1 - Você não faz ideia do efeito que pode causar

425 27 23
                                    

Uma fina chuva castigava os alunos do lado de fora do refeitório. A refeição do dia era pão com frango e suco de uva, o preferido dos alunos. O retorno das férias de verão deixaram os alunos do colégio Santos Dummont eufóricos. Para alguns, seria o último adeus a escola. A formatura do ensino médio será no final do ano.

Aparecida, Karen e Joaquim conversavam sobre como seriam a formatura: qual seria o tema, qual banda iria tocar, qual menina mereceria tomar um banho de tinta e qual professor seria arrastado no chão de tão bêbado que estivesse. Exceto Leon.

O olhar dele estava distante. Sua mente estava em um mundo paralelo, as vozes de seus amigos era apenas um burburinho diante da confusão que era sua mente. Aparecida pareceu notar.

— Tu tá aí?

Leon saiu do seu transe, como se o tempo tivesse parado e ele retornasse como se nada tivesse acontecido. Deu uma mordida em seu pão e tomou a atenção para a conversa de seus amigos. Tinha algo para contá-los, mas o medo lhe impedia.

Não o medo de assumir sua orientação de homossexual. Ele já havia se aceitado, entendido que ele era daquele jeito e que por mais que ele tentasse ir contra, todo esforço seria em vão.

— Sua mão está tremendo, Leon.

O medo era da reação de todos aqueles que estavam a sua volta. Medo de ser abandonado e oprimido. Medo de sair na rua e ser alvo de violência simplesmente por amar de uma forma diferente.

Ele já tinha quase dezoito anos. Decidiu que não esconderia mais quem era. Não valia a pena viver uma vida mentindo para si mesmo. Estaria disposto a encarar as consequências de ser quem era, embora doesse. Estaria colocando em risco a confiança que tinha com seu pai, os segredos da avó e poderia, sim, afastar seus amigos. Fora a situação social que os LGBT's enfrentavam no mundo.

— Eu sou gay.

Embora eles estivessem na mesa mais distante do refeitório, Leon pôde jurar que todos ouviram o que ele disse. Pareceu entrar em transe mais uma vez. Aparecida trocou um olhar com Joaquim e a boca de Karen se transformou em um "O". Ela estava espantada.

Leon desviou o olhar de Karen, sua ex-namorada. Olhou para a janela no momento em que um pingo de chuva escorreu pelo vidro. Ele tinha medo era da reação dela.

— Você está brincando? — Aparecida perguntou.

— Vocês sabem que eu não sou de brincadeiras.

— Isso muda tudo, Leon. Você não faz ideia do efeito que pode causar.

— Eu não me importo se você é gay, Leon. Eu compreendo que seu desejo por homens é natural. Mas eu não posso aceitar ter sido enganada por um ano — Karen engoliu as lágrimas, deu um último gole em seu suco e foi embora.

Então, havia começado. Começado a perder seus amigos ali naquele momento. Quis chorar. Mas preferiu não demonstrar o tanto de medo que sentia naquele momento. Aparecida acompanhou Karen, deixando Joaquim e Leon sozinhos.

— Me desculpa, Joaquim — Leon abaixou a cabeça, quase enterrando-se dentro de si. — Não pare de falar comigo.

— Você realmente não faz ideia do efeito que causa. Eu estarei aqui, você sabe.

Joaquim então olhou dentro dos olhos do seu melhor amigo e viu todo um futuro neles. O toque do sinal dizia que o intervalo chegou ao fim e que eles precisariam voltar para a sala de aula.

O terceiro ano que eles estudavam era composto de amigos de infância. Morar numa cidade pequena desde o nascimento não impedia ninguém de estudar com as mesmas pessoas, mas, todo o ano sempre chegava algum novato e aquele ano não foi diferente.

Efeitos ColateraisOnde histórias criam vida. Descubra agora