Um Natal Bem Clichê

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Natal de 2012

Marina Duarte

Certas coisas da nossa vida permanecem as mesmas.

Veja, por exemplo, a época natalina aqui no Brasil. Todos os shoppings estão lotados, há engarrafamentos em todos os centros comerciais, nossos e-mails e redes sociais se enchem de desejos vazios de boas festas e a Globo transmite o especial do Roberto Carlos. Essas coisas não mudam.

Outras, porém, vivem em constante transição. Seja a cor do cabelo da Demi Lovato, a peruca da Nicki Minaj, o clima ou o humor da minha vizinha do andar de cima. Essas coisas mudam o tempo inteiro.

Existem também algumas situações que te impulsionam a mudar. Por exemplo, quando seu namorado ignora suas mensagens por uma semana inteira e liga para você, na manhã do dia 23 de dezembro, para dizer que não está dando certo, você se sente impulsionada a mudar. Principalmente se você tinha planos de passar as festas com família dele, visto que ele era a única família que você tinha.

Nessa contramão da vida de tentar equilibrar um emprego e um trabalho social, juntar dinheiro para o casamento e o mestrado e pagar as contas no fim do mês, pouco tempo me restava para fazer amigos. Ligar para um dos números escassos na minha lista telefônica tampouco seria proveitoso. Ninguém aceitaria uma mera conhecida na sua ceia de Natal a essa altura do campeonato.

Eu poderia tentar fazer uma ceia para mim mesma, mas 1) eu teria que ir ao supermercado comprar coisas como peru e 2) era triste demais cozinhar unicamente para mim. Como se não bastasse tudo isso, a programação da TV se resumia a "Meu Papai é Noel" e daí para baixo.

Fui até minha geladeira para ver que mágica eu poderia fazer.

Havia peito de frango, bife e uma pizza, tudo congelado. Arroz, feijão. Ingredientes para uma torta que eu prepararia para levar à casa do dito ex-namorado. Resolvi que prepararia um jantar e a torta. Eu me empanturraria com ela assim que o relógio marcasse meia noite. A única coisa que saí para comprar foi pão de rabanada, afinal, a gente passa o ano inteiro esperando para comer essa delícia. O Natal não seria o mesmo sem elas.

Não aguentei esperar até meia noite para comer. Às 20h, devorei um pedaço da torta. Tia Norma me chamou no Skype e eu passei uns 15 minutos conversando com ela, enquanto devorava rabanadas.

Minha tia é a única parente viva que tenho. Pelo menos que eu conheça. Ela mora nos Estados Unidos e trabalha em uma casa de uns ricaços dos Hamptons. Tudo o que eu conheço sobre o local se resume ao que eu vi em Revenge, mas acho que os patrões da tia Norma não são como os Grayson. Ela disse que gosta deles.

De qualquer jeito, tia Norma contou como seria o Natal dela, que os empregados se reuniriam na casa de um deles para fazer uma ceia. Quando ela perguntou sobre o meu, eu não quis dizer que tinha sido chutada na véspera da véspera do Natal. Disse apenas que estava me esgueirando (junto com uma travessa de rabanada) para conversar com ela. Minha tia disse que não me atrapalharia muito e que iria desligar logo.

Quando terminamos a ligação, eu estava com fome o suficiente para jantar. Liguei a televisão e comi. Logo que terminei, esparramei-me no sofá para esperar a meia noite e me empanturrar de torta.

Dormi antes que o relógio marcasse o novo dia. Quando acordei, na manhã seguinte, sentindo-me completamente sozinha no mundo, tomei uma decisão.

Esse era o último Natal que eu passaria na solidão. Essa era a última festa que eu passaria comigo mesma de companhia.

E foi com um belo nascer do sol que eu decidi que a única forma de fazer isso seria me mudar para perto da minha única família de verdade, a tia Norma, nos Estados Unidos.

Killian Manning

- Presente! – Alison gritou com toda a força dos pulmões de uma criança de pouco mais de dois anos de idade. – Quero presente! – Em seguida, ouvi os passos de bebê descendo as escadas.

- Ganhei! – Foi a vez de Dorian gritar.

Pela milésima vez, ele estava me dando uma surra no Jogo da Memória. Ele tinha aberto o presente há meia hora, quando acordou, mas começamos a jogar imediatamente e ele me venceu em todas as partidas. O nível de inteligência da criança aos cinco anos de idade me assusta.

- Você é muito bom, garoto. Eu não tenho chance nenhuma contra você.

- Presente! Presente! – Alison correu até mim e sentou na minha perna, sem nem mesmo eu dizer alguma coisa. – Papai, meu presente! – Ela pediu.

Antes mesmo que eu pegasse, Mitchie veio do corredor e foi até a árvore. Ela se sentou próxima a nós e entregou o presente da nossa pequena. Imediatamente, Alison correu para o colo da mãe e começou a desembrulhar. Minha esposa já era a pessoa favorita da minha filha; tendo seu presente de Natal em mãos, era mais ainda. Pelo menos Dorian era doido por mim.

- Pai, eu posso perguntar uma coisa? – O garoto parecia bem sério e tinha deixado o jogo de lado. Prestando total atenção a ele, eu assenti. – Hoje é dia do aniversário de Jesus, certo?

Eu concordei, já tendo medo de como eu faria para responder à cilada que viria. Dorian estava em uma fase em que as perguntas se multiplicavam. Eu e Mitchie estávamos suando para responder algumas.

- Sim, filho. Hoje é aniversário de Jesus.

- Mas se Jesus é Deus, como é que Ele nasceu da mamãe dEle? Deus não é tipo uma pessoa grande, grande? – Ele pronunciou "grande" estendendo o 'a' para enfatizar o tamanho. – Ele coube dentro da barriga da mamãe dele?

Explicamos para ele, há umas duas semanas, que os bebês passavam nove meses na barriga das suas mães. Ontem, dissemos que a mãe de Jesus era Maria e eu vi que ele ficou com algumas dúvidas na cabeça. Ele já tinha ouvido algumas canções religiosas que diziam que Deus era grande, imenso. Obviamente isso mexeu com a mente do meu filho.

- Filho... – Eu comecei, sem saber muito bem como explicar. Mitchie é bem mais religiosa que eu e, geralmente, é ela quem tem essa conversa com eles. Felizmente, ela me interrompeu e me salvou da árdua missão.

- Dori, boa parte do que envolve a vida de Jesus é um grande mistério, porque Ele é Deus. As coisas de Deus são assim mesmo. Então Jesus era sim Deus, mas ele também era homem. E por ser homem, nasceu pequenininho, assim como você e sua irmã.

- Pequenininho igual a Ally?

Mitchie concordou. Eu estava aliviado que a pergunta difícil tinha sido respondida, aparentemente.

- Não sou mais pequena. Sou grande. Grandona. – Minha filha se manifestou, mostrando que estava atenta à conversa também.

- Mas dava para segurar Jesus no colo igual a gente segurava a Ally?

Mitchie concordou novamente, muito séria. Eu estava segurando um sorriso, porque só meus filhos para fazerem esse tipo de pergunta.

- Então a mamãe de Jesus ficou com um barrigão igual você ficou, mamãe?

- Você quer que a mamãe conte a história do nascimento de Jesus?

Os olhos do menino brilharam. Ele assentiu freneticamente. Eu apenas me recostei e ouvi enquanto minha esposa contava mais uma história para as crianças. Aos 29, eu tinha tudo que queria da vida. A empresa ia bem, eu tinha uma família maravilhosa e não poderia estar mais feliz. O que mais eu poderia pedir nesse Natal?

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