Capítulo 7

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*FlashBack*

Na manhã seguinte, abro os olhos e vejo uma figura na sombra junto a minha cama. Lola.

-Bom dia! - gritou Lola com um sorriso gigante estampado na cara.

-Bom dia? - nunca acordo com boa disposição, sempre me apetece voltar a dormir e nunca mais acordar - Que horas são?

-São 7 da manhã! Se prepara, daqui a meia hora temos que estar lá em baixo para tomar café da manhã.

Ainda fiquei na cama durante 5 minutos até que finalmente ganhei coragem e fui tomar duche.

Tudo o que eu queria naquele momento era voltar para casa. Ainda nem tinha feito 24 horas em que tinha chegado naquela prisão e eu já estava farta daquele lugar. O jantar de ontem tinha sido horrível. Tivemos que comer sopa, depois peixe com batata frita e no fim ainda tínhamos que comer uma fatia de bolo de chocolate. Me senti como um pequeno porco rosa que é forçado a comer o ano todo só para no fim o matarem para que as pessoas possam saciar a sua vontade de comer carne gordurosa. Para piorar a situação tinha duas enfermeiras me vigiando para ver se eu comia tudo e não escondia nada nos bolsos do casaco ou se não cuspia para o guardanapo. Só tínhamos 25 minutos para comer e se ficássemos enrolando nos colocavam de castigo. Nenhuma garota falou comigo durante a refeição toda e havia uma em particular que me olhava de uma forma esquisita, quase como se tivesse raiva de mim. Mais tarde perguntei para Lola se ela conhecia a tal garota. Lola falou que essa menina era Mirela Allen e que ela não gostava de ninguém que fosse mais magro que ela.

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Mantive a cabeça baixa durante o café da manhã. No resto da casa, podia ser corajosa porque tinha Lola do meu lado e ela me achava simpática, mas aqui, espremida entre pessoas cujo ódio contra mim era quase palpável, não passava de uma covarde. Levantei os olhos do prato uma vez e vi Mirela girando o garfo ameaçadoramente. E Lola estava na cozinha azul e não podia me salvar. Só queria fugir para o meu quarto.

Não percebia porque razão aquilo era tão importante. Sim, eu era mais magra, e depois? Estava naquela casa pelos mesmos motivos que ela: para engordar. No fim de contas, não sabia se me devia sentir honrada ou incomodada.

Concentrei minhas energias na comida. A última vez que tinha comido panquecas fora já há alguns meses atrás e eram bem melhores que estes pedaços de massa gordurosos e cheios de caramelo derretido por cima.

Ninguém tinha autorização para se levantar da mesa até todas terem terminado e, depois disso, recebemos ordens estritas para irmos diretamente para as aulas.

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Só havia uma "sala de aula" em toda a casa, o que significava que tínhamos aulas todas juntas. O espaço era grande e tinha muitas mesas bem limpas e arrumadas em fileiras. Havia dois quadros, um em cada ponta da sala, e das janelas dava para ver o pátio de entrada. Também tínhamos duas professoras que nos ensinavam individualmente pois nem todas estávamos no mesmo ano.

Me sentei ao pé de Lola (lógico) e atrás de mim estava Mirela, que não se calou um só segundo durante a manhã toda.

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O resto do dia foi bem tranquilo. Passei a tarde toda sozinha na biblioteca com a cabeça enfiada nos livros velhos e empoeirados. E à noite fui para a sala de convívio e reparei que Lola conversava tranquilamente com as garotas perto dela. Como é que ela fazia aquilo? Como é que conseguia que as pessoas ainda falassem com ela? As meninas deste lugar pareciam todas falsas. Não é nada explícito mas eu consigo sentir uma certa competição entre elas.

-Ei, Evelyn! - Lola me chama do outro lado da sala, sentada no grande sofá verde - Venha para aqui.

Assenti com a cabeça e me dirigi até elas.

-Oi. - foi tudo o que consegui dizer.

-Senta aqui. - uma das garotas se desvia um pouco para eu me sentar - Meninas, esta é Evelyn. Ela é minha nova companheira de quarto.

-Prazer, eu sou a Jen - disse a garota que se desviou, uma loira de olhos castanhos.

-Oi, eu sou Aria - sua voz quase não se ouvia de tão baixo que falava, dava para perceber que era tímida mas era muito bonita.

-E eu sou a Nuria - disse a garota sentada na ponta, uma alta de cabelos pretos e longos.

-Olá a todas. - acenei - Prazer.

Elas retomaram a conversa que estavam tendo antes da minha chegada e eu fiquei apenas observando e escutando atentamente cada palavra. Falavam sobre roupa, fofocas e outros assuntos banais. Até que começam a falar sobre garotos.

-Nossa, o meu vizinho do lado é lindo! - Jen falava empolgada - Ele é super atraente e também é muito simpático.

-Pois eu só tenho olhos para o meu namorado. - sussurrou Aria.

-E você Evelyn? - perguntou Nuria.

-Hã? - me tinham apanhado desprevenida - Eu o quê?

-Você tem namorado?

Não. Eu não tenho namorado. Não mais. Porque eu sou uma garota estúpida que deixa um rasto de destruição por onde passa. Eu tinha alguém que se preocupava comigo, que realmente se interessava por mim. Mas claro que eu tinha que destruir a única coisa boa na minha vida.

-Não. - respondi secamente.

-E não tem nenhum garoto em mente? Tipo... um crush? - Lola estava curiosa e não conseguia esconder.

-Não.

-Sério? Você não está interessada em ninguém? - insistiu Nuria.

-Já disse que não! - gritei. Todo o mundo na sala parou o que estava fazendo e começou me encarando.

-Relaxa Evelyn. Estamos só conversando. - Aria tentou me acalmar.

-Pois eu não quero conversar mais! - me levantei bruscamente e fui embora.

Dói demais pensar em Luke. Nós tínhamos tudo de bom, mas estraguei tudo. Eu não parei apenas de comer. Eu parei de sair com meus amigos, me tranquei em casa e só saía para ir correr. Estava sempre mal-humorada e discutia constantemente com meu namorado. Eu afastei todo o mundo que eu amava tudo porque queria perder peso. Tudo porque queria ser uma pequena borboleta com asas brilhantes e frágeis. Luke tentou me ajudar tentando me forçar a comer, e eu o afastei por isso. Achava que ele estava tentando sabotar minha dieta e não podia tolerar isso. Então menti. Menti para ele dizendo que estava tudo bem. Na frente dele comia, mas depois botava tudo para fora em um banheiro qualquer escuro e frio. Eventualmente ele descobriu. Ele, meus amigos, meus pais. Todo o mundo descobriu o que eu andava fazendo. Luke apoiou a decisão de meus pais para me colocarem aqui. Fiquei brava com isso e discutimos feio. Ele disse que não aguentava mais e achava melhor a gente se separar. Falei que não me importava e que já nem gostava dele mesmo, mas me arrependi na hora. Mas já era tarde para arrependimentos. E foi assim que eu perdi a melhor pessoa da minha vida por causa do meu desejo incessante de ser magra. E o que eu ganhei em troca? Nada.

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Fecho com força a porta atrás de mim e rastejo para a cama.

Tento dormir mas o sono não pega. Viro para um lado, viro para o outro e nada. Meu cérebro não desliga. Não consegue desligar. Sobre minha cabeça pairam mil e um pensamentos. Casa, amigos, família... Luke. Me tento concentrar em outras coisas, como nos livros que li, a matéria que estudei, a cor de olhos das meninas, nas calorias que comi... nas minhas pernas inchadas, nos meus braços gordos, nas minhas bochechas enormes! NÃO consigo PARAR de pensar!

Me levanto e caminho até minha mochila velha que minha mãe comprou em uma feira de antiguidades quando eu tinha 12 anos. Retiro o pequeno aparelho eletrónico da bolsa mais pequena e a volto a fechar cuidadosamente. Coloco os fones nos ouvidos e aumento o volume para o máximo. A doce melodia que toca vai me embalando e lentamente caio num sono profundo. A música sempre teve esse efeito em mim. Finalmente tenho algum descanso. 

Princesa de CristalOnde histórias criam vida. Descubra agora