Parte 1

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Sempre que Morgana sentia dor ela tomava aquela "inofensivo" comprimido para amenizar, sua vida era corrida demais para se preocupar com uma simples dor de cabeça ou mal estar. Afinal o que seria da renomada empresa de publicidade sem a sua vice presidente?

Morgana precisa estar sempre bem, o trabalho sempre viria antes de tudo, até dela mesma, mas aquilo seria um erro afinal? Não, claro que não. Qual outra mulher de vinte e oito anos é vice presidente de uma empresa daquele tamanho? Não muitas, ela tinha certeza.

Mas será que sua carreira brilhante lhe serviria de algo? Ela sempre teve a certeza do que queria e ela conseguiu, mas será que aquilo era o que ela precisava? Ser um nome de grande peso no ramo publicitário antes dos trinta era algo realmente necessário, ou um luxo de sua parte?

Ela gastará toda a sua juventude em meio a livros e a trabalhos sempre tentando ser a melhor profissional possível, mas com isso ela esqueceu de ser a melhor pessoa possível consigo mesma e com os outros.

Em oito anos ela nunca se questionou sobre como resolveu levar a vida, mas agora depois desse baque as únicas coisas que passam por sua cabeça é "Será que eu fiz certo?".

Quando foi a última vez que ela visitou sua família no interior de Minas Gerais? A última vez que saiu para jantar com seu noivo ou lhe deu um mísero beijo?

Quando foi a última vez que ela lembrou-se de viver?

- Senhorita Gonçalves?

Morgana passou tanto tempo inerte em seus próprios pensamentos que esqueceu que ainda estava no consultório do Dr. Soares.

- Desculpa doutor, me perdi em meus pensamentos.

- Você está bem? É uma notícia um tanto... - ele procura uma palavra para descrever, mas não existe palavra certa  - difícil de se digerir.

- Quanto tempo eu tenho?

Era a única coisa que passava pela cabeça dela naquela hora, quanto tempo ela teria para viver?

- Não posso afirmar, mas está em um estado avançado, sem o tratamento você poderá viver uns seis meses, com o tratamento não posso lhe afirmar, no seu caso talvez não resolva, talvez só ajude a prolongar sua vida.

Morgana podia sentir seu coração apertar, a respiração faltava, o ar de repente se tornou pesado. Ela só teria seis meses.

- Posso dar início ao seu tratamento amanhã mesmo...

- Não  - Morgana interrompe seu médico.

- Não?

Dr. Soares ouvia pouca vezes aquelas palavras vindo de um paciente.

- Eu não quero passar meus últimos meses em um hospital doutor. Eu passei oito anos sem viver, não posso passar meus últimos meses assim.

- Mas Morgana você tem que fazer o tratamento ou irá morrer  - o médico argumenta sem entender a sua paciente.

- Desculpa doutor, mas eu já estou morta.

Dizendo isso ela deixou o consultório.

[...]

Era incrível como um desmaio podia mudar seu jeito de ver a própria vida. Naquela manhã após tomar seu comprimido para que a dor de cabeça não a incomoda-se mais Morgana desmaiou em seu escritório e pouco tempo depois no consultório do Dr. Soares ela teve aquela notícia tão amarga e isso tudo ocorreu em poucas horas. Chegava a ser irônica a forma como a vida de uma pessoa pode mudar em poucas horas.

Morgana agora deitada em sua cama encarava o teto de seu luxuoso quarto sem conseguir entender os motivos, na época óbvios, por ter gasto três mil reais em um lustre em vez de ter ido viajar. Como ela mudou tanto? Desde quando ela esqueceu de sonhar?

Ao lado da sua cama tem um pequeno criado-mudo com um porta-retrato onde está sua foto de formatura no ensino médio, o último dia na pequena cidade que nasceu, quando foi que Morgana esqueceu dos sonhos daquela garota de dezoito anos? Quando ela esqueceu como sorrir?

Ela levanta-se e encara o enorme espelho ao lado de seu guarda-roupa. Sua roupa de grife é bem diferente do jeans rasgado e dos tênis que a Morgana adolescente usava.

Ela fecha os olhos e respira fundo coloca suas mãos nos botões de sua blusa e vai os tirando de sua casas lentamente, depois que retira toda a blusa tira também a saia e os saltos e com o resto de forças que lhe sobram sua roupa íntima também é tirada. Morgana respira fundo mais uma vez, de forma pesada e finalmente abre os olhos examinando seu corpo nu através do espelho. Suas clavículas estão a mostra, totalmente salteadas de sua musculatura, passando os dedos pelas costelas ela é capaz de contar uma por uma, suas coxas que um dia foram grossas estão magras. Morgana não lembra-se dá última vez em que se olhou de verdade no espelho, devia fazer muito tempo para não ter notado o quão magra estava, seu tempo sempre foi corrido demais para checagens no espelho. Olhando para seu rosto ela pode ver seus olhos cor de mel afundados pelas olheiras, quando foi a última vez que ela teve uma boa noite de sono? E o que era aquilo em seu tornozelo?  Uma mancha roxa? Sim era e havia outras na sua coxa, quadril e ombro, como ela não tinha visto aquelas manchas antes? Claros sintomas de sua doença, um dos sintomas mais nítidos além da fraqueza de seu corpo. Quando foi que ela se tornou tão cega a si mesma? Era a pergunta que ela mais fazia.

***

Seis MesesOnde histórias criam vida. Descubra agora