Sutil: O namorado, a moradora da casa ao lado e o telefone.

12 0 0
                                    

A Garota Que Queimava Poemas

CAPÍTULO 1
Sutil: O namorado, a moradora da casa ao lado e o telefone.

   O NAMORADO

   - Ver você/Ouvir você/Tocar você/É viver/É Auto-curar/ É tornar imortal/É amar ser Mortal/Você simplesmente é.
   - Bonitinho Wesley. Mas já foram melhores.
   - Já foram melhores? Eu rescrevi esse três vezes Sophia.
   - Lindo. Sério. Mas já foram melhores.
   - Quais?
   - Aqueles feitos diretamente para sua namorada.
   - Eu recitei esse no sarau de sábado e todos gostaram.
   - Para quem foi feito o poema?
   - Fiz para apresentar no Sarau
   - Então ótimo terem gostado. Quando fizer outro para sua namorada que sou eu, vou amar.
   - Você não deveria ser imparcial e sempre incentivar o seu namorado para ele  alcançar os sonhos dele?
   - Sim eu poderia fazer isso. Mas eu prefiro ser egoísta e ter você só para mim.

   Tudo é tão bobo e eterno no primeiro mês de namoro. Falamos como bebês, todo final de frase a palavra é diminutiva. "Eu estou feliz. Você me faz feliz. Ele é perfeito. Parece que nos conhecemos um vida inteira", são os clichês mais ditos e ouvidos.  É algo tão estúpido de se lembrar, e são lembranças jamais esquecidas. Os homens ignoram isso completamente. Mas nós meninas guardamos na caixinha de nosso coração.

   - Você terá de acostumar-se com esse poema Sophia. Ele estará junto dos outros na coletânea de poemas quando eu ganhar o concurso.
   - Eu acho possível eu conviver com isso. Ou arrancar a página em que ele estiver depois. A data do concurso já foi marcada?
   - Temos oito meses ainda. Só em junho do próximo ano.
   - Você então terá tempo de sobra para escrever para sua platéia e para euzinha. Mas todo o resto de você é só meu. Entendeu namorado?
   - Deixa eu perguntar. Eu devo ter medo de você quando me olha assim?
   - Assim como?
   - Como aquela cena da animação Noiva Cadáver quando ela pega o Victor Van Dort personagem do Johnny Depp com Victoria Everglot dublado pela Emily Watson e diz amarelinha em seguida.
   - Depende. Sua consciência está tranqüila?
   - Está.
   - Então não tem com o que se preocupar Wesley namorado.
   - Estou mais tranquilo agora Sophia Namorada.

   Sempre amei esse filme Noiva Cadáver. E como não amar a idéia de viver um grande amor mesmo depois da morte? E no final ver o felizes para sempre anular qualquer tragédia.

   - Aí, meu braço.
   - Eu não quis apertar muito forte minha princesa.
   - Não apertou. Estou me sentindo um pouco dolorida desde hoje de manhã. Eu devo ter dormido em cima do meu braço ou de mau jeito, acordei com o pescoço dolorido também.
   - tomou algo para dor?
   - Sim. Um beijo seu.

   No final das animações toda tragédia é desfeita. A jornada termina. Mas a vida não é uma animação. A jornada nunca parece ter fim, e quando tem é covarde e repentina. Repentina como mudanças no vento, uma brisa quente e rápida em uma tarde qualquer. Você talvez nem imagine a brisa morna avisando uma tempestade no início da noite ou na manhã seguinte.

   A MORADORA DA CASA AO LADO

   - Bom dia Minha filha.
   - Bom dia mãe.
   - Como está se sentindo hoje?
   - Dolorida ainda.
   - Tem Anador no armário de cima e Dipirona. E caso não passe tem também  Dorflex.
   - Eu irei tomar.  Mas primeiro um pouco de cafeína.

   Setenta porcento dos brasileiros se automedicam. Quarenta porcento fazem auto-diagnóstico ou diagnósticos em amigos, vizinhos e no caso da minha mãe em mim. As mães deveriam estar no topo da lista de receitar medicamentos. Elas poderiam passar atestados também.

   - Eu vi a dona Fátima ontem. Ela me pediu para ver com a senhora uma possibilidade de encaixar ela para fazer o cabelo quinta às três horas.
   - Não tínhamos alguém nesse horário Sophia?
   - A dona Marta. Mas ela mudou para o período da manhã.
   - Pode ligar para Fátima confirmando então. Olhei alguns salões para comprar ontem. O lugar onde o preço era bom o ponto era horrível. E lugar onde o ponto era bom o preço era alto. O banco está disposto a financiar só metade do valor.
   - O Rogério vai passar aqui hoje para trazer mais produtos para a senhora.
  - Bem lembrado.  E temos de... Está tudo bem Sophia?
  - Minhas costas começaram a doer.
   - Vai tomar o Dorflex . Já vou indo para abrir o salão.
   - Tudo bem. Eu vou logo em seguida.
   - Ai que cheiro de mato queimado. Hoje ela começou cedo com essa porcaria.  Não somos obrigadas a sentir o cheiro das drogas dela. Por que ela não fuma isso dentro de casa e não no corredor? Ninguém tem de saber dos vícios dela.
   - Eh mãe, fala mais baixo. Ela vai acabar ouvindo.
   - Não estou falando alto. E seria bom ela ouvir mesmo. Deixa eu ir e cuidar do que fazer. Você não esqueça de tomar o remédio.
   - Sim senhora. Irei logo em seguida.

   Fofocas, discriminação e tagarelice são uma dosagem certa de imaginação e especulação, acrescidos de fatos incompletos, montados por nós com relação à outras pessoas, e elas por nós. A rua inteira sabia fatos, especulativos ou não, de nossa vizinha. Comentam sobre ela chamar-se Andreza ou Vanessa, talvez solteira, e fizesse possível uso de maconha, ou imaginavam isso, já que apenas minha mãe e eu sentíamos o cheiro em alguns períodos do dia. Raras vezes a vemos.

   FALANDO  NO TELEFONE

   - Faz quase um mês que não saímos Sophia.
   - Duas semanas.
   - Sim. Eu queria te ver hoje. Por isso eu te liguei.
   - Às vezes sinto dor, por exemplo nas juntas dos dedos. Não tenho ajudado minha mãe no salão por não conseguir ficar o dia inteiro com a tesoura na mão. Sinto muito não termos saído antes. Mas não sei se estarei bem para sair hoje com você.
   - Sua voz não está legal Sophia.
   - Estou cansada. E com um pouco de dor de cabeça.
   - Está bem. Vou desligar então.
   - Espera namorado. E o meu poema?
   - Você não está com dor de cabeça? Eu pensei em deixar pra lá.
   - Estou com um pouco sim. Talvez você me faça melhorar.
   - Cabelos escuros/Lindos cachos/Olhos castanhos/Igual o mais lindo retrato/Simplicidade/Jeito alegre de ser/Sophia Verônica/Deus me deu você.
   - Sério que você me chamou de Verônica?
   - Eu acho lindo. E gosto mais por saber que você não gosta. Assim você faz aquela careta fofa. Boa noite namorada.
   - Boa noite namorado.

   Toda noite é uma mudança de ato. Dormindo é como se fossemos atores saindo do palco. E enquanto descansamos o cenário é sutilmente alterado. Quando voltamos para atuar não notamos essa vitais mudanças sutis, e tarde demais nos damos conta de como tudo mudou e teremos de improvisar agora em uma peça totalmente nova.
   Podemos pensar às vezes: "Se eu soubesse antes, tudo hoje poderia ser diferente". Hoje eu sei, se eu soubesse tudo como seria hoje não teria feito diferença nenhuma. Eu não poderia ter mudado nada. O meu cenário já havia sido transformado.

A Garota Que Queimava Poemas.Where stories live. Discover now