II. Leonard
Quando entrei no táxi e dei um endereço de subúrbio para o motorista, ele me olhou sem saber bem se deveria me levar para lá ou não. Um recém saído da cadeia não deveria ir para aquelas bandas. Mesmo assim ele me levou, olhando a todo momento pelo retrovisor. Ao chegar ao endereço, paguei o que devia e olhei para o meu irmão e Alice me esperando, próximos à porta da garagem.
Meu irmão não havia mudado nada, absolutamente nada. Estava igual ao dia que o vi pela última vez, no julgamento que me colocaram injustamente na cadeia por dez anos. Alice também estava igual, linda, alta e elegante, a mesma. Ajeitei a jaqueta de couro no corpo e me aproximei dos dois.
— Carl. — A minha voz estava rouca, eu não havia dito uma palavra em vários dias desde que soubera que sairia da cadeia. Estava ainda digerindo o que havia acontecido.
— Leonard. — Ele não estava feliz em me ver ali, ele não estava nada feliz. Mas a decisão não era minha.
Por mim estaria longe desse lugar, ali não existia nada pra mim, eu não pertencia àquele lugar. Porém, a advogada fora bem enfática, ou eu ficava com Carl ou ficava em uma das casas de ex-detentos, vigiadas e totalmente sem privacidade. A vida no subúrbio teria que me aguentar por um tempo. E eu teria que aguentá-la também.
— Alice. — Ela sorriu fracamente, evitando ao máximo mostrar o seu desconforto. Sempre elegante e educada. Ela e Carl eram o par perfeito realmente. A vida deles era perfeita. Eu destoava de tudo ali.
Quis começar uma conversa, mas avistei uma garota parada na calçada, olhando para nós. Ela usava tênis de corrida e shorts curtos, os cabelos cheio de cachos longos presos em um rabo de cavalo alto. Merda, ela era gostosa. Deveria ser filha de algum vizinho e eu poderia me aproveitar disso se ela tivesse mais de dezoito anos.
Engoli em seco, eu não deveria de modo algum achar uma garota gostosa, mas dez anos dentro da cadeia só com a minha mão como companhia, uma hora cobraria o seu preço. Ela tinha olhos grandes e brilhantes, analisava a mim, ao meu irmão e à sua esposa. As coxas eram grossas, a cintura fina e os seios naquela medida entre o médio e o grande, que com certeza eu conseguiria encaixá-los em minhas mãos.
E então a surpresa, Carl chamou a garota e Alice puxou-a para o seu lado. Eu não estava entendendo porra nenhuma. Ela me olhou de cima a baixo, e então eu vi que seus olhos eram de cores diferentes, um bem mais claro que o outro, e eram olhos atentos. Atentos demais. Ela de perto era melhor ainda...
— Misha, esse é Leonard, o irmão de Carl. — A voz de Alice era calma, mas uma calma muito forçada, ela parecia estar com medo de mim perto daquela garota.
Tirei os óculos para vê-la melhor, algo nessa garota estava destoando de tudo que eu via naquele subúrbio. Vi Misha esticar a mão em minha direção e fitei-a atentamente. Nem mesmo o meu irmão havia me dado a mão quando cheguei, eu estava desacostumado com pessoas me tocando.
— Deve saber que Misha é nossa filha, e vai tratá-la bem, Leonard. — Meu irmão se irritou e eu a olhei por um momento.
Deus, filha deles? De onde eles a tiraram? Eu não sabia que Carl tinha tido uma filha, e a minha mente já começava a tentar entender o que havia acontecido para que eu reagisse a ela desse modo. Eu precisava sair logo dali e arranjar uma mulher, dez anos é tempo demais se eu estava reagindo à minha sobrinha desse jeito.
Carl me puxou para o lado, ficamos de costas para Alice e Misha.
— Adotamos Misha há onze anos, ela não sabia sobre você até ontem. — Fitei o meu irmão intensamente agora, eu havia sido excluído completamente da família ao que parecia. Mais uma vez estava pagando por erros que não eram meus. Não totalmente. — Nossa mãe está ciente de que você está aqui, acredito que outros também estão. — Carl parou de falar, pensando. O meu irmão não media as palavras, o que me indicava que ele diria algo que eu não gostaria. — Não quero você perto de Misha, Leonard. — Ele me olhou nos olhos. Aqueles azuis sempre severos quando me fitavam, desde quando eu era pequeno. — Ela é uma boa garota, ela não sabia sobre você e não vai saber mais do que já sabe agora. — Ele colocou as mãos nos bolsos da calça e eu olhei para Alice e Misha, ela ainda me olhava. — Alice não vê motivos para não lhe darmos uma segunda chance, eu tenho ressalvas e você sabe muito bem. — Assenti.
Eu nunca ganharia a confiança do meu irmão novamente, e na verdade, eu não a queria. Aquilo era um passado muito distante para tentar resgatar agora.
— A casa da piscina é pequena, mas tem tudo que possa precisar. — Assenti, ainda olhando para a garota. Os olhos dela falavam bastante. Dentro da cadeia você aprende a ler as pessoas, ali você precisa aprender a ler as pessoas pelos gestos, pelos olhos e pela falta de emoção. Era questão de vida ou morte. Mas aquela garota dizia coisas demais com aqueles olhos díspares, só não sabia se ela tinha noção disso.
— Espero que não tenha problemas, Leonard. — Olhei o meu irmão enquanto arrumava a única mochila nas costas.
— Não vai ter, Carl. — Eu queria sair daquele lugar o mais rápido possível, eu nunca me encaixaria ali. Aquela não era a minha vida, aquela não era a minha casa. Olhei pela última vez para Alice e Misha, balancei a cabeça. Aquela não era a minha família.
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Olhos Negros - Degustação
RomanceDISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZON - https://amzn.to/2Z7Tmui "Aquele relacionamento nos sugaria até a última gota de sangue." É o pensamento de Leonard - recém saído da cadeia - após conhecer Misha, uma sobrinha adotada que até então não sabia existir. U...