2

37 1 0
                                    

- Me lembro entrando pelos quartos de um hospital, obviamente depois de já ter dado meus primeiros passos, porém não sei oque eu fazia naquele hospital, mas essa é a minha primeira lembrança de algo que entendi depois chegar ao mundo, não me lembro do colo da minha mãe biológica, nem de ter andado de carrinho de bebê, mas uma segunda lembrança depois do hospital foi quando eu estava tomando mamadeira dentro do armário debaixo da pia, pois minha casa estava em reforma e o armário estava vazio, assim as portas estavam abertas e pelo meu tamanho era um lugar divertido para se entrar, depois vem as memórias mais nítidas, não sei se foi por que um primo meu, que na época eu chamava de "tio" Nelsom por ele ser bem mais velho, ter filmado a minha festa de aniversário de 4 anos, e por eu assistir diversas vezes esse vídeo eu tenha uma clara lembrança deste aniversário onde me deparei ao meu conflito companheiro, companheiro pois me acompanha até hoje, e conflito por muitas vezes me afetar e impedir o meu equilíbrio psicológico, devo isso aos meus lábios leporinos, não que isso seja motivo de inferioridade, nunca disse isso, apenas quero retratar os momentos que, na maioria constrangedores eu tive que passar, inclusive neste aniversário onde assisti dezenas de vezes porque dezenas de pessoas quando vinham na minha casa queriam assistir, no vídeo, eu aparecia em cima de uma cadeira em frente ao bolo, não pense que foi uma vídeo-cassetada onde a criança cai de cara em cima do bolo, eu me preparava para cantar o parabéns e alguém perguntou: - quantos anos você está fazendo? - e eu respondi: - cucacocaco!! - Eu estava dizendo "quatro anos", mas o céu da minha boca era aberto e a minha voz era uma mistura de fanho com gago e isso trazia uma séria dificuldade em me expressar e as pessoas riam, sim, riam sem maldade, por isso perguntavam de novo e várias vezes, e cada vez que eu respondia mais nervoso eu ficava e pior eu falava: - cucacocacoooooooooo!!!! E assim, cada vez que assistia o vídeo fui vendo como eu era estranho, daí surgia a minha primeira pergunta da vida, ou, para a vida: - por que eu sou assim?
Não tive nada que pudesse chamar de consolo, mas a vida me presenteou da maneira mais pura que uma criança possa entender, com um pai e uma mãe que nunca me deixaram faltar amor, que me deram toda a atenção do mundo, fizeram-me sentir que eles eram responsáveis por mim e enquanto estivessem alí, eu estaria protegido. Uma vez sonhei que meu pai arrancava o carro e eu caia na rua, e quanto mais eu o chamava mais o carro sumia no horizonte da estrada, o meu desespero de perder meus pais foi um, ou o único pesadelo que tive, imaginava que se meus pais morressem eu ia chorar todo dia toda hora, pois eu já os amava e um dia essa ideia se fortaleceu em um trabalho de escola onde tinha que relatar principalmente com fotos os 9 meses que passei dentro da barriga da minha mãe, foi quando meu pai e minha mãe me chamaram pra conversar sobre a minha adoção. Nunca diga nunca, frase cujo adjetivo é grande influenciador de energias, mas pelo menos até hoje aos meus 29 anos, eu nunca questionei nem tive interesse em saber quem é a minha genitora, deduzo que o amor de meus pais são tão intensos que garantem o meu amor e fidelidade por eles.

Me lembro da intensidade da feição do meu pai, do brilho dos olhos dele quando dizia que eu fui a causa mais importante na vida deles e que eles me amavam. Talvez, por naquela idade eu não compreender de fato oque era a adoção, mesmo que meu pai naquele momento foi bem claro, eu os via como meu pai e minha mãe, poderia até ser apresentado aos biológicos que não me provocaria nenhum tipo de comoção pois eu já estava convencido de quem eram meus pais, eu via e começava a entender o mundo através deles, haviam, antes de mais nada nesse mundo, me transmitido amor.

Nunca tive problemas comigo mesmo pelo fato de eu sabe sobre minha adoção, são as pessoas que colocam "chifre na cabeça de cavalo" e ainda me veem como um coitado, tem gente que se comove, sentem as dores por mim e é bem assim que o ser humano reage com aquilo que ele não sentiu na pele, a imaginação é fantasiosa, pois tem gente que ao ver alguém com um ferimento grave, expressa mais dor do que a própria vítima, as pessoas procuram no sofrimento alheio motivos para se auto convencer e se assegurar da sua conduta de valorização da vida, tentando manifestar o amor que ainda se encontra limitado e confuso dentro de si.
Chegava o momento de ir para o meu primeiro dia de aula na minha primeira escola e a primeira experiência de disjunção maternal, chorei ao entrar pelo portão da escola vendo minha mãe se despedindo e acenando com a mão, cheguei na sala onde outras crianças também choravam, isso amedrontava mas fui percebendo que estávamos no mesmo barco e lá haviam algumas senhoras que pela idade nos tranquilizavam, no entanto é notável esse tipo de energia que carregam os mais velhos, com certeza não todos e não por causa de alguns iremos estereotipar a terceira idade, mas eles carregam uma energia passiva que compatibiliza com as energias das crianças, parece algo instintivo próprio da natureza, duas peças que se encaixam.
Na minha primeira escola foi tudo normal, chorei no primeiro dia, era obrigatório escovar os dentes depois das refeições, achava desafiador grudar as massinhas de modelar no teto da sala, e claro, o primeiro bilhetinho de advertência. Estudei nesta escola até a pré-escola, minha mãe a elogia até hoje pois saí de lá lendo e escrevendo, e a partir daí fui conhecer outras escolas e outras pessoas.
Na primeira série já na segunda escola, havia muito mais crianças que na anterior e eu não chorei no primeiro dia de aula, mas fiquei observando um menino também japonês, que chorava quando a mãe o deixava na sala, não sei por que, mas marquei bem o rosto dele, aquela imagem dele chorando não saia da minha cabeça, me fazia lembrar o sonho que tive sobre perder meus pais, mesmo que na escola não fosse uma separação de óbito, mas quantas mães cortam o coração ao se despedir de suas crianças em circunstâncias dessas? Ainda observando o japonesinho ouvi a mãe dele dizendo: - Cássio mamãe já volta. – o nome dele era Cássio Moribe, mais tarde chegou a ser o meu melhor amigo por um bom tempo, porém não acredito ter sido o melhor amigo para ele.
Ainda na primeira série conheci o meu primeiro amigo da escola, na verdade foi a professora que sugeriu aos nossos pais que incentivassem a nossa amizade, o Marcelo Pires era repetente daquela série, e como eu ainda não havia me enturmado e não tinha nenhum amigo, fizemos um bom par.  O Marcelo era rico, morava em uma mansão, tinha muitos brinquedos, mas oque mais me chamava a atenção era o cheiro da casa dele, não consigo distinguir oque seria, mas cheirava luxo.
Não me recordo de detalhes da minha primeira série, mesmo que nesta idade reparamos em todos os detalhes, os adultos acham que as crianças não veem e nem ouvem tudo, mas elas estão de “anteninhas ligadas” mesmo não entendendo podem sentir e guardar na sua memória e futuramente relevar. Mas já que estamos atrás de conhecer as energias vou citar um acontecimento que traduz o trabalho com as energias, envolve o desejar, o se esforçar, o acreditar e o conseguir, cito o meu primeiro álbum de figurinhas que consegui completar quando estava na primeira série, para uma criança o álbum de figurinhas simboliza preencher um sonho, uma realização, e quando ela preenche sente-se fazer parte daquilo, do mesmo jeito que a criança pega um desenho em preto e branco para pintar, mas no caso do álbum de figurinhas existe um processo de energização maior, começando pelo ganhar o álbum, aquele livro todo ilustrado, a folha de papel exala o cheiro de novo, a fantasia de completar todo o álbum, o pacotinho fechado com míseras 3 figurinhas, a casinha mágica chamada banca de jornal que a cada uma que passava eu imaginava que tivessem figurinhas diferentes, as primeiras experiências de trocar figurinhas, a batalha quando batia  figurinhas com os colegas, como se cada figurinha colada tivesse uma história de conquista, até que chega a última figurinha, ninguém tinha, se tinha já estava colada no álbum, eu poderia trocar todas as minhas repetidas por aquela que me faltava, mas não foi bem assim, na vida oque nos sustenta é a fé, nossos sonhos e desejos são determinados pontos onde queremos chegar, e escrevendo agora parei pra pensar que naquela época nem passou na minha cabeça essa idéia de trocar todas as figurinhas repetidas por a que faltava, essa idéia eu tive agora depois de velho, pois eu me lembro que mesmo com tantas repetidas, eu procurava alguém que tivesse a figurinha que eu precisava  e tentar uma disputa para ganhá-la, mas também não foi assim, pois a fé de uma criança é maior do que qualquer desejo adulto, a fé das crianças é natural, e naturalmente como um dia comum eu esperava a minha mãe vir me buscar, quando se aproximou um colega chamado Thomaz que me propôs dar uma figurinha se eu deixasse ele brincar com um de meus brinquedos que havia levado para a escola, e a minha única pergunta foi: você tem a cabeça da “Change Fênix”? Referindo á última figurinha que me faltava. E foi assim que tive o prazer de colar a última figurinha do meu álbum, guardava ali lugares, pessoas, momentos, as folhas de papel já não tinham o mesmo cheiro, agora eram de suor.
Segunda série, ainda amigo do Marcelo Pires, passamos para a outra unidade da escola que ficava do outro lado da rua, ao lado do prédio da Cris, o espaço da primeira série era enorme, mas dessa outra unidade era maior ainda, tinham diversas quadras poliesportivas, campo de futebol, capela, lanchonete, biblioteca, ginásio de esportes, laboratório, teatro, era uma escola e tanto, da segunda série me lembro de um menino chamado Renê que algumas crianças o chamavam de “nescau” por ele ser negro, eu mesmo não me lembro de ter chamado ele assim, desde pequeno eu consentia qualquer tipo de discriminação, eu também não gostava que me chamassem de japonês, meu pai se irritava se alguém chamasse um de nós de japonês, ele sempre retrucava:  - Eu tenho nome! 
Ainda na época da segunda série, fora da escola,  na minha vida familiar, eu convivia muito com meus primos, o Fábio que era bem mais velho, e a Liliane, mais conhecida pelo seu nome em japonês: Eiko, que era uns dois anos mais velha do que eu. Esses meus primos eram os únicos primos diretos da parte do meu pai, eram filhos da minha tia Lira que já não convivia mais com o pai deles, não tenho muita lembrança do tio Waldir, aliás, nenhuma que eu possa me recordar, apenas que ele era brasileiro e careca. Eu brincava muito com a Eiko, meu pai sempre levava ela para passear com agente, e na época de férias ela ficava na minha casa, ela era minha amiga, minha melhor amiga e companheira mais intima.
Antes de continuar gostaria de ressaltar um tipo de sentimento no qual as pessoas se passam pelas outras e criam um conceito sobre oque elas acham que é, ou seja, tentamos entender oque a outra pessoa pensa ou sente se colocando no lugar dela, porém não podemos ter certeza se é realmente oque deduzimos, um exemplo que eu tive foi passar um bom tempo achando que tinha magoado uma pessoa e depois fui pedir desculpas e recordei o motivo, mas a pessoa me respondeu: - Nossa, eu nem lembrava disso. Interpretando, eu me coloquei no lugar dele, senti suas dores bem mais intensamente, e guardei isso na minha memória por anos, sendo que desde o inicio ele mesmo nem se manifestou, isso se chama mania de vulnerabilidade, então quanto tempo eu fiquei guardando um sentimento que não era meu e na verdade de ninguém, mas que eu criei na minha mente e querendo ou não influenciou na minha auto estima, carregando um sentimento de culpa desnecessária, desnecessária pelo menos ao nosso entender até agora.
Muitas coisas importantes sobre minha infância com a minha prima Eiko, a primeira é o peso da estrutura familiar, deduzo que ela sofreu com a separação de seus pais e senti pena dela, perceberam oque eu acabei de protagonizar? Eu me passei por ela diante do divórcio de seus pais, sofri por ela e criei um sentimento de pena, mas será que foi isso mesmo que ela sentiu ou com a mesma gravidade? Da mesma forma é a reação das pessoas sobre a minha adoção, muitos me veem como coitado, pois na maioria das vezes que revelei isso a alguém, as pessoas reagem com uma cara de pena, mudam até o tom da voz, consentindo dor, tristeza expondo humildade. Tanto que uma vez um colega de classe me bateu, e depois de um tempo, procurou-me e com uma cara de arrependimento, todo sem graça disse: - desculpa Mizu por ter te batido, eu não sabia que você era adotado.
Eu me classificava um garoto imperativo, antes mimado pelos meus pais, sempre do meu jeito, na minha hora e mandão, a Eiko por sua vez sempre concordava, sempre fazia do meu jeito e na minha hora, como se eu fosse o líder e foram momentos como estes que mais tarde o reflexo veio á tôna através de sitauações inversas com um ar semelhante o da vingança, porém quando é incondicional e ocorre por livre naturalidade oque seria vista como uma vingança é na verdade um reajuste de energias por ambas as partes, formalmente um acerto de contas equivalente entre energias sem que haja consentimento da racionalidade humana, então repare neste detalhe da naturalidade, pois a vingança é forçar o reajuste de energias que na verdade a desiquilibra invocando a vingança e aprisionando as partes em um ciclo vicioso onde ambos sairão perdendo, um derrotado e outro sobrecarrregado de energia negativa.
A mania de vulnerabilidade pode ser notada em qualquer situação, depende do grau que a pessoa se encontra, em um nível avançado a pessoa pode inferir negatividade em qualquer coisa, seja em atitudes ou palavras alheia, se torna uma perseguição, eu cheguei a encontrar sofrimentos até em fotos, pois houve um natal que eu mesmo não reparei, talvez estive distraído com tantos presentes que ganhei, mas só depois de observar as fotos desse natal, eu reparei na cara dos meus parentes inclusive minha prima que também ganhou presentes, mas talvez não oque pudesse ter escolhido, e observei a foto onde todos assistiam a minha inquietude para abrir cada pacote. Existem momentos maravilhosos, que devem ser aproveitados ao máximo mas alguns exaltam uma mistura de ansiedade, empolgação e orgulho, três componentes que juntos se tornam um veneno.
A mania de vulnerabilidade pode-se manifestar em níveis diferentes, sobretudo somos induzidos a isso, pois quantas pessoas se apegam aos noticiários sobre tragédias e violência, reality shows e novelas, se põem no lugar das pessoas, incorporam aquele sentimento geralmente de dor e sofrem pelos outros? Em um vocabulário popular são denominados os “Zé povinhos” pessoas que gostam de cuidar da vida alheia, novelas e reality shows são estruturados exatamente para isso, expõem pessoas e situações que viram assunto para o próximo dia, não quero dizer que é ruim assistir estes tipos de programação, mas logo esclareceremos a diferença entre ver e assistir.
Não era só no natal que acontecia uma concentração de atenções onde eu era a atração principal, meu pai fazia tudo pra mim, minhas festas de aniversário eram fartas, era raro alguém da família ou amigos não comparecer, o compromisso de consideração pelo meu pai era essencial para todos, parecia ser uma obrigação essa gratidão com meu pai, ele seguiu o rumo convencional, dedicou-se à família, aos estudos, cultura, estava sempre atualizado em tudo e naquela época as coisas eram mais severas, as escolas eram bem rigorosas inclusive as públicas chegavam ser melhores que as particulares, e ele atingiu os ícones fundamentais que toda pessoa poderia buscar para bem suceder-se, e isso é oque todos esperavam de mim, ter me espelhado no meu pai, estudar bastante, saber administrar o tempo e o dinheiro, se estabilizar  em uma vida confortável porém segura, assim meu pai se tornou um exemplo, quantos parentes, inclusive primos mais velhos se espelharam nele e hoje são empresários bem sucedidos. Entretanto meu pai Jorge Mizutani chegou a ser uma força maior para quem conseguiu enxergar isso e que não só ficou nos elogios, mas também agregou esse grande exemplo e conseguiu impor determinação em seus objetivos.





Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 10, 2017 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Os Equilibradores De EnergiaOnde histórias criam vida. Descubra agora