Capitulo 2 - Edward Dixon

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Depois de abastecer o tanque de sua moto com o resto de gasolina de um antigo congestionamento de carros, Edward resolveu fazer uma tradicional revista. Aquele cemitério de carros, como ele costumava chamar, sempre tinha algo que valia a pena ser verificado. Alimentos, roupas, remédios ou munição. Às rodovias estavam lotadas desses cemitérios. Eram rotas de pessoas que resolveram fugir da epidemia, mas que foram pegos por ela graças ao congestionamento. A grande maioria dos veículos ali pertencia a pessoas que haviam morrido. Praticamente ninguém sobrevivera. O mundo tornara-se um leito de morte. E assim Edward seguia com pequenos furtos onde encontrasse algo abandonado. Alguns desses veículos já haviam sido saqueados, mas sempre sobrava mais. Por mais que outros bandos humanos fizessem uma revista detalhada, alguma coisa sempre passava despercebida.

O lado bom é que cemitérios de carros já vasculhados continham poucos ou nenhuns mortos-vivos. Era uma grande vantagem. Poupava energia, que seria gasta somente na averiguação de materiais e utensílios.

Carros com coisas de crianças eram os melhores. Famílias sempre se preocupavam com detalhes que pessoas sem criança sequer lembrariam. Leite em pó, agasalhos e cobertas para o frio, analgésicos e antitérmicos. O rapaz vasculhou até cansar. Conseguiu alguns itens interessantes de sobrevivência. Até um farolete ainda com pilha. Isso era algo raro de se conseguir. Alguns potes de papinha de bebê seriam seu jantar. Apesar de não conseguir verificar tudo, deixou o resto para quem viesse depois dele. Não ia dar conta de carregar tudo sozinho mesmo.

A tarde logo traria a noite. O sol descia no horizonte dando uma tonalidade púrpura ao céu. Edward preferia viajar a noite e dormir de dia. Sentia-se mais seguro na escuridão e conseguiria aproveitar o frescor da noite enquanto seguisse com sua motocicleta.

A única coisa que o rapaz se lembrava era que a epidemia devastara a humanidade. Não conseguia trazer à mente quem era, de onde viera, muito menos para onde tinha intenção de ir. Lembrava-se de seu próprio nome, Edward Dixon, mas atualmente isso na era algo que contava muito. Sua única certeza era que se quisesse sobreviver precisaria matar. Humanos e zumbis. Desde que se dera conta de que estava num mundo devastado, ele encontrara com alguns humanos que não valiam a pena a convivência. Pessoas que usavam outras pessoas como isca de zumbi, para entrar em locais infestados e saírem ilesos. Iscas eram úteis. Mas ele não queria se tornar uma. Os zumbis por sua vez só queriam comer. E ele também não estava muito a fim de se tornar alimento de mortos-vivos. Solução? Matar quem cruzasse seu caminho.

Claro que talvez ainda existissem pessoas boas perdidas, mas essas tinham seus dias contados. Quem, bom o suficiente, conseguiria a sobreviver a esse novo mundo? Na dúvida, era mais fácil matar. Na pior das hipóteses, ele estava livrando aquela pessoa de viver num mundo louco como esse.

A viagem durante a noite fora tranquila. O barulho do motor sempre atiçava algum zumbi, mas Edward simplesmente parava a moto, sacava sua arma e dava um tiro certeiro. Era rápido, eficiente e limpo. Não tinha muito que se preocupar em se defender. Distância e agilidade eram suas melhores qualidades. Assim ele seguiu viagem noite adentro.

Quando o alvorecer começou a se erguer no céu, ele decidiu que era hora de parar e se alimentar. Na beira da estrada havia um galpão abandonado, provavelmente alguma metalúrgica pequena. Depois de dar uma rápida olhada no terreno, decidiu que era seguro, parecia não haver ninguém por perto. Então entrou na guarita que ficava à portaria do estacionamento de visitantes, guardou sua moto ali e num canto sentou para comer as sopinhas de bebê em pote que pegara no cemitério de carros. Não era uma refeição que lhe fartasse, mas foi o suficiente para acalmar o estomago que já reclamava.

Ficou algum tempo ali, talvez meia hora ou mais, apenas pensando na vida, ou talvez naquele resto de sobrevida que tinha, quando escutou um barulho alto em um dos portões de acesso ao galpão. Um rangido estridente que poderia ter chamado muitos mortos, caso houvesse algum por ali. A guarita tinha vidro espelhado, por isso Edward conseguia ficar bem escondido sem ser visto. Sorte ser perspicaz o suficiente para ter entrado com o motor desligado. Porque se quem tivesse passado a noite ali escutasse seu barulho, certamente teria problemas.

Como não podia ser visto do lado de fora, o rapaz não hesitou em levantar e ficar observando pela janela discreta, devidamente protegido pelo vidro espelhado. Era uma jovem, uma mulher talvez pouca coisa mais nova que ele. Era possível perceber que era bastante cuidadosa, apesar do barulho do portão. Observava tudo ao redor antes de sair de seu esconderijo, para então seguir adiante pela estrada, passando pelo mesmo portão que Edward entrara a pouco. Por questão de minutos ambos não se cruzaram.

O rapaz logo percebeu que ela tinha algo que desejava. Uma aljava cheia de flechas e um arco, ambos pendurados no ombro. Era o que ele precisava para fazer menos barulho. A moça parecia bem alimentada, devia ser exímia caçadora. Estar protegido na guarita lhe dava a chance de observar e avaliar bem sua presa. Era bonita, apesar de suja e com cabelos desgrenhados, devia ter chamado muito a atenção antes de tudo acontecer, no mundo normal. Usava uma regata que um dia deveria ter sido branca, mas atualmente tinha uma tonalidade mista de sangue seco, barro e sumo de plantas.

Edward riu. Ele mesmo não estava com aparência muito melhor que a dela. Uma jaqueta de couro roubada com um símbolo de algum grupo de motociclistas, calça jeans tão suja quanto a camiseta dela e o cabelo comprido que lhe caia insistentemente nos olhos. Ser humano nos dias atuais não estava sendo nada fácil. Todos viraram bestas afinal.

Ele esperou que ela se afastasse um pouco, depois decidiu que seguiria pelo mesmo caminho que a garota, a fim de lhe roubar as armas. Talvez não a matasse. Talvez se divertisse um pouco antes, afinal tanto tempo sem uma mulher, quem sabe ela fosse gentil com ele. Ou, quem sabe ela fosse louca o suficiente para enfrentá-lo, então sim, nesse caso ele acabasse precisando sacrificá-la.

Em ambas hipóteses Edward estava pronto para o combate corpo a corpo. O que não esperava era que ela fosse tão ágil com zumbis.

Seguindo-a de longe na estrada reta e de aparência infinita e monótona, ele viu quando a moça se jogou na moita no acostamento da estrada, ao escutar o barulho da moto atrás de si. Era esperta afinal, mas ele era mais, logo deu a volta e conseguiu avistar sua caça. Mas o que viu lhe deixou mais surpreso do que se ela estivesse encolhida no mato esperando que ele seguisse em frente.

Ela lutava com dois zumbis que provavelmente tinham sido atraídos pelo barulho da motocicleta. Mas não parecia se esforçar, tampouco parecia gastar sua própria energia. A jovem matava aqueles dois como se passasse manteiga no pão, tão ágil e ferozmente que o impacto da visão lhe causara certo respeito pela moça. Talvez ela não fosse o oponente fraco que ele imaginara. E talvez se quisesse aquele arco com flechas tivesse que lutar mais duro que do esperava.

Uma flor no desertoOnde histórias criam vida. Descubra agora