Geração presidiária

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Hoje o dia estava ensolarado.

Eu acordei e sorri para o sol, vim conversando com a minha velha sobre a vida, sobre coisas banais, como ontem, quando ela foi buscar meu pai na rodoviária após mais uma de suas viagens de bicicleta. 

Eu fui pra escola tranquila e leve.

 Chegando lá eu passei minha carteirinha por uma catraca, dei bom dia á moça de cara amarrada no portão e encarei as pessoas da qual vejo todos os dias e nada conheço.

Sentei no lugar que sento todos os dias, fui iluminada pelo sol, mas a leveza não me fez mais presente. É normal sentir-se incomodado quando se tem uma prova para fazer. 

Escolho a carteira que aparenta ser mais confortável pelas próximas horas, recebo um pacote de dezenas de folhas  contendo números  que não sei resolver e palavras que nunca vi na vida, o dia ainda está ensolarado.
Depois de algumas horas de prova, ouço o barulho no corredor ao lado, pessoas dando risada. Eu olho para a carteira ao meu lado onde um colega de classe concentrado resolve as equações, ele pede silêncio ao burburinho do corredor, ele quer que as risadas cessem. 

É totalmente perceptível que não percebemos o estrago que nos permitimos. Estamos trancafiados em uma jaula com vinte carteiras e dezenas de canetas, com superiores nos diferenciando por números em um sistema falho de computador. O dia ainda continua ensolarado, mas não estamos conversando sobre o sol, ou sobre como odiamos o sistema. Nós estamos servindo ao sistema.
Sou acordada por um barulho de pacote de bolacha sendo aberto, meu colega mal consegue tocar na comida e ajeita a coluna a cada cinco minutos.
Somos a geração dos presos, presos na escola, presos em casa, presos no celular, presos em nós mesmos e se vamos á rua para protestar, nós somos presos pelo mesmo sistema que nos obriga viver essa rotina carcerária. 

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