Sem rede de proteção

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O trânsito pela manhã é nenhum paraíso, mas parece que todos os carros, ônibus e motos da cidade resolveram disputar cada milímetro do asfalto e provocaram um nó numa das principais avenidas que dão acesso à minha escola. Não que o meu humor seja vulnerável a enfarrafamentos: pra lidar com esse tipo de situação, trago sempre dentro da mochila um romance e não hesito em usá-lo como santo remedio contra o estresse.

Pra me concentrar na leitura, comprei um desses protetores de ouvido - a vendedora da loja prefere dizer earplug - que os nadadores costumam usar.

Pois lá estava eu, a caminho da escola, nariz enfiado num livro e o ouvido protegido contra gritos e buzinas. Distraída com o romance, levei um tempo pra erguer a cabeça, olhar através da janela do ônibus e ver uma multidão no meio da rua.

Terminei de ler o capítulo - faltavam poucas linhas - e logo depois encontrei a explicação para o tumulto: do outro lado da calçada, havia uma butique em liquidação. E não era uma liquidação qualquer. Quase caí pra tras quando li o cartaz pregado no toldo:

É PRA ACABAR COM O ESTOQUE. PRODUTOS COM 100% DE DESCONTO!

Quem resiste a uma liquidaçao? E ainda mais a uma assim tão mega, com produtos oferecidos literalmente de graça? Guardei o romance na mochila e me debrucei na janela do ônibus. Havia muita gente zanzando de um lado pro outro mais deu pra avistar as roupas da vitrine e descobri um top de malha que parecia feito sob medida pra mim.

O nó do trânsito estava tão apertado que o motorista resolveu desligar o motor. Pensei: é a minha chance de descer, entrar na butique, agarrar o meu modelito e voltar correndo para o onibus antes que o transito volte a fluir - e, mais importante, antes que alguma garota de apodere do meu top.

O risco da concorrência me fez atravessar a rua em disparada tive que bancar a contorcionista pra evitar tropeções e trombadas, mas conseguir a façanha de chegar diante da butique sem nenhum arranhao. Alem do top a manequim da vitrine usava um short estampado e sandalias de tiras. Se o desconto era de 100% oque me impedia de levar tres peças?

Prestes a entrar na loja fui arrastada pelo empurra-empurra e me vi diante de um guarda que tinha a missão impossivel de organizar o transito, calar as buzinas e garanti a travessia segura dos pedestres.

O coitado tinha as buchechas roxas de tanto soprar o apito mais lá pelas tantas perdeu a paciencia e disparou a gesticular freneticamente abrindo e fechando os braços como de pretendesse abrir uma clareira no meu da multidao.

Os gestos vinham acompanhados de gritos que, curiosamente eu nao era capaz de ouvir, no inicio imaginei que o guarda estivesse afônico ou entao, sei lá, que fosse mudo, mais afinal percebi que o problema nao estava na voz dele e sim nas minhas orelhas.
Tirei o protetor auricular e ouvi uma ordem que me deixou confusa:

- Todo mundo pra trás! - berrou o guarda - Ela pode Pular!

Olhei pra cima e compreendi que o tumulto não tinha nada a ver com a liquidação. No ultimo andar do edificio que ficava ao lado da butique havia uma garota pendurada na janela.

Estava sentada no parapeito com as costas viradas para a rua e balançava o corpo pra frente e pra tras. Alguem avisou a garota, aos berros, que a vida dela valia a pena, mais ela ignorou o apelo e mergulhou no vazio.

Por causa da confusão no trânsito, cheguei um pouco atrasada à escola. A sorte é que a primeira aula era de literatura, coma professora Clarice, que está sempre de bom humor e limitou-se a me perguntar se eu tinha dormido mais do que a cama. Fiz um enorme esforço pra sorrir, mais deve ter escapado uma careta porque eu ainda estava traumatizada com a cena da garota caindo do prédio.

Do canto da sala, João sorriu pra mim e me trouxe um bocado de alento: o sorriso do meu namorado tem o efeito de uma massagem oriental.

Clarice distribuiu um texto sobre a revolução da internet e pediu à turma que fizesse a leitura em voz baixa. Pra não atrapalhar os colegas, Bia debruçou-se na minha carteira e cochichou no meu ouvido a novidade.

Pouco depois, discretamente, olhei para o fundo da sala e deparei com o novato

- O nome dele é Ivan - Bia susurrou - Bonitinho né?

O colega lia com a cabeça , baixa por isso só deu pra reparar na boca - bem deliniada, devo admitir - e nas arestas do queixo poligonal. O que mais me chamou a atençao foi o diametro do braço
Em cujo labirinto de musculos se escondia a tatuagem de um minotauro. Ainda não tinha adquirido o uniforme da escola, e pra destacar os músculos, vestia uma camiseta de malha bem justa.

- Ele deve comprar roupa em loja de criança - murmurei entre os dentes. - não sei como consegue respirar.

Bia parecia impressionada pelos bíceps montanhosos do Ivan. Aliás ela não era a unica: a pretexto de amarrar o tenis ou passar um recado a colega de tras as alunas nao tiravam os olhos do novo personagem e sonhavan com um abraço que poderia fraturar costelas.

Os garotos também estavam nem ai para a leitura encomendada por Clarice. Mesmo os ratos de academia, aqueles que malham todo dia, religiosamente horas e horas suando pra ganhar massa e autoestima nao conseguiam disfarçar a inveja e sentiam-se subnutridos quando comparavam o propio esqueleto com a caixa torácica do outro.

Clarisse não demorou a perceber que ninguém estava interessado na apostila - com exceção, talvez, do Ivan, que dali a pouco terminou a leitura, deu uma olhada ao redor e descobriu que era o centro das atenções.

Fui obrigada entao a admitir que ele era mais que bonitinho: testa angulosa, sobrancelhas grossas e olhos sombrios, de uma cor indefinida, não sei se pretos ou castanhos. Pra completar uma pequena cicatriz perto da boca que lhe dava um ar vagamente heroico.


Olá! Gostaram do primeiro capítulo? Desculpa os erros de português se tiver algum. Deixei seu voto e seu comentário se você gostou! Não se esqueça de me seguir também ♥ obrigada

Jeeh.

PoderosaOnde histórias criam vida. Descubra agora