PARTE QUATRO - FINAL

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Já anoiteceu. Velho está no estacionamento da lanchonete, que fica em frente à papelaria, no outro lado da rua. Durante o dia, observou Pedro e, após algumas horas, foi embora. No fim da tarde retornou.

Velho confere as horas no relógio de pulso, marca 22h36. Pedro deve sair a qualquer momento. O tempo parece estar mais vagaroso do que nunca.

Passaram-se vinte minutos.

Pedro está diante de uma prateleira, organizando algumas revistas de moda. Já passou do seu horário normal de serviço. Mas Pedro não tem nenhuma intenção de sair agora. Logo pela manhã, notou que estava sendo seguido. O carro que o seguia permaneceu no estacionamento da lanchonete por horas. Ninguém entrou ou saiu do veículo e, após algumas horas, o automóvel se foi, rápido o bastante para Pedro não notar sua partida. Um comportamento que o deixou intrigado.

Às 17h, o misterioso carro retornou. Pedro teve certeza que o indivíduo que estava naquele automóvel esperava por alguém. Pedro se perguntava se ele realmente era esse alguém.

Não podia ser só paranoia, tinha algo acontecendo. E se os rumores que ouvira fossem reais? Não estava disposto a descobrir, não de peito aberto. Levou a mão até o revolver que carregava na cintura, e por um segundo se sentiu seguro.

Os últimos clientes saem da loja, Pedro olha para o relógio na parede, logo acima da sessão de HQs, já são 22h57. Ele fecha o caixa e arruma a bagunça que os últimos clientes deixaram. Pedro está pronto para deixar o local. Ele se dirige até a saída, mas, hesitante, para quando põe a mão na maçaneta da porta de vidro. O que pode acontecer quando ele puser o pé do lado de fora? Uma bala ''perdida''? Um carro ''desgovernado''? Ou um ''assaltante'' o matará após ele, supostamente, reagir a um assalto?

A porta de vidro se abre. Velho abaixa a janela do carro e joga o último cigarro que acabara de fumar, tira a pistola do porta-luvas e a coloca sobre o banco do carona.

A porta se fecha novamente. Ninguém sai. Velho mantém os olhos semicerrados.

Uma porta separa Pedro e o lado de fora. Mas o medo o impede de sair. Não há mais ninguém na rua. Há meia-hora a lanchonete fechou as portas.

Todos os seus sentidos estão aguçados, sua respiração está ofegante, o seu coração bate descompassado e suas pernas parecem ter vida própria. Pedro mantém a cabeça baixa e os olhos fixos no tapete da entrada que tem escrito BEM-VINDO, junto a um desenho esquisito de um lápis usando um chapéu de caubói, que até um dia atrás não passava de uma péssima estratégia de marketing, mas por algum motivo, agora parecia ser algo a se apreciar.

Pedro enfia a mão direita por dentro da jaqueta e usa a esquerda para puxar a maçaneta, ainda com a cabeça baixa. Ele põe os pés para fora e sente o vento bater no seu rosto, instintivamente levanta a cabeça e, logo a sua frente, está o veículo, há poucos metros dele. A única coisa que separa os dois é a calçada. Pedro recua um passo e agarra a arma por baixo da jaqueta. Um barulho de trava corta o silêncio, e a porta do carro se abre. Pedro segura a arma com mais força. Dois braços surgem acima da porta.

- Calma, garoto...

Pedro franze a testa.

Velho, ainda com os braços erguidos, mostra o rosto pela lateral da porta e sorri.

- Te assustei?

- Porra, Velho! - Pedro balança a cabeça.

- Agora você anda armado? Tira a mão dessa coisa ou vai acabar se matando - brinca.

Pedro retira a mão de dentro da jaqueta.

- Estava passando aqui pela região e... - Velho começou a falar.

- Serviço? - Pedro o interrompe.

- Claro! Como sempre.

Os dois se estudam com cautela.

- O que vai fazer agora? Meu turno acabou.

- Bom, estou pensando em tomar umas cervejas e cair na cama com algumas prostitutas. O que acha?

- Bom.

- Caso não tenha entendido, isso foi um convite. Você vem ou não? Não vou chamar outra vez.

Claro... Por que não? - ele responde.

- Vários motivos, garoto. Vários... - Velho murmura e acena com o queixo e se dirige ao seu lugar no carro.

Pedro puxa a maçaneta da porta, mas ela não abre.

Velho para no meio do caminho.

- Não quer abrir.

Velho devolve um olhar cético como resposta.

O rapaz tenta mais uma vez, sem sucesso. Abre os braços, inconformado, sem entender o que há de errado.

Velho volta para ajudá-lo.

- Não tenho sorte, sempre fico com os piores carros. Acho que algum tipo de complô rolando contra mim nessa cidade. - Velho ironizou.

Puxa a maçaneta, e na primeira tentativa a porta abre, seguido de outro som menor vindo detrás dele. Os anos de experiência tinham dado Velho um raciocínio mais ligeiro e sentidos apurados.

- Falta de timing, garoto.

Velho gira o corpo e consegue sair da mira da arma que dispara sem direção certa. Ele agarra o rapaz pelos braços, mas Pedro é tão forte que Velho não consegue contê-lo por muito tempo.

Pedro livra um dos braços e agarra Velho pelo rosto, rasgando sua face com as unhas, mas parece impossível o rosto do Velho ficar mais desfigurado do que já é.

Ele nota que Velho tenta soltar uma das mãos para pegar a pistola na cintura. Velho é mais rápido, mas Pedro tem uma maior força física e claramente ganha num combate corpo a corpo.

Uma joelhada no estômago afasta Pedro para longe, que fica desesperado com a falta de ar.

Velho com agilidade puxa a pistola, e nem vê quando o soco o atinge no rosto e o derruba sobre o banco do carro. Por um instante perde o senso de direção, completamente atordoado. Ele apoia o joelho no banco e tenta se pôr de pé.

Então ouve os disparos que o acertam nas costas, fazendo cair novamente sobre o banco.

Um silêncio sinistro precede a morte.

- Não devia ter voltado aqui - Pedro diz.

Velho continua inerte sobre o banco do carro, protegido pelo colete à prova de balas que usa sob a jaqueta marrom. Quando, por um momento, Pedro desvia o olhar, Velho pega a pistola que sempre deixa sobre o banco e dá um único tiro que o acerta no olho.

Velho se levanta com um pouco de dificuldade, com dores. Mantém os olhos no corpo. Pensa em como escapara por pouco. Quase morto por um garoto estúpido. Tinha razão em deixar essa vida. Talvez devesse optar em fazer algo novo. Jogar dominó, pôquer ou qualquer outra coisa que não envolvesse a morte. Já estava de saco cheio disso. Pela primeira vez na vida se sentia genuinamente velho.

As coisas não saíram exatamente como planejara. Teria todo o trabalho de se livrar dos vestígios de sua presença ali: filmagens, cápsulas e de todo aquele sangue.

Mas ver o sangue de Pedro pintado na calçada o agrada. Sim, valeu a pena.

Sua feição agora é diferente de todas as outras que mostrara. Algo parecido com... um sorriso.

O último dos Batistas de Oliva já não respira mais.

A única pessoa que poderia ligar Velho à execução da família está morta...

O mandante do crime está morto.

O Velho PistoleiroOnde histórias criam vida. Descubra agora