1° Capítulo

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"Eu não o suporto mais. Não suporto a rotina em que vivemos, a vida que construímos. Parece que todos os anos que passamos juntos não serviram de nada, o afastamento é cada vez maior e não posso nem consigo fazer nada para o trazer para perto. Ele desperdiçou todas as chances que lhe dei."

2 meses antes...

Embora sopre um vento desagradável, a Times Square é percorrida por inúmeras pessoas deslumbradas pela beleza da cidade onde vivo. Nova Iorque. O álcool percorre-me as veias deixando-me mais descontraída, e agradeço. Um jantar com colegas não é propriamente um evento confortável e é tudo bastante à base de aparências. Futuros professores, ao redor de uma mesa. Ao todo somos 23. Avisei Jordan esta manhã à cerca deste jantar, porém, o meu telemóvel não pára de tocar. Ainda assim, não interrompi a conversa, nem abandonei a mesa para o poder atender. Eu merecia um tempo para mim, para descontrair. 

O jantar decorreu normalmente, com um toque de aborrecimento. Suspirei de alívio ao sentir os frios azulejos contra os meus pés magoados. Nunca fui mulher de saltos altos e, quando os uso, não me sinto nada confortável. A luz do corredor do andar de cima estava acesa, Jordan ainda não dormia. Consultei o meu relógio de pulso para confirmar as horas e constatei que eram já 3 da manhã. 

— Onde estiveste até agora? — A cambalear, desceu a escadaria, os cabelos negros desgrenhados, uma mão livre ocupada por uma garrafa de whisky já vazia e a outra segurando o telemóvel. 

— Eu disse-te que tinha um jantar. — Peguei nos meus sapatos, começando a caminhar até ao primeiro degrau, porém, um aperto forte no meu braço fez-me recuar. — Estás a magoar-me. 

— Com quantos dormiste? — Jordan cuspiu as palavras dum jeito frio, os olhos vermelhos denunciavam a elevada quantidade de álcool que lhe corria nas veias. 

— Eu estive num jantar com colegas da faculdade, avisei-te esta manhã que chegaria tarde. — O seu aperto no meu braço só aumentava, tornando a dor ligeiramente insuportável. — Podes largar-me, por favor? — Pedi então, num tom extremamente calmo e recheado de fingida compaixão. 

Raras foram as vezes em que o vi tão bêbedo como hoje. A vida parecia correr-lhe mal ultimamente, mas não ousava questionar sequer, com receio de presenciar mais uma das suas agressivas investidas contra mim, o elo mais fraco. Jordan nunca fora um homem agressivo, mas ultimamente perdia a paciência com pouco. 

— Conta-me... — Pausei para respirar fundo, os seus dedos longos marcavam a pele fria e esbranquiçada do meu braço. Caso eu dissesse algo que ele não queria ouvir, quem ficaria a perder seria eu. — É o trabalho? Não iam nomear-te subdiretor?

— Cala-te! — O meu corpo foi projetado contra a parede mais próxima e logo me encolhi ao cair no chão. As lágrimas ameaçavam cair a qualquer altura mas eu contê-las-ia o máximo de tempo que conseguisse. 

Este não é o homem por quem me apaixonei há dois anos. O homem determinado, ambicioso, decidido, perspicaz. Este homem que hoje tenho à minha frente é um fraco, um cobarde. Não merece que o amem, que o respeitem. "Respeito", a palavra que ele esqueceu assim que a situação numa das maiores companhias de BMW's, piorou. Jordan competia diariamente com um outro colega, ambos muito competitivos, esforçavam-se todos os dias para ganhar um pouco mais da confiança do principal diretor, Oscar Mitchell, pois daqui a algumas semanas seria escolhido o subdiretor da empresa. "Vender BMW's não é fácil, querida." disse-me ele tantas vezes...

— Tu não entendes nada do que sinto! Ultimamente só pensas em ti e nas tuas merdas! Nessa estúpida Universidade e nesses teus "coleguinhas" que estão todos desejosos de te saltar para cima! — O tom que Jordan utilizava para falar comigo, caída no chão, totalmente indefesa, era tão bruto que me atingia como facadas. Ele é esperto, Zoey. Ele conhece cada uma das tuas facetas, cada ponto fraco.

— Jordan... Po- — Fui interrompida com uma bofetada, a minha bochecha esquerda ardia e as lágrimas não eram mais controláveis.

— Cala-te, porra! Nunca me deixas falar! — Dito isto, sentou-se num dos degraus a admirar a garrafa de whisky vazia, um olhar orgulhoso. Nojento. Não proferi uma palavra, não vou arriscar. Nem me mexi, não o olhei sequer. Ele não estava com raiva de mim, estava com raiva dele próprio. Sendo pois, todo senhor do seu nariz, nunca admitiria tal coisa e, é claro, descarregaria em mim. 

Eu não estava totalmente ciente, acordada. Os olhos pesavam-me e as pálpebras fechavam-se sem obedecer ao meu cérebro que de tudo fazia para que elas se mantivessem abertas. Ouvi uns passos mas, para meu alívio, o barulho desvaneceu. Ele foi dormir, felizmente. Então, uni todas as forças que me restavam e consegui assim gatinhar até à sala, a divisão mais próxima. Circundei todos os móveis às escuras, e alcancei o sofá com uma mão. Depois deixei-me levar, a uma lentidão desesperante. Mal caí no sofá, apaguei. 

7 horas da manhã, o café fumegava ao lume enquanto eu, da janela da cozinha, sentada sobre a banca de um mármore frio, assistia ao nascer do sol como tantas outras vezes. A porta está trancada, não confio naquele homem. 27 anos, um homem feito, 1.80m de sabedoria e, ultimamente, muita estupidez. Jordan tem idade para ter juízo, a bebida não resolve todos os problemas. Aliás, não resolve nenhum. 

Deitei algum açúcar no meu café "curto", o habitual. Divagava, agora somente apoiada na bancada, o queixo encostado à mão, o cotovelo repousava na bancada, muito pensativa. Teria, eventualmente, que enfrentar o homem que se torna num monstro quando é atingido pelo álcool. Durante o pequeno almoço que demorou uma boa meia hora, aproveitei para ligar à minha irmã, Hannah.

— Hannah Wilson, está demasiado ocupada para falar com a sua irmã? — Iniciei a conversa assim que ela atende, esforçando-me para utilizar um humor pouco característico em mim.

— Para ti arranjo sempre um tempinho, Zoey Wilson. — A sua gargalhada soou do outro lado da linha e foi o suficiente para melhorar o meu dia.  

— Preciso de falar contigo. — Sussurrei junto ao telemóvel, sentia a garganta seca. Ingeri um copo de água e soltei um suspiro que não sabia estar a conter.

— Sou toda ouvidos. — Sorri à sua afirmação, assentindo com a cabeça para a cozinha vazia preenchida por armários brancos escolhidos por mim e por Jordan, na altura em que nos mudámos para esta casa. 

— Não... — Pausei, na tentativa de encontrar argumentos suficientes que a convencessem a encontrar-se comigo num café perto da sua casa. — Preciso de falar contigo em privado. É urgente, Hannah. — As últimas três palavras saíram num sussurro fraco, o suficiente para assustá-la. 

— No The Coffee Bean & Tea Leaf, daqui a 15 minutos. — A minha irmã mais velha desligou a chamada sem ao menos me dar tempo de contra-argumentar. Excelente.

Lavei a loiça que sujei ao tomar o pequeno almoço e, destrancada a porta da cozinha, que fora até agora o meu refúgio, corri escadas acima em direção do quarto de hóspedes. É óbvio que não iria entrar no quarto que habitualmente partilho com Jordan, não quero testemunhar mais nenhuma das suas infinitas perdas de paciência. 

Vesti algo quente, o Outono substitui agora o Verão e não está mais tempo para saias ou calções. Quando saí de casa, o vento fresco e o cheiro a Outono fizeram-me recordar do quão bom é viver.

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⏰ Última atualização: Sep 20, 2016 ⏰

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