Carta - Capítulo único

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Um dia qualquer, 2016

Para: Eu mesma.

Sua mãe novamente lhe mandou aquelas mensagens em chat dizendo que nada se consegue de maneira fácil na vida, não é mesmo? Entendo. Desculpe perguntar novamente, mas como era seu nome? Ah, "Eu mesma". Lembrei, obrigada. Passou-se uns meses e você aparenta estar mais sorridente, imagino. Ou é aparente apenas, uma ilusão de que tudo está resolvido, mas sempre que há uma brecha em sua felicidade alguém ou algo lhe convida a retornar às lágrimas e os pensamentos fúnebres. Final do ano está chegando e junto a ele a prova para passar ao vestibular, e eu? Nada estudei. Após a reprovação anterior, iniciei o ano com o discurso de que hoje e não amanhã começaria a me dedicar, a estudar e ser o que muitos consideram como: alguém na vida. Pois é, falta menos de três meses para a avaliação nacional e estou fazendo totalmente o contrário. No lugar de livros, horas jogando; no espaço noturno para uma noite saudável de sono, madrugadas em claro; no lugar de atitudes, empurrões para o depois. " Amanhã eu começo". Nunca hoje, somente na expectativa do outro dia, nos discursos para mais tarde. "Quando eu tinha sua idade já trabalhava e estudava para conseguir chegar onde cheguei. Você só joga, isso é vício. Jogo não leva a lugar nenhum. Está igual seu pai, o mesmo nunca fez faculdade, apesar do emprego digno dele, vive somente de sonhos e ilusões de que as coisas caem facilmente do céu. Você está estragando sua saúde dormindo pela madrugada, sua visão com o tempo exorbitante que passa em frente ao computador. Você somente fala que vai, mas não é alguém de atitudes. Estou cansada de ti, cansada de vê-la assim". Você e você, só isso e aquilo... Frases que cansei de ouvir da pessoa que eu sempre busco como meu porto seguro. Não tiro razão de suas palavras, realmente não estou numa rotina de uma pessoa que almeja tanto chegar no topo mais alto, porém com atitudes que só irão me deixar estagnada na cadeira questionando-me e vendo o tempo passar. Deve ser difícil para você mãe, me ver deste jeito. Nunca recebeu ajuda de meu pai, criou-me e sustentou-me sozinha, juntamente com sua mãe, minha avó, onde seu quadro mental só piora e a torna cada vez mais dependente de ti, igual um paciente que aos poucos perde suas memórias e por vezes, confunde o passado com o presente. Eu sei que você sendo minha mãe quer o melhor para mim, e que nossas discussões são para tentar abrir meus olhos. Eu sei. A senhora, assim como muitas outras pessoas disseram-me: Mas que menina inteligentíssima e criativa, além de ser bonita. Irá longe. Você me viu crescendo e ouvindo esses comentários, e claro, tu mesma também me considera tudo isso, juntamente com seu amor único de mãe. Mas já tentou parar e me perguntar: Filha, você se ama? E dependendo da resposta, por mais negativa que seja, ouvir atentamente e dar um abraço no final depois que minhas lágrimas caírem ao explicar que eu mesma não me vejo como alguém merecedora da felicidade.

No último ano de meu ensino médio, aqueles 6 meses antecedentes ao término, que passei em casa sem ir um único dia sequer para assistir uma aula; mesmo sendo sufocante, era necessário e acima de tudo, para o meu bem. Não reprovei, com o atestado do psiquiatra e a generosidade dos professores, mesmo não sendo uma aluna que tirava as melhores notas da turma ou a máxima, permitiram que eu fizesse os exames finais em casa. Essa época realmente foi o auge daquele monstro impertinente em nossos corações, a depressão. Infelizmente, isso ficou marcado em meu boletim e consequentemente me atrapalhou para prestar concursos. Ainda bem que essa fase passou, não é verdade? Eu mesma? Esse ano melhorei em muitos aspectos e poderia me dar ao luxo de dizer que superei aqueles dias sombrios. Ou era isso que eu queria. Aqui estou, tentando vencer a tristeza com a ideia do sorriso. Tentando relevar seus comentários, mãe, de que não irei ter sucesso permanecendo dessa forma. A primeira pessoa, mais do que tu que quer que eu mude, sou eu mesma. Mas como? É difícil. Ninguém pode me ensinar a como ser adulta além da vida; ninguém pode me ensinar as responsabilidades além das consequências de meus atos. Eu jogo pois de alguma maneira me faz fugir da realidade. Eu madrugo porque a noite é convidativa, os deveres e obrigações adormecem, e eu posso fingir que o tempo deu uma leve pausa para que eu possa continuar sonhando e imaginando no quão maravilhosa eu sou, e nas maravilhas que eu sou capaz de realizar. Nos obstáculos que não estarão lá, pois já os derrubei. No amor que tenho pela minha pessoa. E não depressão que domei e retirei-a de meu peito. Não citei anteriormente, mas já houve inúmeras tentativas de suicídio que tentei, uma delas quase bem-sucedida. Hoje as ações não permeiam meu dia, mas não nego que os pensamentos suicidas retornam toda vez que a realidade bate a minha porta, e na maioria das vezes incentivado por um comentário seu, mãe. Eu tenho plena noção que tu apenas se preocupa comigo, sua filha. Eu também quero poder ser aquela pessoa que cumpre com o que diz, que ao invés de jogar irá se dedicar ao menos um pouco para conseguir chegar onde quer, sabendo que sem esforço nada cairá do céu. São muitos medos, muitas angústias e a falta do: "Creia em si mesmo(a)". Talvez você não saiba, mas muitas noites penso que a solução seria desaparecer por completo desta realidade. Sou alguém que só sabe falar, desperdiça as oportunidades, não lhe respeito e acima de tudo, preguiçosa. Mas há somente uma coisa. Na verdade, há inúmeras, mas no momento a mais cabível é essa que eu peço a você mãe: Me ouça e me abrace no lugar de respostas negativas, por mais que eu tente compreende-la, isso me machuca. Ao tempo: Por favor, não corra, não se apresse... não posso acompanhar seu ritmo, não posso amadurecer e mudar conforme você deseja. Considere esse pedido, certo Tempo? E a mim mesma: Não desista de si, ame-se. Eu sei, é difícil. E não esqueça de ler isto num futuro não tão distante. Então, não se mate, por mais que a única solução aparente ser essa saída. Não pude encontrar e organizar tudo que sinto palpitando em minhas loucuras, em minhas tristezas ou alegrias momentâneas. Mas obrigada por ler, como se chamava? Ah... eu mesma.

Se eu conseguir chegar a ler isto tudo, acho que esta escritora amadora não desistiu por completo de si mesma futuramente.

Att. Eu


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⏰ Última atualização: Aug 29, 2016 ⏰

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