Capítulo um - Tanabata Matsuri

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Sasa no ha sara-sara

Nokiba ni yureru

Ohoshi-sama kira-kira

Kin gin sunago

(As folhas do bambu murmuram, murmuram,

balançam as pontas.

As estrelas brilham, brilham,

grãos de areia de ouro e prata.)

(Canção infantil tradicional do Tanabata Matsuri [1])

Sabe aqueles momentos em que dá vontade de morrer?

Sinto isso todos os dias. Na verdade, de segunda a sábado, quando o despertador informa que está na hora de acordar para ir ao colégio.

E é sempre a mesma rotina: desligo o despertador, fecho os olhos por mais cinco minutos e, quando volto a abri-los, percebo que na verdade já se passou meia hora. Então, dou um pulo da cama, escovo os dentes, visto meu uniforme numa velocidade inacreditável e desço, de dois em dois, os degraus da escada da minha casa. Enquanto calço os sapatos no hall, sempre escuto mamãe perguntar, da cozinha:

– Querida, não vai tomar o seu café da manhã?

– Não dá tempo! – Respondo de volta. – Estou atrasada, muito atrasada!

Aí ela sempre traz o meu obento[2]  e me deseja um ótimo dia.

Mamãe está sempre sorrindo. E é tão linda! Parece uma dessas bonecas de porcelana. Tem quarenta e um anos, mas nem uma única ruga. Sabe, essa magia que as mulheres japonesas têm de demorarem mais a envelhecer.

Queria ter essa magia também. Por que não tenho? Bem, na verdade, não sou exatamente uma japonesa.

Só não me pergunte de onde eu sou, porque simplesmente não sei.

É, eu não sei mesmo.

Então, sou Matsuo Umi [3] e tenho quinze anos.

Matsuo Umi. Um nome japonês, não é? Mas repito: não sou japonesa. Ao menos não "de verdade". Vou explicar brevemente a minha história: fui abandonada ainda bebê na porta de um orfanato em Chiba[4]. Aos cinco anos, fui adotada por um casal de japoneses. E é claro que eu sempre soube que era adotada. Não apenas pelo fato de lembrar do orfanato e tudo mais, mas também pelo motivo óbvio de eu não poder, de forma alguma, ser filha biológica dos meus pais.

Tenho os cabelos loiro-escuros, volumosos e com ondas, além de olhos azuis enormes. Sem contar que tenho um metro e sessenta e oito de altura. Talvez isso, no ocidente, nem seja grande coisa, mas no Japão é o suficiente para que eu seja a menina mais alta da minha turma.

Após guardar meu lanche dentro da pasta, eu sempre me despeço da minha mãe e saio correndo pelas ruas, como uma louca.

Neste dia, minha pressa era ainda maior. Era sábado[5], o único dia em que eu não poderia, de forma alguma, me atrasar!

Cheguei à escola e me apressei em trocar os sapatos[6].  Bem que tentei chegar à sala sem ser notada, mas o professor, ao me ver na porta, interrompeu a aula e me cumprimentou:

– Bom dia, Matsuo-san[7].

– B...Bom dia, Shimada-sensei[8].

– Sente-se. Estamos na página 87 do livro.

Tentando agir com naturalidade – o que é difícil quando se está mais vermelha que um camarão frito –, fui para o meu lugar. Na minha escola, as mesas são para dois alunos, e, como de costume, sentei-me ao lado da minha amiga Natsu, mas sequer a cumprimentei. Continuei olhando, encantada, para o professor.

Tenshi - Um Anjo sem AsasOnde histórias criam vida. Descubra agora