PASSANDO SOBRE OS corpos imóveis dos soldados adormecidos, Valekpegou meu braço ferido e o inspecionou.
— Não é tão ruim quanto parece. Você vai viver. Primeiro vamos ver oComandante, depois, um médico.
Valek cruzou às pressas o castelo. Meu braço começou a latejar. Eu vinhaatrás dele. A perspectiva de encarar o olhar frio do Comandante fez comque eu reduzisse o ritmo de minhas passadas. Encontrar um médico, depoisafundar em um banho quente sem dúvida me parecia uma ideia muito maisatraente.
Adentramos a espaçosa câmara arredondada que servia de sala de guerrado Comandante. Janelas compridas de vidros coloridos se estendiam dochão ao teto e rodeavam três quartos da câmara. O caleidoscópio de coresfez com que eu me sentisse como se estivéssemos dentro de um piãorodopiando. Tonta, teria cambaleado, se não houvesse avistado algo que medeixou petrificada.
Uma comprida mesa de madeira ocupava o centro do aposento. Sentado àcabeceira, com dois guardas postados atrás de si, estava o Comandante.Suas sobrancelhas finas estavam quase unidas em sinal de irritação. Umabandeja de comida intocada estava pousada ao seu lado. Também sentadosao redor da mesa estavam três dos generais do Comandante. Dois dosgenerais estavam ocupados almoçando, enquanto o garfo do terceiro pairavano meio do ar. Eu me concentrei na mão; juntas dos dedos pálidasequivaliam a fúria ardente. Com relutância fitei o general Brazell nos olhos.
Brazell abaixou o garfo, o rosto sério. Seus olhos continham relâmpagos.Eu era o alvo, e como uma coelha flagrada em campo aberto, estavaamedrontada demais para me mover.
— Valek, você está... — começou a dizer o comandante Ambrose.
— Atrasado — Valek completou por ele. — Eu sei. Houve uma ligeiraaltercação.
Ele me puxou para perto de si.
Intrigados, os dois outros generais pararam de comer. Eu corei,reprimindo o forte desejo de sair correndo do aposento. Como ainda nãoconhecia os oficiais de alta patente, reconheci os generais apenas pelascores de seus uniformes. Minha visita ao calabouço do Comandante fora aprimeira vez em que eu cruzara as fronteiras do DM-5. Mesmo durante osprimeiros dez anos em que morei no orfanato de Brazell, tive poucasoportunidades de avistar, mesmo que rapidamente, o General e sua família.
Infelizmente, depois que completei 16 anos, a visão de Brazell e seufilho, Reyad, tornou-se meu pesadelo diário. Sentira-me lisonjeada pelasatenções de meu benfeitor; seu cabelo grisalho e a barba rente à faceemolduravam um rosto quadrado e simpático que exigia respeito.Corpulento e parrudo, para mim ele representava a figura paterna suprema.Brazell disse que eu era a mais inteligente de seus filhos "adotados" e queele precisava de minha ajuda com algumas experiências. Eu prontamenteconcordei em participar.
A lembrança de como eu fora grata e ingênua me enojou. Fazia três anos.Eu não passava de uma criança. Uma criança que ainda batia palmasenquanto era trancafiada.
Por dois anos eu sofrera. Minha mente encolheu-se ante as lembranças.Olhei para Brazell na sala de guerra. Seus lábios estavam cerrados e suamandíbula tremia. Ele se esforçava para conter a raiva. Tonta de tãofadigada, vi o fantasma de Reyad aparecer atrás do pai. A garganta cortadade Reyad estava aberta e o sangue escorria, manchando seu camisão dedormir. Uma lembrança distante de uma história sobre vítimas deassassinato assombrando seus assassinos até terem conseguido um ajustede contas me veio à cabeça.
Esfreguei os olhos. Será que mais alguém estava vendo o fantasma? Seestava, disfarçava muito bem. Meu olhar voltou-se para Valek. Será que eleera assombrado por fantasmas? Se as histórias fossem mesmoverdadeiras, não faltavam fantasmas em sua vida.
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Estudos sobre veneno - as lendas de Yelena Zaltana
ParanormalEscolha: morte rápida na forca... ou agonia lenta com veneno. Trancafiada em uma escuridão de mausoléu, não ha algo que possa me distrair da lembrança de ter matado Reyad .Ele merecia morrer. Porém, de acordo com a lei, eu também mereço. aqui em Ix...