IV - Delta

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Dor. Tudo se resumia a dor naquele momento. Por alguns instantes, Eunice pensou que estava morta. Depois, pensou que se estivesse morta não estaria se sentindo tão mal. Merda. Ia ter que abrir os olhos. Assim que abriu as pálpebras, sentiu que estava olhando direto para o sol, então decidiu fechá-los novamente. Percebeu que estava deitada em algo desconfortável e frio. Não queria abrir os olhos novamente, por mais que odiasse se sentir imponente. Enquanto tentava se lembrar do que havia acontecido, apurou a audição para tentar descobrir qualquer pista de onde estava. Não detectou nada, e ficou naquele estado meio adormecido e meio acordado por um tempo que não conseguiu definir. Tinha vagas lembranças sobre falar algo sobre pedófilos, psicopatas e assassinos.

- Será que ela está bem? - Ouviu uma voz conhecida ao longe. Helena?

- Não sei. Espero que sim. - Uma voz grave que ela identificou como masculina respondeu. - Ela babou na minha camisa. - As duas pessoas que conversavam se aproximavam cada vez mais e Eunice demorou algum tempo para perceber que era o tópico da conversa. Espera, ela havia babado em quem?

- Pare de falar nessa camisa, Alex. Que saco. Você nem gosta dela. - Helena respondeu. Havia algo na maneira como ela pronunciara o nome dele que fez Eunice sorrir. Mas só de leve. Ela voltou a mostrar-se impassível rapidamente.

- Você não sabe. - O homem disse, carregado de ironia.

- Claro que... Na verdade, não sei mesmo. Não é como se você me contasse as coisas recentemente. - Nice pôde sentir um pouco de decepção no tom da garota, percebendo que aquele era um tópico desagradável. Decidiu que pouparia os dois daquela conversa e resolveu abrir lentamente as pálpebras, enquanto sentava-se.

- Ei, cuidado, não vá com pressa. - Helena disse assim que percebeu os movimentos da outra. Nice olhou ao redor e percebeu que estava num hospital. As paredes e móveis claros, juntamente com a cama dura na qual se encontrava não deixavam mentir. Pouco à pouco, ela se lembrou do que havia acontecido no bar. Flashes de um garçom um pouco contrariado a servir mais doses para ela e de algo como uma dança no mínimo vergonhosa em cima de uma mesa vieram à sua mente. Naquele momento, ela prometeu nunca mais ingerir nenhum tipo de bebida alcoólica. - Você caiu e bateu a cabeça, lembra?

- Na verdade, não. - Riu um pouco com a situação, mas parou quando sua cabeça voltou a doer.

- É de se esperar. - O homem se pronunciou pela primeira vez desde que entrou no quarto, e só então Nice reparou nele. Seus cabelos caíam pela sua testa, pouco acima dos olhos azuis. Eram quase verdes, hipnotizantes. Sua pele era de um moreno claro, e por algum motivo estranho, ele lhe lembrava o cantor Andy Biersack. Talvez fossem suas roupas estilo punk, as tatuagens e o cabelo jogado de lado, ou talvez sua época emo não estivesse tão acabada como ela pensara. Os quelóides de seus pierciengs que o dissessem. Ele soou distante e debochado, mas Nice relevou aquilo em nome da boa convivência. Afinal, pelo que ouvira, ele a carregara até ali.

Espera um pouco.

Em qualquer outra situação, ela riria da ideia de um homem tão magro como ele carregando-a, e faria no mínimo um gracejo. Mas naquele momento específico, por algum motivo também específico, tudo o que ela conseguia pensar era que havia babado na camisa dele. Na camisa do Deus Grego dos Emos. Na camisa da reencarnação do Andy Biersack. Só quando começou a corar Eunice percebeu o quanto ele era bonito. Não um bonito exagerado, e nem um bonito padrão que ela tinha certeza que Lisa aprovaria. Mas ele era... exótico. Havia algo diferente na maneira como ele encarava o mundo como se tudo fosse uma grande piada. É. Cuspir na blusa daquele cara certamente seria um ponto difícil de superar.

Um silêncio incômodo havia se instalado no ambiente, e ela levou a mão à cabeça inconscientemente, de maneira à sentir um curativo com as pontas dos dedos.

EuniceOnde histórias criam vida. Descubra agora