II - Beta

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Eunice acordou com a luz do sol em seu rosto. Olhou para o relógio de pulso. Marcava meio dia em ponto. Fechou as cortinas e se preparava para dormir mais quando percebeu que era meio dia em ponto. Ela tinha uma hora para chegar ao aeroporto. Uma hora!

Tomou banho rapidamente e parou em frente ao espelho. A calça jeans marcava não marcava suas coxas, e a blusa de moletom escondia quase todos os centímetros de pele sob a camada grossa de tecido. Prendeu os cabelos platinados em uma trança. Tudo em seu devido lugar.

Saiu de seu quarto e correu para a cozinha, onde sua mãe a aguardava. A mulher mais velha abaixou o jornal que tinha em mãos ao ouví-la chegar.

– Bom dia, Nice. – Elena utilizava uma saia lápis cinza e blusa branca. Já havia saído naquela manhã para entrevistas. Nice se sentiu um pouco culpada ao verificar as olheiras sob seus olhos, pensando nos enormes gastos que significava para a sua mãe. Desviou o olhar, constrangida. Era uma mania sua. Não conseguia sustentar o olhar por muito tempo em praticamente nenhuma conversa

– Bom dia, mãe. Vamos? – A outra assentiu, e elas desceram os 8 andares em silêncio. Entraram no carro, e Nice ligou o rádio, numa tentativa falha de descontrair. Tocava rolling in the deep em seu pendrive.Desde o momento em que a chave fora girada na ignição até a entrada no aeroporto, um silêncio sepulcral vigorou no Porsche Cayenne. A paisagem urbana parecia desconexa aos olhos da garota, e ela observava as pessoas correrem em suas vidas apressadas no coração da cidade pensando em futilidades. Ao chegar no aeroporto, se despediu da mãe com um abraço forte e poucas palavras trocadas. Mas ela não se importou. Ou, pelo menos, ela tentava não se importar. Elena a tratava com frieza desde sua descoberta sobre as intenções da filha para as férias.

– Não faça nada de que vai se arrepender. – Eunice assentiu, e deixou o estacionamento sem olhar para trás, eufórica.

Um pouco atrás, ainda dentro do carro, a mulher mais velha podia sentir os olhos marejarem. Não queria deixar a filha ir. Mas não podia impedi-la. Cada negação apenas as afastava mais. Elena deu uma última olhada para a garota que se afastava, carregando, consigo, a mesma mala vermelha que ela usara tantos anos atrás. Tantos anos depois, a mulher ainda nutria um sentimento caloroso por aquela época de sua vida. A nostalgia preencheu o lugar em que habitava a tristeza, e a ruiva começou o caminho de volta para casa.

Nice caminhou até a sala do embarque, pensando no relacionamento com a mãe. Definitivamente, não era dos melhores, mas ela sabia que amava a progenitora acima de todas as desavenças. Quando percebeu, ela já estava dentro do avião. Sentou-se entre um senhor com aparência de japonês e uma senhora que parecia aterrorizada com a ideia de voar. "Pelo menos eu não sou aquela mulher", ela pensou, e sorriu confiante. Afinal, as coisas não podiam ficar pior do que estavam. Ela colocou os fones de ouvido e esperou a explicação sobre normas de segurança terminar.

"Who says you can't go home? It's the only place where they call you one of their own"

Fechou os olhos e suspirou quando percebeu que música tocava. Por mais que todo mundo diga que você sempre vai voltar pra casa, que é onde você pertence e o melhor lugar do mundo, ela mal podia esperar para passar as férias longe daquele inferno. Sorriu novamente. Parecia que Bon Jovi, pela primeira vez, estava errado. Ficou por alguns segundos em paz até sua tranquilidade ser interrompida por alguém encostando em seu braço. Anos mais tarde, ela encararia aquele momento como um sinal de que as coisas sempre podem piorar.

– Olá, Eunice. – Ela ouviu o garoto dos olhos e cachos castanhos dizer. Como ela sentira falta daquela voz.

– Olá, Henrique. – Tirou um dos fones. Ela não podia acreditar que ele realmente estava ali. Faziam anos que eles não se viam. Seu coração batia acelerado, numa mistura de ansiedade e desespero. Por que ele estava ali? Não conseguiu raciocinar por alguns segundos. Por que ela estava ali? Sentiu de novo a vontade de planejar um ataque terrorista.

EuniceOnde histórias criam vida. Descubra agora