Capítulo 1

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Naquela manhã, Victor estava em uma sala de cirurgia, tirando um caroço de cancêr de um paciente que precisava urgentemente ser operado. Com bastante cuidado, pediu o bisturi para sua enfermeira assistente, que pronta e rapidamente lhe estendeu o objeto. Como se sua vida dependesse daquilo, concentrou todas as suas forças e energias positivas em salvar a vida daquele homem que tinha, aparentemente, 40 anos de idade.

E no exato momento em que iria encostar a ponta do bisturi no pescoço do homem, ele acordou.

E ao mesmo tempo em que desligava o despertador em seu celular, ele se amaldiçoava por ter uma vida tão miserável.

Miserável na sua concepção, claro.

Aos olhos de todos, sua vida era ótima. Tinha uma boa condição financeira, pais separados porém presentes, uma namorada que ele gostava de verdade, tinha seu próprio apartamento aos 19 anos de idade e estudava em uma das melhores faculdades de Medicina do Brasil. Ele deveria ser feliz.

Mas ele não era.

Algo era incompleto. Algo faltava para completar o vazio que a traição do garoto que considerava como melhor amigo a tantos anos, havia deixado dentro dele.
                                                    
Bruno, um jovem nem alto e nem baixo, nem bonito e nem feio, nem magro e nem gordo, nem rico e nem pobre. Um jovem que todos enxergavam como "normal", ele via como uma parte de si. E ele não estava exagerando.

Depois de 6 anos de amizade e convivência diária com uma pessoa, ele meio que se torna uma parte de você, não é verdade?

E depois de ter levado uma facada nas costas da pessoa que mais confiava, ele não sabia se tinha forças pra continuar. Bruno havia levado uma parte dele, no momento em que quebrou aquele tão forte laço de amizade.

Ele queria se sentir aliviado por Bruno estar na cadeia. Ele queria muito. Mas a única coisa que ele conseguia sentir era ódio.

Ódio, ódio e mais ódio.

Ele sabia que isso não iria o fazer bem, mas não tinha como evitar. Sabia que esse ódio estava o    matando por dentro – e por fora, já que ele mal comia e se enchia de antidepressivos e de remédios pra manter a calma – mas era mais forte do que ele. Quando percebia, já estava quebrando coisas             involuntariamente, lembrando daquele que antes era sua paz, e agora é sua maior agonia.

Tentando deixar esses pensamentos de lado, Victor se levantou, relutante, e foi ao banheiro tomar um banho bem quente. Talvez isso o melhorasse.
Ou não.   
                                                      
Ao sair do longo banho, olhou no celular: 05:42 AM. Talvez você esteja se perguntando o por que de um jovem aos seus 19 anos estar acordando antes do sol nascer em um domingo. Sim, em um domingo.

Mas ele não podia ficar na cama. Tinha inúmeras coisas pra fazer e, apesar da pouca idade, muitas responsabilidades para cumprir. Se ele queria tomar seu café em paz, ir á academia em paz e tomar outro banho relaxante na volta em paz e sem ninguém ligando desesperadamente pro seu telefone o mandando se apressar, precisava mesmo acordar esse horário.

Pois é, ele também sentia dó de si mesmo.

Depois de comer o seu tão amado pão com ovo, e tomar seu maravilhoso suco de limão, exatamente às 06:29 AM, Victor saiu do seu apartamento em frente a Praia do Futuro, um dos seus lugares favoritos em sua cidade, e foi pra acadêmia que frequentava, que ficava na esquina da sua casa.

Como hoje era dia de renovar a matrícula, assim que chegou ele se dirigiu à secretaria. Ficou surpreso ao ver, no lugar de uma senhora que costumava ficar lá, uma garota jovem, aparentemente nos seus 16 anos. Apesar de não entender muito o que estava acontecendo, continuou indo em direção da — aparentemente — nova funcionária.

— Bom dia. Você é a nova secretária da academia? — ele perguntou.

A garota, que até então estava digitando algo no computador à sua frente, se virou para ele e lhe deu um sorriso animador, fazendo-o sorrir também.

— Bom dia, sou sim. O que deseja?
— Gostaria de renovar minha matrícula, que vence hoje.
— Hum... Qual seu nome?
— Victor Almeida.

Ela se virou, abriu uma das gavetas da cômoda ao seu lado e procurou algo durante uns segundos. Ao achar o que queria, se virou novamente pra ele e lhe estendeu o documento.

— Aqui está sua antiga matrícula. — ela pegou um dos papéis que estava ao lado do computador e também o entregou à Victor — e aqui está o papel que deve preencher para renovar a mesma.

Victor pegou os papéis e foi reescrevendo tudo. Ele realmente nunca entendeu o motivo de ter que renovar isso de 5 em 5 meses, mas não seria ele quem reclamaria. Após passar tudo a limpo e também escrever novas informações, ele entregou o papel novamente para a garota à sua frente. Ela analisou as folhas e sorriu.

— Bem, acho que está tudo certo. Muito obrigado.

Victor acenou e deu um meio sorriso, e quando ia se retirar para seu treino matinal, ouviu a garota lhe chamar. Se virou novamente e se deparou com uma expressão que não soube identificar no rosto dela.

— Sei que é chato pedir isso, mas você poderia escrever aqui dizendo o que achou de mim? É que é o meu primeiro dia, e eles precisam saber como está o meu funcionamento e tal.
Mesmo sem entender muita coisa, ele pegou o papel que estava na mão dela e escreveu: "Ela é ótima. Fala bem, é educada e sabe como trabalhar. E o seu cabelo é lindo."

Ele entregou o papel pra garota que ele nem sabia o nome e se virou, andando em direção ao lugar de seu treino e depois de andar alguns passos, ouviu uma risadinha atrás de si.

Minha pazOnde histórias criam vida. Descubra agora