A Bruxaria Hoje, de Gerald Gardner, é um marco no renascimento da bruxaria, ou na criaçãoda wicca (palavra de origem anglo-saxã). Este livro serviu para trazer a público a bruxaria e parareavivar o interesse pelo tema, tarefa engendrada anos antes por Aradia, o Evangelho das Bruxasde Charles Godfrey Leland, o importantíssimo O Culto das Bruxas na Europa Ocidental deMargaret Murray* e A Deusa Branca de Robert Graves, sem esquecer, é claro, O Ramo de Ouro deSir James Fraser. Todos estes livros semearam o caminho para que a wicca viesse a florescer.Gardner passou a maior parte de sua vida trabalhando na Malásia. Desta forma, pôde entrarem contato com várias tradições exóticas. Este gosto fez com que, após a sua aposentadoria eregresso à Inglaterra, ele ingressasse na "Sociedade de Folclore". Além dela, ele percorreu os meandrosdo ocultismo britânico, pesquisando as mais diversas fontes. Nessas pesquisas, ele conheceuAleister Crowley e Old Dorothy Clutterbuck, importantes figuras em sua trajetória.Gardner foi membro da "Fellowship of Crotona", em New Forest, onde ele se deparou comDorothy Clutterbuck, que o teria iniciado na bruxaria.Podemos imaginar que Gardner forjou a iniciação no coven de Old Dorothy, ou, de fato, elese deparou com este coven, talvez um grupo formado baseado no trabalho de Murray. Há quemdiga que este coven nunca existiu, mas há relatos que dizem que na segunda grande guerra, em NewForest, um grupo de bruxas se reuniu para impedir o desembarque dos exércitos nazistas.A própria existência de Old Dorothy Clutterbuck era colocada em dúvida; por sua vez,Doreen Valiente, discípula de Gardner, consegue provar a existência de Old Dorothy Clutterbuck.
Nada disso prova efetivamente a afirmação de Gardner e, por sua vez, também não a nega.O que salta aos olhos é o ecletismo de elementos usados por Gardner na confecção da wicca.Muitos dos rituais são criados a partir de elementos da Magia Cerimonial, especialmente aadvinda da Aurora Dourada (Golden Dawn), da Maçonaria, dentre outras fontes.Os fundadores da G.D Mathers, Westcoott e Woodman eram maçons e membros da SRIA, daqual, por sua vez, Hargrave Jennings era membro.Havia boatos da ligação de Jennings com um coventículo, e Gardner até imaginava que elepoderia ser o "autor" do Livro das Sombras. As ligações de Jennings com cultos fálicos sãoproverbiais.Hargrave Jennings era o autor do livro Os Rosa-crucianos, no qual narra várias facetas doocultismo e dentre elas elementos da bruxaria.Duas fontes têm uma importância especial na criação da wicca: Aleis-ter Crowley e CharlesGodfrey Leland, através do seu livro Aradia, o Evangelho das Bruxas.Para alguns estudiosos, o verdadeiro "pai" da bruxaria wicca foi Aleis-ter Crowley e nãoGardner, sendo Crowley o autor do Livro das Sombras*Muitos anos antes, Crowley já havia se colocado como profeta na nova era e ressurgidor dopaganismo. Tinha pesquisado e desenvolvido várias vertentes da Magia e seria a pessoa idealpara "consultor" de criação de um culto de bruxaria.Gardner foi feito membro da O.T.O,** ordem Mágicka reestruturada por Crowley. Lá eleveio a conhecer Kenneth Grant, dentre outros.A relação entre os dois (Crowley e Gardner) era amistosa, e o próprio Gardner crê que umadas pessoas capazes de ter escrito o Livro das Sombras era Crowley. Uma forma talvez de lhe dara autoria sobre o livro, ou justificar a grande quantidade de material de Crowley.Independentemente de quem foi o autor, há inúmeras passagens de Crowley no Livro dasSombras de Gardner: "Eu sou a chama que arde em todo coração humano, e no núcleo de todaestrela. Eu sou Vida, e o doador da vida, entretanto, conhecer-me é conhecer a morte". "Eu osamo! Eu anseio por vós! Pálido ou púrpura, velado ou voluptuoso, Eu que sou todo prazer epúrpura, e ébria no sentido mais profundo, os desejo."De todas as passagens, a mais clara é "Faz o que tu queres desde que não prejudiques aninguém" (ou correlata), uma adaptação clara de "Faz o que tu queres há de ser o todo da Lei", amáxima de Crowley. Ou ainda o uso do pentagrama "Meu número é 11, como todos seus númerosque são nossos. A Estrela de Cinco Pontas, com um Círculo no meio". O pentagrama wiccano é oinverso, ou seja, uma estrela circundada pelo círculo.*A History of Witchcraft, J.B. Russell Thames and Hudson ltd.*♦ O.T.O: Caixa Postal 12108-São Paulo/SP - CEP. 02013-970 - e-mail: oto@otobr.orgSite: www.aleistercrowley.com.br.Há inúmeras outras passagens e partes nitidamente influenciadas (ou escritas por Crowley).A outra como vimos foi o livro de Leland Aradia, o Evangelho das Bruxas, escrito atravésdo relato de uma jovem chamada Maddalena -uma bruxa de Florença, na Toscana. Ela se dizdescendente de uma tradição da bruxaria, a Stregoneria. O quanto disso foi invenção da "fonte"(uma bruxa que concordou em revelar alguns segredos) de Leland ou criação dele próprio nãosabemos, mas o importante é que este livro trazia em "primeira mão" um culto de bruxaria.No Evangelho das Bruxas é narrada a história de Diana, que se une com seu irmão e filhoLúcifer. Desta união nasce Aradia, que vem à Terra para ensinar a arte da bruxaria. Tecnicamente,esta tradição remontaria aos etruscos.Por mais que a narrativa de Leland seja difícil de sustentar-se, é bom lembrar que relatossobre o culto da deusa Diana (mãe de Aradia) são conhecidos durante a Idade Média. Este culto eraatribuído às bruxas, as fiéis da deusa.O historiador (antropólogo) Cario Ginzburg em seus livros Storia Notturna, Unadecifrazione dei sabba e / benandanti: stregoneria e culti agrari tra Cinquecento e Seicentocoletou vários relatos sobre bruxaria, paganismo e cultos da fertilidade na Idade Média eModerna.Vale salientar que na pesquisa de Ginzburg um dos nomes da deusa era Diana, nomenclaturausada pela Igreja. Por sua vez, a deusa era chamada na verdade de várias outras formas. Osincretismo entre os cultos pagão e o cristianismo se fazia presente, mas muito provavelmente aroupagem cristã fosse a camuflagem de um substrato pagão muito mais antigo.O papel da Igreja foi demonizar os cultos e enquadrá-los às idéias oficiais, ou seja o Sabá deadoração ao diabo. A igreja católica contribuiu à sua moda para a união entre Diana e as divindadesGermânicas da fertilidade, já que, durante as conversões destes povos, nomenclaturava as divindadeslocais de Diana, um nome "clássico". De outra feita, isso facilitava "encaixar" as crençaspoliteístas à sua teoria demonológica.A influência da igreja fez também com que as deusas se confundissem no imagináriopopular; as narrativas no púlpito acabavam criando o que tencionavam erradicar. Não só a Igrejainterpretava as divindades de outros locais como sendo as do mundo clássico, os romanos muitasvezes efetuavam correlações entre as suas divindades e de outros povos. Faziam parte do Impériopopulações celtas, teutônicas e eslavas, dentre várias outras. Desta forma, por exemplo, Diana - adeusa romana - ganhava atributos da Epona céltica.O Império Romano acabou por promover a miscigenação de cultos.Isso produziu sincretismo entre algumas divindades. Para completar o quadro no fim doImpério, com a invasão dos bárbaros, mais tradições e influências se acumulam. A Itália foiconquistada por godos, vândalos, lombardos e hunos. Séculos depois, veio o Sacro ImpérioRomano Germânico.Essa miscigenação produziu lendas sobre a "cavalgada das bruxas", chefiadas pela deusaDiana. Um sincretismo entre as divindades mediterrâneas e as germânicas.