Beach-Break

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- O teu olho devia ficar assim para sempre - comento com desdém.

Do outro lado do alpendre o meu irmão segura cautelosamente um pedaço de gelo, coberto com um pano de cozinha, contra o olho roxo, sériamente inchado.

- O teu fucinho também - replica ele, sem olhar para mim - O assunto não te diz respeito.

- A partir do momento em que tenho de ir buscar o meu irmão mais novo à cidade para o trazer neste estado então sim. O assunto diz-me respeito, ó irresponsável.

- Bem, cheguei num mau momento?

Surpreendidos olhámos ambos para trás. Apolo olháva-nos com o maior sorriso no rosto.

- O que é que aconteceu com a tua cara, campeão? - o sorriso desapareceu subitamente, substituido por uma expressão cautelosa.

- Outro! Não aconteceu nada, vamos para com a preocupação - praticamente grita, enquanto dá meia volta e regressa para casa.

Levanto a sobrancelha, enquanto me chego para o lado no degrau para Apolo se poder sentar ao meu lado.

-  Que bicho lhe mordeu?

Apolo parece quase triste e durante uns instantes esqueço-me do meu irmão e simplesmente fixo os olhos nele. Traz as suas famosas calças de ganga, conhecidas por terem mais rasgões que tecido, uma camisola que abrigaria uns dois dele à vontade e para culminar o outfit, saído da semana da moda da loja do euro, umas pantufas pretas, que eu tinha quase a certeza ter visto na boca do seu cão na semana passada. Mesmo com tal gosto continuava a ser um dos rapazes mais atrentes da zona, apesar de nem ele próprio ver isso. Os seus olhos azuis eram escuros, quase violeta, o cabelo loiro apesar de sempre despenteado era suave e liso e tinha o sorriso mais bonito do mundo.

Mas pelo menos era o que me parecia. A minha mãe achava-o bonito sim, mas da mesma forma que uma rapariga é bonita. Nessas alturas o meu irmão acenava solenemente com a cabeça e exclamava um "Se fosse gaja comia-a" (não que ele deixasse a minha mãe ouvir, se não queria sofrer uma morte dolorosa). Não sou  boa pessoa para terem uma opinião imparcial, visto que gosto dele desde o dia em que nos conhecemos, faz este inverno dois anos.

Queria contar-vos a história mas, agora, é algo insignificante para o que está prestes a acontecer.

- Esquece-o. O que vieste aqui fazer? - pergunto, enterrando as mãos fundo nos bolsos. O tempo está estranho, desconfortável.

- Queres ir passear esta noite? - os seus olhos não se encontram com os meus.

- Tem de ser hoje? Tenho um teste segunda feira e além disso olha para o céu - digo, levantando eu própria os olhos para ele - Vem aí tempestade.

Apolo continua sem olhar para mim.

- Sim, é importante, acredita.

De alguma forma confio nele. Talvez porque seja por causa do seu maxiliar cerrado, por causa dos seus olhos inquietos ou porque é sexta feira e ele já está de pantufas.

Suspiro.

- Aonde nos encontramos?

- Perto do farol - ele levanta-se, e durante uns segundos o sorriso arrebatador voltou - Nove e meia. Não te atrases!

Não espera por uma resposta e vai embora. Ouço-o a dizer alguma coisa para alguém dentro de casa, provávelmente o meu irmão, e depois o baque seco da porta a ser fechada.

Enquanto espero pelo passar das horas não me iludo. Não estou à espera de uma declaração de amor apaixonada nem de um momento romântico. Pelo contrário, quando volto para dentro, aqueço o jantar e leio uma revista desinteressadamente a minha mente não para de me gritar que algo está errado.

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⏰ Última atualização: Nov 03, 2016 ⏰

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