Capítulo 1
O som dos passos das pessoas no corredor, as vozes e os cochichos de todos os cantos pareciam ter aumentado, e isso me dava uma insuportável dor de cabeça. Tentava ficar calma, não demonstrar que seus simples sussurros eram altos demais para meus ouvidos, que ficaram mais sensíveis nesse ano. Esse pequeno problema não era tão grave antes, nem mesmo me dava dor de cabeça, mas esses dias tem parecido que há mil elefantes pisoteando meu crânio cada vez que escuto vozes e mais vozes. Visitara o médico três vezes nesses meses, em todas as consultas o resultado foi o mesmo: está tudo perfeito.
Oh, claro, uma enxaqueca igual as que tenho, são completamente normais, todo mundo tem, está tudo perfeito. Não há com o quê eu me preocupar.
Minha mãe sempre foi muito protetora e preocupada comigo, mas não vejo a mesma preocupação quando peço para ir ao médico, para ver se essas enxaquecas é uma doença. Sentiria raiva, por ela não ligar para minha saudade, se não visse sua apreensão, escondida no profundo oceano que são seus olhos. O mesmo oceano que eu herdara. Na verdade isso é a única coisa que eu herdara dela no quesito aparência. Pois meus cabelos são ruivos, enquanto os seus são castanhos, e eu sou bem mais alta. Minha mãe é baixa, e seu corpo é magro, como se ele tivesse parado de se desenvolver aos dezesseis anos de idade. Mas ela não deixa de ser linda, angelical, e uma verdadeira bailarina.
Minha mãe é dona de uma campainha de dança, e por isso aprendi desde nova a dançar balé e outros estilos. Mas o que gosto mesmo é dança do ventre, desde os onze anos me interessei pela dança, e ao longo desses anos ganhei vários concursos. A dança é minha minha verdadeira paixão, e será minha profissão no futuro. Quando eu herdar a campainha de mamãe, irei fazé-la meu império.
__ Elisa, espera!__ ouço uma voz, feminina e aguda, gritar, e me apoio na primeira pessoa que vejo para não desabar no chão, minha cabeça dói como nunca. A pessoa me segura pela cintura e o cheiro amadeirado preenche minhas narinas. Olho para cima, vendo o garoto que me segura com uma expressão preocupada. Nunca havia o visto por aqui, e apesar da escola ser enorme, eu tenho certeza que o teria percebido, já que sua aparência é bem marcante. Me afasto, com vergonha. Mas ele segura meu braço, o que eu agradeço, pois estou fraca e confusa, o mundo parece girar ao meu redor. As vozes ficam distantes assim como o chão e eu tenho quase certeza de que vou desmaiar. Sinto quando seus braços circulam meu corpo, me impedindo de cair no momento em que apago.
Minha respiração é a primeira coisa que escuto, regular, diferente de como estava quando desmaiei. Meu corpo todo está dolorido, pesado, e me pergunto quanto tempo estive apagada. Por fim, decido abrir meus olhos. E o teto branco é o que vejo sob mim. A enfermaria da escola ou o hospital? Me questiono. Olho ao redor, e o cômodo pequeno me diz que é a primeira opção. Escuto passos, e meus olhos vão em direção à porta, de onde o garoto que me segurou, e a enfermaria mais rabugenta da escola surge. Nunca entendi porque dela trabalhar aqui se odeia tanto esse trabalho. Apenas mais uma incógnita da vida.
__ Você está sentindo alguma coisa?__ pergunta, a enfermeira, roboticamente. Muitas deve ser as vezes que ela pergunta isso ao dia. Nego, a dor de cabeça parou, e desde o momento em que o garoto desconhecido entrou que meu corpo ficou incrivelmente relaxado. Seu cheiro amadeirado se faz presente, me fazendo inspirar fundo. Ele me olha, como se para saber se estou mentindo, então abre um sorriso, tranquilo. A enfermeira diz algo, uma recomendação, e o passe-livre, eu iria pra casa. Apenas assinto. Seu olhar já estava me fazendo ficar constrangida quando ele diz:
__ Eu te levo pra casa.__ o olhei, pensando em um jeito educado de negar, afinal ele é um desconhecido. Nem sei seu nome.__ Ah, e meu nome é Henrique.__ diz, como se lesse meus pensamentos.
__ O meu é Anne.__ digo, ficando de pé. E ele murmura algo que não entendo.
__ Então, aceita a carona?__ ainda não o conhecia e apesar dele não parecer ser mau, nunca se sabe...
__ Ai, meu Deus, Anne.__ diz, Laurie, entrando na enfermaria e me abraçando. Novamente ela me salva, agora terei uma boa desculpa para não aceitar a carona. Laurie é minha amiga desde o fundamental, minha melhor amiga, talvez a única verdadeira. Não sou o script da garota popular, patricinha e vadia, pelo contrário, eu tenho, sim, muitos colegas, boa parte dos estudantes do E.M me conhecem, mas eu não sou patricinha, pelo menos não ajo como uma e também nunca fiz nada além de beijar e mesmo assim não é qualquer um. Já fui à festas, mas nunca bebi ou fiz algo ilegal, e também sempre obedeço minha mãe, afinal ela sempre está certa.__ Quando eles falaram que você tinha desmaiado eu pirei, e aquele puto do professor ainda não queria me deixar sair, acredita? Mas eu saí assim mesmo, vou ter que ir pra detenção amanhã, mas pelo menos sei que está bem.__ disse, me soltando do abraço e finalmente notando Henrique, que olha para nós. A enfermeira nos ignora completamente, vendo algo pela TV. Meus ouvidos não doíam, e os sons não estavam alterados, fiquei aliviada ao perceber isso.__ Me desculpe, não te vi. Sou Laurie, e você é...?__ pude ver ela o analisando de cima a baixo.
__ Henrique.__ disse, num tom frio que me deu medo. Minha amiga sorriu para ele e isso começou a ficar estranho.
__ Tchau, Henrique. Eu e a Anne temos que ir, não é?__ disse, Laurie, e eu vi apreensão nos olhos dele, já estou começando a me acostumar com isso nos olhares das pessoas, só preciso saber porque.
_ Obrigada, Henrique. E não precisa da carona, tchau._ disse, sorrindo para ele, apesar de não querer aceitar sua carona, ele parece um cara legal. Espero o ver de novo, podíamos ser amigos. Aceno pra ele, que retribui e sigo Laurie.
_ Hum, quem é o gatinho?_ pergunta, maliciosa, me fazendo corar.
_ Ninguém, ele só me ajudou quando eu desmaiei e também me ofereceu uma carona pra casa._ digo, dando de ombros. Ela fica séria.
_ Você tem se cuidado, Anne? Sempre vejo você fraca pelos cantos, ou desmaiando, estou preocupada com você, amiga. Me diz o que está acontecendo, quem sabe eu possa te ajudar?_ pergunta, me abraçando pela cintura. Ninguém além de mamãe sabe sobre meus problemas, me sinto estranha ao falar sobre isso com as pessoas, e mesmo que Laurie seja minha melhor amiga, não sei se ela me aceitaria quando eu contasse por tudo que passo. São acontecimentos estranhos, e tenho medo de ser rejeitada ou chamada de louca quando eu dizer que às vezes me sinto observada. E não apenas isso.
__ Talvez eu não esteja me alimentando bem esses dias.__ digo, o que não chega a ser mentira. Ela assente, mas não parece satisfeita com a resposta.
O caminho até o estacionamento é feito em um silêncio incômodo, o que tem ocorrido bastante nesses últimos tempos, não gosto de mentir para Laurie, me sinto péssima, pois ela conta tudo pra mim. No carro, ela ligou o rádio, e o clima se aliviou quando nossa música favorita começou a tocar e nós acompanhamos a cantora. Rimos, cantando, ate chegar na minha casa, onde ela me obrigou a prometer que comeria algo, então ela foi embora.
Mamãe não estava em casa, somente Gemma, nossa empregada, que fez o favor de preparar um lanche bem saudável para mim enquanto eu subia para meu quarto, para tomar um banho.
Minha mãe costumava almoçar em casa antes, junto comigo, mas nesses dias ela tem ficado sobrecarregada no trabalho, e prefere almoçar lá. Minha aula começaria apenas em algumas horas, então aproveitei o momento para dormir.
Meu pai foi embora quando eu ainda era nova demais para lembrar. Mamãe dizia quando eu era pequena, que papai era uma guerreiro. Pensava eu que ele era um soldado e que estava lutando por nosso país, que ele era um herói. Mas tudo desmoronou quando vovó disse que na verdade meu pai era membro de uma gangue, Guerreiros, e havia ido embora com eles. Acho que nunca havia chorado tanto quanto naquele dia.
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Meu Lobo Mau
WerewolfAnne sempre foi uma garota obediente e certinha, sua mãe sempre a mandou ficar longe da floresta e ela a obedecia. Até aquele dia. No seu aniversário de dezesseis anos a amiga consegue convencê-la à ir em uma festa, perto da floresta.