Prólogo.

3 0 0
                                    

Era estranho pensar em como as histórias de amor acontecem, principalmente para mim.

Não falo sobre se conhecer no ensino médio, manter um relacionamento água com açúcar e se casar aos vinte anos.

Também não estou falando sobre histórias trágicas onde vidas são perdidas e nada acontece corretamente.

Não.

Eu nunca fui assim.

Sempre fui completamente contra mediocridade.

Esse é provavelmente o motivo pelo qual não me casei até os trinta e sete, e com certeza é o motivo pelo qual nunca existiu ninguém além dela.

Eu nunca havia me apaixonado, nem mesmo aquelas quedinhas de infância onde os dois indivíduos envolvidos tem vergonha de segurar as mãos.

Até que ela esbarrou em mim naquela recepção.

Eu juro que não estava procurando por problemas. Também não estava procurando por uma solução. Por Deus, eu nem sabia que precisava de uma!

Mas aí o furacão Millena Manosso resolveu que seria uma ótima ideia ser ambas as coisas condensadas em um metro e sessenta e quatro de astúcia, teimosia e força.

Ainda consigo me lembrar de cada detalhe sem esforço algum, o que é uma incógnita na cabeça dos médicos do asilo. Alguém que esquece o próprio nome não deveria recordar o nome da banda que a esposa falecida usava estampada na camiseta rasgada quando se encontraram pela primeira vez.

Eu já tentei dizer a eles, num momento de lucidez, que isso acontece porque eu sou muito mais ela do que sou eu.

Compartilhavamos o mesmo coração.

Éramos a mesma alma habitando diferentes corpos.

Pode um homem esquecer seu nome? A resposta seria sim, mas pode um homem esquecer a essência de ser quem é?

Acredito que não.

Metida a inteligente, Millena gostava de deitar sobre o meu peito soado, depois de horas de amor intenso, e divagar sobre questões sem respostas. Numa dessas noites ela me disse acreditar que cada ser humano um dia foi parte de uma estrela. Ainda me lembro de sua voz melodiosa dizendo "eu sei que você me acha insana, mas nós éramos parte da mesma." Eu ria, puxando-a para perto, e dormíamos assim. Gostaria que ela estivesse aqui para que eu pudesse dizer que ela estava certa.

Ela sempre estava.

Não que ela pudesse saber sobre isso, porque seu ego tocaria o céu, mas é a verdade.

Contar nossa história nunca foi fácil. Escrevê-la de maneira curta, no auge dos meus 93 anos, também não será.

Mas tentem entender, a mãe de vocês era osso duro de roer. Se eu não passar nossa história, com riqueza de detalhes, é bem possível que ela volte para puxar o meu pé.

Estou rindo, imaginando ela lá em cima, balançando os pés sobre alguma nuvem e reclamando com alguma anjo sobre a minha caligrafia terrível.

Bom, é isso. Vou começar do começo.

Não apenas o começo da história, mas o começo de mim mesmo.

Tentem entender, eu não existia antes da mãe de vocês.

Minha vida começou no dia em que ela apareceu, e acabou no dia em que ela partiu.

Desejo, com as poucas forças que ainda me restam, que vocês sejam feliz como eu fui no exato momento em que me apaixonei por ela.  

Beautiful JourneyWhere stories live. Discover now