Agora eu quero ir

362 49 168
                                    


Ir (v.i.)
Sair; deixar algum local: Ela já foi? Não se vá!

Todos os acontecimentos desde o dia em que tudo estava errado pareceu passar em um estalar de dedos, por mais que tivesse passado semanas. Semanas para eu descobrir que o mundo é "bão", Sebastião, que o Brasil não se resume só ao meu estado e que eu não era a única pessoa do planeta. Uma metáfora para eu entender por fim tudo o que Chico tinha falado.

Ok, eu sou a corujinha de gesso que está em cima da mesa. Observo Suzana se expressar com um audível "quê?", sua tia ri da sua surpresa e explica que já chegou a comentar sobre a ideia com os pais dela, Suzana os encara sem entender nada e aguarda que sua tia dê mais detalhes.

O plano é ir para a Alemanha depois da formatura, passar 6 meses aprendendo o idioma e quem sabe trabalhando em alguma empresa na área, fora isso eu... Quer dizer, Suzana poderia realizar o sonho de viajar pela Europa. 6 meses. E então ela poderia voltar para o Brasil com um ótimo currículo e conseguir o emprego que quisesse.

Era como um sonho. Se uma coruja de gesso sonhasse, seria meu sonho também.

Ok, eu sou péssima nisso.

Surtar era tudo o que eu sabia fazer.

─ Eu preciso pensar ─ falei para minha tia.

─ Claro, converse com seus pais e assim que decidirem entre em contato. Acho que pela primeira vez eu tô animada no quesito ser uma madrinha boa.

─ Você é uma ótima madrinha, tia, nem precisava fazer isso por mim.

─ Mas eu quero ─ ela sorriu e eu juro que tentei sorrir também.

Sempre achei que eu abraçaria qualquer oportunidade de me mudar para longe, nem que seja por pouco tempo, já que o Rio de Janeiro é a minha casa. Estava me preparando para morar sozinha depois da formatura, quem sabe fazer um intercâmbio, mas nada que fosse tão real quanto a proposta de ir para a Alemanha. Um país frio, com uma língua um tanto difícil e pessoas incrivelmente bonitas.

Era inacreditável.


Depois de toda aquela agitação, decidi que sentar um pouco na calçada da minha rua seria interessante para que eu pudesse ao menos colocar ordem nos meus pensamentos. Era muita coisa para um dia só... Terminar um namoro, receber um convite para viajar para a Europa. Eu queria, mas era assustador pensar em sair da asa dos meus pais depois de 2 décadas embaixo dela. Fazia tudo dentro do que me era imposto, tinha uma falsa ideia de independência e definitivamente não me sentia pronta. Então, quando eu estaria pronta? Deveria parar de sentir medo e abraçar o meu presente, dar boas vindas ao meu futuro, porém, enquanto eu ainda tivesse um bimestre na faculdade, me permitiria sentir medo.

De repente eu não estava mais sozinha. Felipe se sentou ao meu lado, acendeu um cigarro e o cheiro de erva tomou conta do ambiente. Não liguei, era reconfortante ter pelo menos a companhia e o silêncio de alguém.

Droga, como eu estava profunda.

─ Aconteceu alguma coisa, Su? ─ perguntou.

─ Alguma coisa morreu ─ respondi, olhando para o possível feno que passaria em nossa frente, considerando o quão deserto estava a rua em um domingo a noite.

─ Quem? Teve tiroteio no morro de novo?

Eu ri, não sabia porquê estava rindo, era nossa triste realidade e a gente só podia... Rir?

─ Na verdade foi o meu relacionamento.

Eu chorei. Proferir aquelas palavras tornou aquilo real e doía, mesmo que não houvesse nada a ser feito.

Ainda é cedoOnde histórias criam vida. Descubra agora