Número 17

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Em um pequeno vilarejo embrenhado meio a uma floresta harmonizada à bruma fria e densa, existia um casarão velho e fantasmagórico que levava a fama de assombrado por toda a vizinhança supersticiosa. O casarão era oculto por trepadeiras ao longo da fachada e das laterais misturadas junto a musgos verdes, que eram a única cor viva da casa.

Por todo o povoado, a casa era mencionada sob sussurros e medo, pois todos os fins de tarde começava dentro dela um barulho incessante de móveis sendo arrastados, coisas caindo e quebrando que duravam a noite toda. Todos já estavam acostumados às noites conturbadas e dormiam com protetores de ouvido para não ouvir os ruídos da casa 17.

Certa tarde, próximo ao pôr do sol, George chegou ao vilarejo exausto e com sede, era um trilheiro eventual que amava visitar novos lugares e conhecer pessoas. Logo que chegou à vila, deixou a bagagem pesada próximo à porta do casarão 17 – sem saber de sua fama – e o fotografou, muito impressionado com sua impotência fantasmagórica. No momento em que abaixou a câmera para ver a foto, começaram os pequenos ruídos habituais e ele ergueu os olhos em direção à janela, intrigado que alguém pudesse morar em um lugar de aspecto tão malcuidado.

Em um pequeno lampejo, George imaginou ter visto um vulto escuro na forma de um corpo se esconder atrás da cortina carcomida, mas então uns garotos na rua o chamaram:

- Ei! O que está fazendo? Não pode tirar foto dessa casa. Ela é mal-assombrada! Vai acabar amaldiçoado!

- O quê? Isso de mal-assombrada não deve ser verdade. – O viajante sorriu da ideia absurda.

Um dos garotos se aproximou rápido e, parando a centímetros de George, sussurrou:

- Você não é daqui, por isso não pode dizer nada sobre o número 17. Fique essa noite na minha casa se não tiver lugar para ficar. Uma noite aqui, e verá que dizemos a verdade.

George, mesmo ainda desconfiado, decidiu aceitar a ajuda do menino e foi para sua casa. Chegando lá quis conversar com a mãe do menino, mas descobriu que ele morava sozinho. Sem escolha, George aceitou ficar em sua casa por um tempo como hóspede e o garoto arrumou um lugar para dormir na humilde casa. Conforme as horas foram passando e a noite se tornando mais escura, os ruídos da casa 17 foram se tornando mais altos e incômodos.

George pensou em perguntar sobre os ruídos, mas quando notou o olhar do garoto para ele, percebeu que eles seriam justificados pela assombração da casa, acabou desistindo. O homem ficou durante dias no pequeno vale e todos os dias, próximo ao pôr do sol, ia ver a casa 17, pois percebeu que todos os dias, nesse mesmo horário, a pessoa que pensou ter visto no primeiro dia aparecia na janela.

Quanto mais ele a via, mais acreditava que estava de alguma forma ligado àquela pessoa misteriosa, mesmo sem nunca tê-la visto ou falado com ela. No décimo sétimo dia de sua estadia, foi vê-la em um início de noite mais abafado que o normal, não a viu e decidiu esperar por mais tempo e se sentou nas escadas da casa.

Depois de horas esperando e pensando no que poderia ter acontecido para que seu misterioso amigo não aparecesse, ele notou que os rotineiros ruídos não começaram – o que também não passou despercebido pelos vizinhos – e se levantou para sair dali, mas parou quando viu que o povo começava a sair de suas casas e observar a porta. George virou o rosto e se surpreendeu. As luzes estavam acesas... Coisa que nunca tinha acontecido antes, desde que os moradores do número 17 haviam desaparecido misteriosamente.

Por uma fração de segundo, George não soube o que fazer de tanta apreensão. O que iria acontecer? Finalmente saberia quem era seu amigo misterioso? Mas não teve tempo de formular qualquer resposta, a porta do casarão estava se abrindo lenta a ruidosamente, ninguém tinha coragem suficiente nem para soltar o ar dos pulmões. A porta finalmente se abriu, e nela estava uma mulher pálida e esquelética que sorria para George fracamente.

O viajante, reconhecendo as curvas de seu corpo, percebeu que essa era sua amiga e correu até ela, tocando seu rosto fino com uma das mãos.

- Eu sou Emily, por favor, meu querido observador, salve-me do meu marido... – Ela lhe pede com lágrimas nos olhos, mas tão fraca que desmaiou logo em seguida.

George a pegou no colo e entrou na casa. Era uma casa mórbida, cheia de móveis espalhados em ordens aleatórias e sujos de poeira e teias de aranha. O som de ratos era constante, mas George continuou andando à procura do marido de Emily. Foi quando entrou em um cômodo que provavelmente era a cozinha que encontrou um homem velho, de olhos vermelhos, cabelos longos e sujos e corpo raquítico tentando empurrar a geladeira amarela e amassada. E então tudo fez sentido.

Esse era o casal Velasques, Carlos era o marido de Emily e depois de um acidente que matou sua filha ele enlouquecera e prendera a mulher em casa, onde, todas as noites, mexia e remexia os móveis chamando pela filha morta. Tentando encontrá-la mesmo depois de 17 anos. Finalmente, George sorriu. Ele podia ajudá-los. Quando não estava em trilhas ele era um dos melhores psiquiatras do país.

Redação Da EscolaOnde histórias criam vida. Descubra agora