Andrew Duncan e a sua Afrodite-Atena

210 29 118
                                    



Qual o limite entre a loucura e a racionalidade? Um limite tênue, eu diria. Um limite que em diversos momentos é atravessado sem que se perceba. Muitas vezes o dia a dia nada mais é que a esquizofrenia disfarçada de rotina. Uma rotina enlouquecedora, tão diferente da tão comentada e nunca alcançada razão.

A razão pode ser um delírio. Lógica, sentido são coisas imaginadas, inventadas... criadas.

A criação.

O processo criativo é um acontecimento esquisito. Quando menos se espera ele acontece. Não adianta insistir, buscar, querer se inspirar. Quando menos se espera as melhores ideias surgem. Surgem do nada. Surgem do vazio. E revolucionam. Inovam. Ou apenas fazem pensar. Refletir.

Para alguém que trabalha com a criatividade e com a imaginação todos os dias, seu aparecimento pode render alguns custosos momentos. Ou alguns delírios.

Nosso personagem conhecia esse aspecto muito bem. Trabalhando como jornalista, Andrew Duncan vivia perseguindo o processo criativo, e fugindo da loucura. Altas doses de café, álcool, poucas horas de sono e a pressão diária, o faziam ter uma imaginação fértil e muitas vezes, sonhar acordado, delirar e criar situações.

Fugindo disso, Duncan estava aquele final de tarde no parque, apreciando o pôr do sol. O vento ameno do outono levava as folhas dos Plátanos de um lado para o outro, em uma dança harmoniosa digna da mãe natureza. Seus cabelos cor de fogo combinavam com as cores quentes do crepúsculo que surgia no horizonte, e com o dourado das folhas que passeavam felizes pelo gramado.

O ar puro estava lhe fazendo bem. A sensação de prisão e de sufoco que sentia na redação do jornal, há poucos minutos, não lhe incomodava mais. Sua mente estava voltando ao normal. Não mais nebulosa como anteriormente, não mais a ponto de não suportar os excessos e se descontrolar. E sim renovando-se.

Ele precisava de uma nova matéria boa até o meio dia do dia seguinte. Sua diretora-chefe insistia em seu potencial e exigia sempre um progresso. Reportagens melhores, mais criativas, mais bem escritas, dignas dele. E ele sofria cada vez mais, enquanto tentava pensar em algo.

Buscando uma solução, Andrew foi espairecer a cabeça no parque. Sendo ainda muito cedo para sua visita diária a um dos bares boêmios da cidade onde sempre lhe surgia as melhores inspirações para as madrugadas de escritas, havia optado pelo diferente local. Por enquanto não se arrependera. E não se arrependeria. A tranquilidade e a magia do parque estavam fazendo-lhe bem.

Envolvido em toda aquela atmosfera, deixando seus pensamentos vagarem a esmo, sem sentido e sem rumo algum, o jovem jornalista ficou por quase uma hora. Parou apenas quando algo ainda mais belo que toda a paisagem lhe chamou a atenção: uma jovem morena estava sentada alguns metros à sua frente, também sozinha, contemplando a paisagem.

A comparação foi inevitável: era sua Afrodite. Linda, resplandecente, encantadora e mágica. Uma verdadeira deusa grega, perdida no mundo contemporâneo nada digno de sua superioridade.

Duncan não conseguia desviar os olhos de sua perdição. Toda a antes maravilhosa paisagem, adquiriu uma posição secundária em sua atenção. Era como se as cores do fim de tarde tivessem sumido, roubadas por sua Afrodite, dando lugar a tonalidades opacas e cinzas.

Sem conter-se, e agindo pelo impulso, se aproximou da bela garota, apresentando-se com todo o charme e cordialidade que possuía:

– Olá, bela dama – disse ele, fazendo uma rápida mesura – Andrew Duncan ao seu dispor. – Beijou sua mão – Estava sentado, contemplando esse maravilhoso final de tarde, quando sua beleza chamou minha atenção. – Ela sorriu. Um sorriso que quase deixou ele sem palavras – É impossível fazer qualquer outra coisa, se não me deleitar com seu encanto.

Andrew Duncan - ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora