Janaína passeava por sua rua com fone nos ouvidos e com o som do celular no último volume. Ela ouvia uma música do Safadão e, pra variar, estava completamente distraída.
– Vai Taradão, vai Taradão – ela cantarolava conforme andava.
Era verão em Pau Miúdo e o clima não podia ser mais agradável. Sob o céu estrelado e com uma lua cheia simplesmente deslumbrante, as pessoas estavam a conversar nas varandas de suas casas.
– BOA NOITE, DONA MARIA DO TERÇO – Jana gritou e acenou quando avistou a vizinha sentada em uma cadeira de balanço. – A SENHORA MELHOROU?
– É Maria do Rosário, Janaína – a velhinha a corrigiu. – "Miorei" nada, minha "fia", acho que a morte já tá vindo me buscar.
– QUE BOM, DONA MARIA DAS REZAS – a negra saiu andando. – EU FICO MUITO FELIZ PELA SENHORA, DONA MARIA DAS ORAÇÕES, ATÉ LOGO!!!
Lady Janaína só se desligou de sua playlist quando suas pernas ficaram enroscadas em um pipa. A neta de Dona Milagres não pensou duas vezes ao recolher o objeto para tentar encontrar o dono, que poderia ter perdido o brinquedo sem querer.
– De quem será esssa porcaria? – a jovem adulta ficou curiosa. – Acho que não vou encontrar o dono disso agora.
Por acaso, neste momento uma forte brisa envolveu o corpo de Janaína e automaticamente o pipa levantou voo, sem que ela precisasse fazer o menor esforço. Quando ela se deu conta, estava a empinar pipa como se fosse um garoto de nove anos de idade.
– Até que isso é divertido – ela falou sozinha. – Muito mais divertido do que jogar bola e levar um chute na canela.
Sem se dar conta que se afastava da cidade, Jana deixou o vento conduzir o pipa e ela só parou de andar quando o objeto ficou enroscado em um poste no alto de uma colina.
– Cabrunco da peste da gota serena do raio da saia furada – ela olhou para todos os lados. – Como é que eu vim parar no Morro da Perua Doce?
Sem prestar a menor atenção nas consequências de seus atos, Lady Janaína puxou a linha do pipa com bastante severidade para tentar tirar o brinquedo do fio de alta tensão. Seus esforços, porém, não surtiram efeito de imediato.
– SAI DAÍ, PESTE BOBÔNICA!
Ela segurou a lata de achocolatado, que estava revestida com fita isolante, e puxou o objeto com toda a força que conseguiu reunir. Graças a isso, Jana foi a responsável pela queda da caixa de energia do poste, que explodiu ao cair no chão.
– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH...
O clarão produzido pelo fogo iluminou a face de Janaína, que devido ao susto ficou com a boca escancarada de forma involuntária. Seus olhos de jabuticaba ficaram muito esbugalhados e seu cabelo muito similar a uma juba de leão.
– Ai minha madrinha Nossa Senhora, acho que tô toda mijada – ela tremia mais do que vara verde e seu coração estava pra lá de acelerado.
Segundo após segundo, as casas e a iluminação pública das cidades de Pau Miúdo, Buraco Apertado, Tripa Seca e Água Molhada ficaram sem eletricidade. Foi um verdadeiro apagão e não foi necessário muito tempo para o caos ser instaurado por todos os lados.
– Que diabos aconteceu? – quis saber um morador de Tripa Seca.
– Tô lascada, meus sorvetes gelados vão derreter tudinho – reclamou uma comerciante do município de Água Molhada.
– Cadê a luz? – uma senhora muito idosa olhou para a lâmpada. – Volta aqui, menina, eu quero ver a novela.
– Onde Janaína se meteu, mulher? – o avô da negra saiu do quarto com certa dificuldade devido a escuridão. – Acende a lamparina, Milagres de Deus.
– Sei onde aquela criatura está não – confessou a dona de casa. – Ela deve ter ido pra casa do namorado.
– Peste bobônica, acabou a luz na cidade todinha – constatou o agricultor. – Espero que minha netinha esteja em segurança, visse?
– Diabo do meu pai – Jana só conseguiu se mexer quando suas pernas pararam de tremer. – É melhor eu sair daqui antes que sobre para mim!
A única fonte de iluminação agora era a lua e foi graças a ela que a amiga de Alice conseguiu enxergar o caminho de volta para casa.
– Cabrunco, parece que acabou a luz – ela analisou. – É agora que eu me lasco toda se alguém descobrir que a culpa é minha!
Conforme ela andava, os moradores de Pau Miúdo olhavam para seu rosto com ar de espanto. Parecia que todos estavam fora de suas casas àquela altura do campeonato.
– Como vai, Seu Zé do Charuto? Acabou a luz de repente, né?
– É Zé do Fumo – ele fez a correção. – Novo penteado, Janaína?
– Pois é, Seu Zé do Tabaco, fiz a escova mais cedo. Até logo, mande lembranças para Dona Maria da Goma, visse?
– Maria da Tapioca, Janaína, Maria da Tapioca!
– Lady Janaína, Seu Zé do Cigarro, Lady Janaína! Quando é que esse povo vai aprender a me chamar de Lady? Oh, céus!
Jana virou à direita e parou de imediato, aparentemente ela estava a pensar em alguma coisa.
– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI, DIABO, COMO EU VOU USAR MINHA CHAPINHA SEM ELETRICIDADE??? – ela gritou. – EU VOU MATAR O RESPONSÁVEL POR ESSE APAGÃO, OH SE VOU!
Se Janaína quase morrera com o susto que levara há pouco, quando ela pisou em um sapo-boi sem perceber seu coração explodiu de vez. Com o peso da dita cuja, o animal berrou e colocou as patas muito geladas por cima do pé esquerdo da moçoila, que berrou como nunca fizera em toda a sua vida.
– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI, SOCOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORRO...
Lady Janaína estava ligeiramente longe de sua humilde casa e em circunstâncias normais, ela demoraria cerca de dez minutos para regressar ao seu lar. Naquela ocasião, no entanto, ela o fez em apenas um minuto e meio.
– Janaína, minha filha, ainda bem que você chegou – falou Dona Milagres. – A gente já estava preocupado, visse?
– AI MINHA NOSSA, ONDE FICA O BANHEIRO? EU TÔ TODA MIJADA!!!
– O que aconteceu com seu cabelo? – perguntou o avô da jovem mulher.
– Meu cabelo? – instantaneamente ela esqueceu do sapo e olhou para o espelho, todavia era melhor que não tivesse feito isso. – AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH, O QUE ACONTECEU COM A ESCOVA QUE FIZ COM DONA RELIGIOSA???
Já em prantos, ela acariciou as madeixas – que estavam piores que palha de aço – e com amargura, revolta e dor no coração, disse:
– CABRUNCO DA PESTE DA GOTA SERENA DO RAIO DA SAIA FURADA, EU VOU DEMORAR DOIS MESES PARA DESEMBARAÇAR ESSA DESGRAÇA!!!
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Lady Janaína
UmorÓrfã de mãe e filha de pai desconhecido, Janaína é criada pela avó e vive com poucos recursos no interior da Bahia. As dificuldades do dia-a-dia não interferem, no entanto, nos sonhos e no bom humor da menina, que torna-se uma mulher de fibra e deve...