Capítulo 1 - O medo do medo

542 39 17
                                    

Respiro fundo mais uma vez, só para me certificar de que minha respiração já está voltando ao normal e meu cérebro devidamente oxigenado. Minha mãe sempre diz que quando respiramos rápido demais o oxigênio não chega ao cérebro, e isso pode dificultar na hora de eu me acalmar.

Não sei o quanto disso é verdade, mas por via das dúvidas deixo o ar sair por minha boca no mesmo instante em que sinto a primeira lágrima rolar em meu rosto. Já estou me recuperando do ataque de pânico, porém ainda sinto minhas mãos trêmulas e tenho certeza de que é melhor permanecer sentada em minha cama.

Desta vez não precisei ligar pra minha mãe pra conseguir me acalmar, apenas tomei metade de um dos meus calmantes e tentei pensar em outra coisa. Não que a ligação dela não fosse igualmente eficaz contra o terror crescente em minha mente, só de ouvir sua voz reconfortante o medo se afasta e me dá uma trégua. Mas não quero atrapalhar o trabalho dela na escola e, além do mas, já é muito difícil admitir essa pequena derrota para mim mesma, pior ainda seria admitir para outra pessoa. É assim que vejo esses pequenos e repentinos ataques. Como derrotas, como recaídas da doença que tenho.

Olho novamente para o celular que larguei de qualquer jeito na cama, quando senti a realidade sendo esmagada pelo medo. A notícia que li ali, foi o gatilho para a sensação horrível que tentou me dominar. Suspiro e limpo as lágrimas restantes, agora tudo o que eu preciso é de um banho para me recompor. Levanto com cuidado, sentindo os primeiros indícios do efeito do calmante. Minha visão está turva e me sinto aérea.

Encaminho-me ao pequeno banheiro ao lado do meu quarto, arrastando os pés preguiçosamente, as emoções se esvaíram de mim e foram substituídas pelo já conhecido torpor. Porém antes que eu consiga chegar à porta o telefone toca. Gemo mal humorada e corro tropegamente até o aparelho barulhento.

- Alô?

- Sara? - chama a voz de Bianca, hesitante.

- Huum. - murmuro em concordância.

- Você está bem? Ficou sabendo? - a voz dela está urgente e preocupada.

Sinto meu sangue gelar nas veias e seguro o fone com mais firmeza. Demoro um instante para avaliar se eu consigo seguir com esse assunto, porque é exatamente o motivo de eu ter me descontrolado em primeiro lugar.

- Sim. - respondo.

- Estranho, não é? Quer dizer, nós não a conhecíamos muito bem... - ela faz uma pequena pausa e limpa a garganta - Mas mesmo assim fiquei chocada.

Bianca está falando sobre a garota que se atirou do décimo sexto andar de um prédio residencial, Denise. Ela tinha apenas dezoito anos e nós a conhecemos há algumas semanas, em uma viagem curta para o interior de São Paulo. Mas durante aqueles poucos dias conversamos sobre tudo e eu nunca diria que ela faria algo assim. Mas acho que não podemos avaliar esse tipo de coisa e sempre será uma surpresa quando acontece. Ver a notícia naquela rede social me deixou desestruturada. Tanto que os sinais do ataque de pânico recorrente ainda estavam presentes.

- Foi muito estranho mesmo. - falo com a voz enrolada, efeito do calmante.

- Tem certeza de que você está bem? - pergunta ela parecendo preocupada.

- Sim. É que eu acabei de acordar.

Já estou acostumada a mentir sobre esse tipo de coisa. Não estou preparada para revelar ao mundo que eu tenho síndrome do pânico e, sinceramente, não sei se alguém que não passou por isso entenderia. Bianca sabe o básico sobre a minha situação e ainda assim eu dificilmente falo com ela sobre isso.

- Tudo bem então. - responde ela em um tom que me fez desconfiar de que ela percebeu alguma coisa. - Meio dia tem sido cedo demais pra você, não é? - comenta ela em tom zombeteiro.

- Estou encarando esse tempo como férias forçadas. - forço um sorriso na voz, mas a sensação que tenho mesmo é de um frio no estômago.

Já faz cinco meses que estou em casa, após ser demitida do meu último emprego, quando a síndrome dava seus primeiros sinais. Tudo começou em um domingo de manhã, como qualquer outro, enquanto eu estava tomando café com a minha família. Não sei explicar até hoje o que despertou dentro de mim, mas de uma hora para outra comecei a me sentir realmente estranha. Nada havia mudado fisicamente falando, no entanto, eu sentia que algo ruim estava acontecendo comigo e comecei a ficar desesperada.

Ninguém entendia o que estava acontecendo, um minuto atrás eu estava rindo e prestando atenção na conversa que se desenrolava à minha volta, e no minuto seguinte eu estava em pânico, com a sensação de que alguma coisa terrivelmente ruim estava acontecendo. Enquanto eu só conseguia dizer que não estava me sentindo bem e que eu sentia que estava morrendo, minha mãe tentava me acalmar segurando minha mão. Mas depois de alguns minutos minha família começou a ficar realmente preocupada e decidiram me levar ao hospital.

Cheguei lá e logo percebi o quanto minha aparência devia estar ruim, já que rapidamente fui atendida e levada para medir a pressão e fazer uma primeira avaliação com o médico. Porém após realizar uma bateria de exames, não encontraram absolutamente nada de errado e logo concluíram que eu havia acabado de ter uma crise de ansiedade, foi o termo que usaram na época. Me deram um calmante e explicaram pra minha mãe e meus dois irmãos o que tinha acontecido.

Porém os ataques não pararam ali, três dias depois eu estava no trabalho, lembro-me que tinha alguns prazos a cumprir e sabia que não daria conta de terminar tudo a tempo. Eu estava bem estressada naquele dia e foi então que comecei a ficar sem ar e aquela sensação de que algo seriamente grave estava acontecendo comigo voltou com força total. Aquele medo cego e descontrolado começou a tomar conta de mim e eu desmaiei. Acordei no hospital, rodeada pela minha família.

Problemática Mente (amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora