Os Três Desejos

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Gritava ensandecido enquanto era arrastado por um servo até a presença do sultão. Este, por sua vez permanecia em seu trono, apreensivo. Examinava as unhas sem grande interesse e arrancava lascas delas cuspindo a seguir. Na mente atordoada balbuciava repetidamente a história outrora contada por Sheerazade. Estava nervoso e trêmulo. Nem mesmo os gritos daquele homem, por mais desesperados que fossem, conseguiram tirá-lo de seu transe por longos segundos.

– Ó afortunado rei, – O servo falou em tom respeitoso. Só então o sultão percebeu aquelas presenças e arregalou os olhos ao encontrar o pobre ser que se debatia freneticamente e chorava feito criança. – Trago a oferta. – Disse o servo curvando-se perante a alteza.

– Este que traz até mim não é um de nossos prisioneiros. – Afirmou o rei com o semblante preocupado. – Por quais motivos este pobre diabo há de servir de banquete ao demônio esta noite? – Encolheu os ombros mostrando as mãos com as palmas para cima.

– Lamento profundamente ó majestade, mas o último de nossos prisioneiros foi oferecido em sacrifício na noite anterior. Não temos mais animais disponíveis. Morreremos de fome se os carneiros forem imolados e as crianças perecerão se as três vacas leiteiras que nos restam servirem de oferenda.

– Justifique a escolha deste homem, Hamid!

– Perdoe-me ó digníssimo soberano, mas eu o trouxe por estar causando transtornos neste reino.

– Calúnia! – O prisioneiro berrou com o rosto banhado em lágrimas e caiu de joelhos aos soluços.

O sultão se levantou e se aproximou do desafortunado escolhido. Roçava o queixo com os dedos tentando imaginar o que o jovem havia feito. Desviou o olhar ao servo.

– Espero que não seja pessoal.

– Dou-lhe a minha palavra ó generoso rei, que as moças castas e suas famílias compartilham desta decisão.

– Não é verdade, majestade! – Protestou o desventurado.

– Cale-se! – Gritou o rei. – Ponha-se de pé Latif, filho de Jihad! – O sultão fitou os olhos do jovem que conhecia bem. – Enquanto for bigorna agüenta, quando for o martelo, bate!

O rapaz obedeceu e se calou. Seus olhos não mais puderam encontrar os do sultão, tamanho era o seu medo.

– Quaisquer que sejam os tumultos que esteja causando, Latif, filho de Jihad, creio que é chegado o momento de se redimir. – O rei pousou a mão no ombro do jovem, que se espantou com o gesto incomum. – Tem uma nobre missão esta noite. Assim como eu. Alá que é eterno faz com que cada um tenha o seu dia.

Dito isto, o rei retornou ao seu trono e assistiu com pesar os braços do pobre Latif serem atados por grossas pulseiras de ferro nas duas colunas do altar de oferendas. Tinha grande apreço pela família do rapaz, principalmente por seu pai, cuja servidão sempre lhe fora satisfatória.

Hamid, o servo, curvou o corpo em sinal de reverência e pediu licença para retirar-se do recinto. A negativa do sultão o assustou.

– Quero que fique esta noite, meu fiel súdito. Testemunhe qual de nós será vitorioso e depois conte ao nosso povo o que viu aqui. Quem não provou o amargo não sabe apreciar o doce.

– Sim, majestade. – Hamid concordou esbugalhando os olhos de pavor.

Não demorou e o cheiro e enxofre preencheu o ambiente denunciando a chegada do demônio. A criatura se materializou causando calafrios nos presentes. Olhou cuidadosamente cada um daqueles homens e em seguida ordenou que o sultão cedesse a ele o seu trono.

Os Três DesejosWhere stories live. Discover now