namorar e ficasse "mal falada", como ele sempre dizia.

Eu me sentia muita retraída e por isso eu não tinha muitas amizades íntimas. Desta forma não me sentia pertencente a nenhum grupo.

Desenvolvia-se assim, mais um sentimento nocivo: solidão...

Uma vez por ano, vivíamos tempos de fartura por alguns dias. Isto ocorria normalmente nos meses iniciais de cada ano porque meu pai recebia seus vencimentos e gratificação de férias, décimo terceiro e salário, o que representava quatro vezes o valor que estava acostumado a receber todos os meses. Esbanjava tudo com comidas caras para nosso padrão de vida e cerveja. Adorava declarar alto para que tinha muito dinheiro e por isso, às vezes lhe pediam empréstimos que raramente eram quitados. Minha mãe chegava a chorar, nervosa e pedia para ele economizar. Prevenia-lhe que no mês seguinte passaríamos dificuldades, mas ele não a ouvia. Estava feliz demais, sentindo-se poderoso e afortunado. Para mim e para minha irmã, eram dias alegres, pois eram festivos e meu pai quase não esbravejava por nada. Afinal, tinha tudo o que precisava: dinheiro, cerveja, cigarros, comida e não precisava se preocupar em trabalhar no dia seguinte.

Completei meus treze anos em um destes períodos de abundância, em fevereiro de 1991.

Me lembro com carinho daquele dia. Minha mãe havia falado que queria fazer um churrasco com alguns vizinhos mais próximos em comemoração ao meu dia. Meu pai concordou. Acordei no dia de meu aniversário sozinha em casa. Me senti muito bem por isso, pois significava que eu estava crescendo e que minha mãe confiava que eu ficasse sozinha em casa. Eles haviam saído para comprar todos os itens para a minha festa. Acordei, tomei café que já havia sido preparado pela minha mãe antecipadamente, me troquei e fiquei esperando eles voltarem.

Eu estava muitíssimo animada e feliz com tudo aquilo. Me sentia especial. Foi um refrigério para minha alma!

À noite, tudo ocorreu muito bem. Me deitei satisfeita e grata. Adormeci muito feliz naquela noite.

Mas no mês seguinte de fato sofríamos ainda mais com a escassez. Além de passarmos praticamente de um dia para o outro de uma situação de plena abastança para extrema privação, ainda tínhamos que suportar o péssimo humor que tomava conta de meu pai.

Em uma fase destas de escassez, chegamos a ficar praticamente sem ter o que comer em casa e aos domingos meu pai mandava que eu e minha irmã fôssemos à feira livre para recolher do chão batatas, banana, limão, enfim, todos os vegetais rejeitados pelos comerciantes para que pudéssemos ter o que comer durante a semana. Me lembro nitidamente que meu rosto queimava, constrangida a recolher aqueles alimentos jogados no asfalto quente ao sol do meio dia, procurando escolher os que não estivessem podres. Por muitas vezes, eu via alguns colegas da escola que se reuniam para comer pastel e conversar. Eu passava sorrateira entre as bancas, abaixada, com muito medo de ser vista e ser alvo de piadas cruéis. Me sentia literalmente comendo as migalhas rejeitadas como fazem os cães sem dono.

Das cinzas à plenitude... e Ele fez morada em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora