Gardênia
- E se um dia você não puder mais me beijar?
- Eu faço isso pelo o que sinto por você, logo eu encontraria outros tipos de beijos.
- Então é como se fosse presentes?
- Estou em um barco, em um lago, em um encontro com tudo para soar cafona e mesmo assim estou feliz e não trocaria por outra coisa. Isso é um beijo.
- Poderia simplesmente dizer que gosta de mim, você conseguiu deixar nosso encontro ainda mais cafona.
Durante o inverno a paisagem aos pés do Fuji torna-se branca e serena. A neve como manto, o gelo fino que forma-se nas árvores – e estas, totalmente nuas, não se encontram tímidas, mas gracejam com o vento fugaz – o aroma de um frio acolhedor, sensual, venenoso. Romântico aos olhos, talvez um pouco solitário, um cenário de poesia contada pelo próprio vulcão, adormecido em um sono amedrontador. O céu de inverno, sem dúvida, é muito mais belo, limpo, tão profundo que poderia perder a alma nele, como um corpo ao cair no oceano, amparado pelo doce azul, uma canção não cantada, frágil, encantadora. A imagem imponente da montanha é refletida no lago, ainda não todo congelado, juntamente com todo o cenário, como um quadro deixado para encantar a qualquer um que passar por ali.
O sol ainda despertava, acanhado, como se não desejasse interromper a harmonia, que quase era vulgar. Diferente de outros dias, muito provável por conta da extrema baixa temperatura naquela semana, não se via marcas de passos na alva neve, não havia sinais de fumaça de escapamentos, sequer o som baixo de exclamações perante tão elevada beleza. Como se reservado tivesse sido, uma única pessoa imaculou o chão, um tapete almofadado. Os passos pesados soavam como um desrespeito, a falta de brilhos nos olhos era ofensiva, mas poderia gerar compaixão se, por alguns minutos, lhe desse atenção.
O jovem, assim diria quem o visse de longe, parecia não saber exatamente para onde se direcionar, os caminhos entre as montanhas parecia difícil, contornar o lago também não lhe parecia agradável, talvez um movimento à toa, limitou-se a ir até o fim do pequeno cais, sem tomar o devido cuidado para não escorregar – de fato, parecia que se o fizesse seria como uma dádiva. Ergueu os olhos, vermelhos como vinho, sem vida, porém. Na verdade, pareceu utilizar-se de seu último impulso para fazê-lo. Seus lábios, um tanto roxos pelo frio, moveram-se ligeiramente, um movimento automático por algo que lhe passava na mente.
Ajoelhou-se, ou caíra, ambas as opções seriam válidas.
O cabelo negro preso com uma fita cinza, quase solta, ia até o ombro. Sua cabeça, porém, era a única parte exposta ao vento, o sobretudo pesado, tão escuro quanto o restante de sua vestimenta, bem como suas luvas, impedia qualquer possibilidade de passar frio.
Mas ele parecia congelado, parado em sua própria temporalidade.
A mão direita apertou o buquê de gardênias brancas da última primavera, já secas e quebradiças, o plástico que as envolvia impedia de perderem-se. Um único lírio lilás via-se entre as flores que um dia foram tão brancas quanto a neve ao redor, porém ele também estava sem cor.
Os olhos se fecharam, fugindo da realidade, trancando-se em lembranças, em saudade.
- Ieyasu! - sentiu uma coroa de flores em sua cabeça, tão clichê e estúpido que qualquer um acharia impossível suportar o ridículo da cena. Contudo, ele venerava aquela voz, e tudo o que dizia respeito àquela moça.
Ela era seu mundo, sua rainha. Ele seria para ela o que quer que desejasse.
- Esta primavera trouxe flores lindas, não acha?Eu amo as gardênias de seu jardim, elas estão branquinhas e ficam ainda mais lindas com o verde das folhas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Gardênia e outros rascunhos
Roman d'amourUma breve história de um casal de um universo à parte, com a possibilidade de tornar-se uma coletânea de histórias que cria-se no dia a dia. "- Eu estou com você, mesmo quando acha que não estou. - O que quer dizer com isso? - Que eu sempre estarei...