Carta Encontrada

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Achei esta carta junto ao esqueleto de um homem despido, com um revólver sem munição na mão direita e uma perfuração no crânio.

O cadáver estava enclausurado em uma sala oculta no porão, protegida por paredes reforçadas e selada por um portão de aço misturado ao cimento. A única mobília presente neste cômodo secreto, além da cadeira em que o morto repousava, é um espelho oval de frente para o defunto.

No cômodo que precede este anexo há também: uma estante em pé, dois armários pequenos de segunda mão, um criado-mudo sem gavetas e um esqueleto de cama. Todos os móveis, apesar de antigos, em perfeito estado de conservação.


"São João das Ostras, 21 de Fevereiro, 1932

Perspicaz leitor,

Adquiri esta residência há dois anos. Antes, morei nas zonas produtoras de café no interior paulista. Depois de 1929 e as crises daquele período, movi meus negócios para esta cidade e abri alguns pontos de comércio nos arredores.

Com a renda estabelecida, saí por definitivo de São Paulo e comprei esta propriedade.

A primeira vista, o local parecia decadente.
As paredes externas reclamavam pintura, os portais estavam descascados e até os muros exibiam buracos.

O vendedor comentou que no entanto, internamente, a casa estava bem conservada. Posteriormente, isso se mostrou verdade. Entretanto, uma curiosidade tomou conta do meu espírito: por que invadiriam os limites externos da mansão, mas não os internos?

A resposta gelou meu sangue, apesar de meu espírito cético.

— A mansão possui uma aura de lendas urbanas — explicou o negociante.

Estas simples palavras, como já dito, congelaram minha alma sem razão aparente.

Decidi afastar esses pensamentos supérfluos e dedicar minha concentração aos interesses práticos e imediatos.

Em pouco tempo, acomodei minha mobília na residência e me instalei no lugar.

Durante o período de mudanças, os funcionários responsáveis reclamaram de dores de cabeça e mal-estar, coisas não experimentadas por mim. Por conseguinte, ignorei os eventos e estabeleci uma rotina.

Numa madrugada de Outubro em 1931, enquanto lia alguns documentos na biblioteca, ouvi batidas contínuas no chão, mudando aleatoriamente de posição.

Apurando os ouvidos, notei que os ruídos possuíam certa harmonia. Com o revólver em mãos, decidi investigar.

Desci as longas escadarias para o porão, cada passo provocava um ruído enorme nos degraus de madeira, e quanto mais os meus passos reverberavam, mais a harmonia de batidas intensificava.

Chegando no cômodo escuro, que acomodava alguns móveis sobressalentes dos antigos proprietários, vi uma estante de livros caída. Ao notar o móvel, achei um livro de capa marrom atirado em frente.

Busquei acender a luz do lugar, mas a eletricidade não funcionou.

Voltei com uma lamparina para examinar com mais atenção o porão.

Uma estante caída, dois armários pequenos de segunda mão, um criado-mudo sem gavetas e um esqueleto de cama compunham o local. As paredes de madeira estavam lacradas, o chão também não apresentava furos e o encanamento parecia em ordem.

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