Os dois acordavam esperando pelo fim do dia. Quando o Sol ameaçava se por, iam para a varanda, onde divagavam sobre tudo, e ao mesmo tempo sobre nada. Assuntos tão cotidianos, e ao mesmo tempo tão novos, falavam sobre todas as coisas, menos as pessoas (nunca gostaram delas, e nem mesmo nunca as entenderam, elas nunca poderiam entender certas coisas também). O menino parecia temer todas elas.
- Meu coração acelera muito, e minhas mãos suam. - lamentou o menino com a voz trêmula, e olhando em frente.
A menina inclinou-se para ver o rosto pálido do menino. Os olhos dele agora miravam a calçada distante, onde haviam pessoas que voltavam do trabalho, apressadas, se esbarravam. Ele olhou nos olhos dela pela primeira vez e disse:- Elas... elas não entendem, e nunca vão entender! Olhe como são apressadas, elas se amontoam. - exautou-se - Podem enxergar, e não vêem, não vivem, apenas sobrevivem, garantem o próximo dia, atropelando o hoje. Ninguém vive de amanhã!
A menina observava-o pela parte em que era possível ver seu rosto. Estava perplexa, impressionada, e até mesmo orgulhosa. Foi a primeira vez que ele havia dito tantas coisas assim. Mas os olhos dela estavam enormes, maiores que o comum.
- Céus, senhorinha, me perdoe - colocou as mãos no rosto, com os cotovelos apoiados na grade de sua varanda.
- Eu sempre faço isso, sempre! - continuou o menino, que parecia com raiva, e esmurrou um daqueles canos da varanda.
A menina pulou de susto pelo barulho, tinha certo receio, e ao mesmo tempo sentia uma incontrolável vontade de abraçar esse moço, acabar com essa parede que os separava. Ela foi para o canto da parede do menino, as mãos dele estavam repousadas na grade recém esmurrada. A menina apoiou-se para fora e esticou um pouco um dos braços, segurando uma das mãos do menino, ele olhou para as mãos juntas, e fechou os olhos, sentindo cada segundo daquele contato nunca antes tido. Notou também que as mãos da menina eram muito finas e pálidas, quando comparada as dele, apesar de sua magreza.
Ele olhou pra menina que sorria até com olhos. Por que ela o via dessa forma, quando todas as pessoas queriam distância dele? Ele sabia que não era um ser tão bom assim. Quase pode sentir-se vulnerável, porque não era como se ela não visse todos os seus espinhos, por ingenuidade, ela os via, mas era capaz de amar cada um.
Após um longo silêncio, a menina recolheu-se, e olhou um pouco corada pro menino.- Está tudo bem, ouviu? - disse a menina sorrindo com certeza.
- Eu não sei... eu tenho medo, medo de te machucar - olhou pra ela pela primeira vez em algum tempo.
- Você é incapaz disso, não tenha medo. Porque eu não tenho - agora sua expressão era séria como nunca, e mais segura que muitas outras.
- Eu me sinto um pouco cansado, meus olhos ardem, acho que vou entrar... talvez arrume algumas coisas - disse com descaso.
A menina engoliu seco, foi tão ruim ouvir aquilo naquele momento. Ela posicionou-se aonde ele não pudesse ver seu rosto que naquele momento escorria a primeira lágrima, logo veio a segunda, a terceira, e a menina estava ali, sentada no chão de sua varanda, parecia desbotada.
Sentiu vontade de sumir por um dia, talvez dois, mas pensou muito no menino aquela noite, sua vontade de cuidar de cada segundo da vida daquele moço a partir desse dia, foi imensa, e até inexplicável. Pensou tanto no rosto amargurado dele, última imagem do menino no dia, e dormiu.
Ela queria ser mais forte de vez em quando.
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Como Estão Teus Olhos?
Short StoryUma menina num pequeno apartamento que já não suporta o próprio vazio, e incolor dos seus dias, procura um refúgio em sua varanda, sozinha tenta encontrar-se nos pássaros, nos formatos das nuvens, nos trajetos de aviões, nas palavras que ela tanto r...