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Nina:

A melhor parte de ser enfermeira iniciante em um hospital público é a hora de ir embora.
Não me levem a mal. Ser enfermeira é carregar nas mãos a missão de dar tudo de si para tentar ajudar. Mas quando se estar iniciando nada é tão bom assim. A pressão e toda responsabilidade de ser competente o tempo todo. É assustador.
Quando eu escolhi fazer enfermagem eu imaginei que pudesse ser complicado, ainda mais a adaptação dos plantões, mas achei que a profissão estava no sangue. Minha mãe trabalhou como enfermeira durante 20 anos, ela foi inúmeras vezes reconhecida pelo seu trabalho, até mesmo fora do Brasil.
Eu sempre tive uma paixão por fotografia, ainda lembro quando meu pai me deu minha primeira câmera, na verdade, era sua velha câmera Nikon e me ensinou a revelar fotos. Desde então, eu sou apaixonada por fotografia. As câmeras vintage são capazes de captar o "agora" de um modo que as digitais não conseguem. Todas as cores ficam mais atenuadas. Sem contar com o tradicional método de revelar as próprias fotos, exatamente como preferimos, é incrível.
Na adolescência eu aprendi muito sobre fotografia, e praticava bastante também. Mas quando pedi minha mãe com 17 anos, acabei ficando desanimada. Ela morreu com um maldito câncer cerebral. Por ironia, minha mãe trabalhou com pessoas com câncer por bastante tempo, todos os dias ela chegava em casa falando como foi acompanhar um paciente com a quimioterapia, inúmeras vezes ouvir ela dizer que o câncer era o mal do século. Talvez ela estivesse certa.
Eu achei que não iria perder minha mãe, eu estava tão confiante com o avanço do caso. Ela havia feito algumas sessões se radioterapia e quimioterapia, e foi em uma noite fria e estranha que me ligaram do hospital me informando que ela havia falecido. O meu mundo desabou, completamente. Eu me isolei de tudo e de todos por vários meses, e meu pai cometeu suicídio 7 meses depois. Talvez esse foi o momento mais angustiante da minha vida; eu estava no meu quarto ouvindo uma música do AC/DC quando ouvi um barulho ensurdecedor. Me levantei correndo e fui até o quarto do meu pai, quando abri a porta eu o vi caído no chão com uma arma na mão e na outra uma foto da minha mãe. Ele escreveu uma carta de suicídio, e até hoje eu não esqueço cada palavra que tinha naquela carta.
As lembranças dos meus pais me faziam ficar cada vez mais anti-social, eu não queria ver ninguém. Eu não tinha mais ninguém, além da Lucy minha cadela e da Débora, minha amiga de infância.
As coisas com o passar do tempo só pareciam estarem piorando, eu tive que me virar e comecei a trabalhar em uma lanchonete local. Era estranho, mas eu gostava de trabalhar naquele lugar. O cheiro de café logo de manhã, o barulho das pessoas comendo os cookies americanos, até mesmo o cheiro de fritura era agradável. Alguns dos clientes faziam questão de ir até a lanchonete todos os dias, e muitas das vezes com os mesmos pedidos. Esse período acabou sendo bem importante, eu me sentia viva naquele lugar e ninguém conseguia entender. Até que um dia o Fábio, proprietário da lanchonete me chamou para conversar e me informou que teria que fechar as portas. Durante alguns meses eu não fazia idéia do que iria fazer, até que conseguir uma bolsa em um técnico. Eu poderia fazer enfermagem, e eu nem cogitei a possibilidade de recusar.
-Nina? Você está me ouvindo? - escuto uma voz feminina me tirando do transe.
-Me desculpe, Bea. Só estava pensando. - digo olhando fixamente para seu rosto.
-Eu imaginei isso. -ela diz pegando uma ficha e me entregando- Esse paciente acabou de da entrada no pronto socorro. É preciso fazer alguns exames, você pode fazer isso? - ela pergunta me encarando.
-Sim. Já vou ver isso. - pego a ficha do paciente e cômputo as informações no banco de dados.
Saio da minha cadeira e vou até aonde o paciente se encontra.
-Você é o senhor Sérgio? - pergunto observando a palidez de seu rosto.
-Sim, minha querida. - um senhor de aparentemente uns 60 anos me responde com uma voz um pouco cansada.
-O que o senhor está sentindo? - pergunto observando sua falta de ar.
-Meu peito está doendo, e eu estou com bastante dificuldade para respirar. - pego meu estetoscópio e vejo o descompasso de seu cardíaco.
-O senhor tem hipertensão? - pergunto e vejo que apresenta mais dificuldade com a fala e leva a mão até o peito.
Meu Deus! Ele está infartando! Fico em estado de choque ao ve-lo com sinais de começo de infarto.
Vou correndo até a recepção e aciono os outros enfermeiros e médicos disponíveis. Vejo Beatriz correndo até o quarto com um desfibrilador nas mãos e outros dois médicos ao lado.
Entramos na sala correndo e vejo o senhor inconsciente, o medico examina as condições do paciente e é colocado as pás com os eletrodos o médico comanda.
-1,2,3. Afastar - e a descarga elétrica passa pelo o corpo do Sérgio.
O medico remove as pás com eletrodos e faz RCP (Ressuscitaçao Cardio Pulmonar), durante 4 ciclos e o senhor Sérgio acaba voltando.
Sinto como tirasse 4 quilos de minhas costas, e finalmente todos respiram aliviados. Saio da sala e vou até a recepção.
-Você está pálida, Nina. - Ananda, uma outra enfermeira diz chamando minha atenção.
-É... Eu não imaginei ver alguém...
-Pois é, tem que amar isso tudo aqui pra aguentar por muito tempo. - ela diz me dando um copo de água.
-Você tem toda razão.
O decorrer do dia passou bem rápido, não houve nenhum outro caso tão grave naquele dia.
Chego em casa por volta das 21hs e sou rececionada pela Lucy, ela pula em cima de mim e começa me lamber freneticamente.
-Menina, eu entendi que você estava com saudade. - digo tirando Lucy de cima de mim.
Chego no meu quarto e vejo que eu preciso arrumar aquela zona, senão vou acabar me perdendo no meio de tantas coisas.
-Aaah, você chegou. - Débora diz saindo da cozinha.
-É... Cheguei de mãos dadas com o mau-humor  - digo me sentando em minha cama.
-Tô vendo que o dia foi cansativo, ainda bem que eu pedi uma pizza.
-Você adivinhou meus pensamentos. - sorrio- Mas agora preciso de um banho.
-Então vai lá, vou te esperar.
Entro no banheiro e deixo a água gelada me tomar por completo. Com meus olhos fechados eu sinto uma sensação completamente diferente. Hoje eu quase presenciei uma pessoa morrer, isso acaba sendo uma alívio ter conseguido ajuda-lo, mais existirá momentos que nos terá como consegui salvar alguém. A cena de Sérgio naquela cama inconsciente não sai da minha cabeça.
Saio do banho e vou até meu quarto, me visto com uma roupa largada e vou até a cozinha. Débora estava fazendo carinho na Lucy.
-Você não devia fazer carinho nela na cozinha. - digo e ela faz careta pra mim.
-E você não devia ser tão chata. Ela é mais limpa do que você.
Moro com Débora desde que meu pai se suicidou, resolvemos alugar uma casa um pouco mais perto do Centro e estamos aqui até hoje. Ela acabou passando em um concurso para Policia Militar e atua na área, tenho bastante orgulho das conquista dela. Como eu sempre digo para ela, ela é um anjo que veio para me proteger. Nem sei que estaria viva ainda se não fosse por ela.
-Provavelmente ela é mais limpa do que nós duas. . - digo e ela faz cara de confusa. - Comprou da portuguesa?
-Sim. Sua preferida.
-Obrigada pela gentileza, senhorita - digo e ela pisca pra mim.
-Por nada, recruta. - ela diz com a boca cheia. - Ah, e sua namorada? Como estão? - ela pergunta fazendo cara de deboche.
-Estamos bem, só acabamos discutindo hoje de manhã.
-Cara, como duas pessoas que moram tão longe uma da outra conseguem discutir?
-Eu também queria saber.
-E sua vida sexual? Como anda? - Débora pergunta dando várias risadas.
-Me poupe, Deb. Você é horrível.
-Não, só estou interessada. Como é transar virtualmente? Diz aí.
-Namore virtualmente que você saberá.
-Olha, você sabe o que eu penso sobre isso não é? Namoros virtuais não são namoros, Nina. E ainda vou te provar isso.
-Isso é o que você pensa. - digo tomando um gole do meu refrigerante. - Eu irei conhece-la.
-E ira descobrir que isso tudo era idealização de vocês. Eu vejo casos como este todos os dias na delegacia. E você vai dar sorte se ela não for uma maluca querendo seu dinheiro, vai por mim.
-Tudo bem, eu sei que existe diversos casos assim. Mas esse pode ser diferente. Esse é diferente.
-Tudo bem, Nina. Eu só me preocupo com você.  - ela diz se levantando da mesa. - Agora irei dormi, e você devia ir descansar também. Boa noite.
-Eu irei sim. Boa noite.
Eu sabia que talvez a Débora tivesse razão sobre a Anne, afinal, eu nunca a vi nesses 3 anos que namoramos. Mas no fundo eu sei que ela é minha alma gêmea. Eu nunca me senti tão a vontade com alguém como me sinto com ela. Eu não tenho dúvidas do meu sentimentos por ela. Mas por algum motivo ou por intuição eu sinto que talvez as coisas podem prestes a mudar. Já sentiram isso?

Namoro Virtual (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora