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- Será que é isso? Eles querem que a gente decifre a charada para conseguir os adultos de volta? – Analu perguntou.

- Temos que tentar. – Maria concordou.

E então as tentativas se iniciaram.

- O relógio que vive correndo?

- E porque o relógio iria querer voltar no tempo?

- Calendário? Um milionário? Carro? Um cavalo de corrida?

Então Maria olhou Doralice usando as coisas da mãe, maquiada como se fosse uma mulher mais velha. Observou Carlos mexendo no celular, coisa que seus pais tinham proibido de fazer o tempo inteiro, Theodore jogando um game no Ipad da sua mãe. Analu, comendo doces, mesmo tendo alergia, e ficando cheia de bolinhas vermelhas pelo corpo. Todos fazendo coisas que não podiam fazer. Coisas que os adultos proibiram, porque não consideravam ser corretas.

E então ela soube.

- A criança. – Disse, um entusiasmo crescendo dentro do peito - Quem é que pode tudo, mas também não pode nada? Nós não temos nenhuma responsabilidade, nós não ligamos muito para o que vai acontecer. Nós podemos tudo! Mas nossos pais impõem limites, regras, então não podemos nada! A resposta é a criança!

Um coro de "Ohhhh!" ressoou pelo clubinho. As crianças comemoraram por um momento, ergueram os braços e gritaram vivas, mas logo se concentraram na segunda charada. Mas não foi difícil descobrir aquela depois de terem desvendado a primeira.

Sempre querendo voltar no tempo. A vida corrida. Cheia de responsabilidades, coisas para fazer, sermões para dar, lições para repassar. Sempre enaltecendo a beleza de ser criança, "aproveite, meu filho, a infância é a época mais mágica da vida de uma pessoa", "Ah como tenho saudades do meu tempo de menina!", "Na minha época, as crianças brincavam de bola na rua!".

- O adulto. – Carlos falou, sorrindo - Quem é que vive correndo, mas quer sempre voltar no tempo? Meu pai vive falando que queria voltar a ser criança. A resposta para a segunda charada é: O adulto!

No momento em que as crianças começaram a comemorar mais aquela descoberta, algo mágico aconteceu.

A luz forte invadiu o clubinho, cegando a todas as crianças por um segundo, fazendo algumas gritarem assustadas, mas não demorou muito para que todas elas perdessem a fala. Quando a luz diminuiu, surgiram diante das crianças os dois feiticeiros que haviam levado os adultos embora. Um homem e uma mulher, eles brilhavam como os bilhetes, e sorriam como se tivessem estrelas no lugar dos dentes.

Antes que qualquer criança pudesse dizer alguma coisa, uma voz clara e fluida começou a falar:

- O poema brilhante foi desvendado, e o que foi levado será devolvido. É preciso ser criança sempre, mas principalmente hoje. A criança se tornará adulto um dia. O tempo não volta, não tente adianta-lo também. Cada coisa há seu tempo. A cada tempo, uma coisa. Ser criança é importante. Principalmente quando se é uma criança.

Os rostos brilhantes sorriram, e uma luz forte saiu das suas mãos, tomando conta do clubinho outra vez. E os feiticeiros sumiram.

Por um momento, as crianças permaneceram abismadas. Tão surpresas com o que tinha acabado de acontecer que não conseguiam dizer uma só palavra. Lentamente, a noite virava dia lá fora.

- Só eu que não entendi nada? – Doralice Jordan perguntou.

E então Maria despertou de seus pensamentos.

- Mas não é óbvio, Doralice? Nós vivemos reclamando que queremos crescer logo. Brigamos com nossos pais porque eles nos dão limites, nos dizem o que é certo e o que é errado. Brigamos com eles porque achamos que já somos maduros o suficiente. Mas veja o que aconteceu hoje quando ficamos sem eles! – Maria falou – Ficamos perdidos, sem saber o que fazer! E isso aconteceu porque nós ainda não somos adultos, ainda não somos maduros o suficiente.

- Nó-nós somos crianças. – Theodore disse.

- Isso, E não estamos agindo como tal ultimamente. – Maria continuou – Queremos parecer como adultos, usando as coisas deles, tentando imita-los. E nós temos vergonha de brincar, temos vergonha dos nossos brinquedos favoritos. Usamos nossos celulares para parecermos mais legais, mais velhos. E tudo isso por quê? Não gostamos quando nos chamam de "criancinha", mas nós somos crianças. E vamos crescer um dia, e nesse dia, vamos ter nossas responsabilidades, deveres, e talvez até nos arrependamos de não termos aproveitado como deveríamos a nossa infância.

- E vamos querer voltar no tempo. – Carlos completou.

E todos finalmente compreenderam a lição dos feiticeiros brilhantes. Mas antes que pudessem falar mais alguma coisa, uma voz soou do lado de fora do clubinho. Uma voz de um adulto.

De repente Doralice Jordan deu um pulo e correu porta a fora. Sua mãe a esperava no jardim sem entender muito o quê estava acontecendo. As duas se abraçaram no momento em que todas as crianças saíram correndo do clubinho e foram em direção a suas casas.

Todos os adultos tinham voltado. Para eles o dia não tinha sequer mudado, simplesmente acordaram como se nada tivesse acontecido. Os adultos não perceberam nada de diferente, era como se eles tivessem sido recolocados exatamente no mesmo momento em que foram retirados. E nem imaginavam o dia maluco que as crianças tiveram sozinhas.

Mas para as crianças tudo tinha mudado. Depois de abraçarem seus pais e agradecerem aos céus por tê-los de volta, os pequenos decidiram acatar a lição aprendida imediatamente.

Carlos, Maria, Theodore, Analu, Doralice, Pedro e todas as outras crianças foram brincar. Jogaram bola no campinho, pularam corda, brincaram de boneca, carrinho, pega-pega, caçador, esconde-esconde, estatua, morto-vivo, amarelinha, pião, bolinha de gude, bobinho, soltaram pipa e muito, muito mais.

Quando chegaram em casa no fim daquela tarde, as crianças estavam exaustas, sujas, algumas até machucadas, com ralado no joelho ou na canela, mas todas elas estavam contentes. Não havia mais dúvidas sobre o que era ser criança, e nem vergonha por agir como tal. Elas descobriram que estavam vivendo uma época mágica e que jamais voltaria, e, por isso, decidiram aproveita-la ao máximo.

Os feiticeiros até poderiam ter ido embora, levado a luz brilhante e os bilhetes cintilantes. Poderiam até ter sido parte de um sonho louco, um faz de conta que nunca existiu.

Mas a magia da infância jamais desapareceria outra vez.

O Mistério do Poema BrilhanteOnde histórias criam vida. Descubra agora