Vingança!

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Com aquele olhar sombrio para a caneca de cerveja, Leon Martins apoiava-se à parede. Não estava embriagado. Nunca bebia demais. Isso atrapalharia os sentidos dele que eram afiados tal qual uma navalha. Como prova disso, levantou a cabeça ao ouvir um ruído na entrada do salão. Mantinha o olhar alerta ao menor sinal de perigo. No entanto tratava-se apenas de sua irmã Maíra com um bebê no colo.

Moretto não passaria por ali outra vez.

Apesar da disciplina, a ideia invadiu-lhe a mente como uma assombração. Por um momento, Leon debateu-a. Seu inimigo estava morto. O vizinho, que o tinha abandonado ferido nas Terra de Alfredo e voltado para roubar-lhe as terras, perecera neste mesmo salão, nas mãos de seu cunhado. Esse fato o privara de exercer a sua clamada vingança.

Leon olhou para as duas cadeiras pesadas, na frente do salão, onde a cena se passara. Mas os ladrilhos já tinham sido lavados e o sangue de Moretto se fora para sempre. Leon jamais o veria soluçar e, assim, não sentiria o prazer de sua alma vingada.

Desde então, nesse último ano, ele tentara executar outras mortes, trabalhando como soldado contratado. Contudo, o eliminar de estranhos não tinha muito significado, tão pouco a recompensa recebida em troca. Leon já possuía fortuna e uma próspera propriedade.

Construído por seu pai, Bigorna era um castelo moderno que provocava a inveja de vizinhos. O fato, entretanto, não lhe provocava satisfação. Por isso, estava ali, no local do desapontamento amargo, em busca de alento para o vazio em que sua vida se tornara.

Ele apertou os dedos em volta da caneca. Na verdade, não encontrava estímulo em nada, pois tudo perdera o significado para ele. Sua irmã havia mudado muito nesses cinco anos que ele passara nas Terras de Alfredo. Ele nem mais a reconhecia. Leon também se ressentia do fato de o cunhado tê-lo privado do que mais desejava : Tirar a vida de Moretto.

- Leon! Eu não o vi aí encostado na parede. O que pretende fazer esta tarde? – Maíra perguntou com aquele meio sorriso desconfiado, com o qual ele já se acostumara.

A irmã linda, de cabelos castanhos, não sabia o que fazer com ele, no entanto isso não o surpreendia. Ele próprio não sabia o que fazer consigo mesmo.

- Nada – respondeu ele com olhar indiferente arqueando as sobrancelhas. Maíra sentou-se num banco e dirigiu-se à filhinha:

- Veja, Camile, é seu tio Leon.

Ao ouvir a voz terna e amorosa, ele quase não acreditou. A Maíra que ele conhecia era uma jovem altiva, uma nobre eficiente, mas incapaz de demonstrações afetivas. Agora, em vez de deixar a criança sob os cuidados de uma criada, carregava-a para todos os cantos. Difícil entender tal atitude.

Um movimento na entrada chamou-lhe a atenção. Virando-se depressa, Leon viu Bruno, seu cunhado, entrar no salão. Era um homem de estatura avantajada, ele seria capaz de intimidar as pessoas, mas raramente o fazia. Parecia deliciar-se com o mundo em volta, do qual se vira desligado durante uma crise de cegueira temporária.

- Bruno! – Exclamou Maíra sem esconder a alegria. – Veja, Camile, é o papai – acrescentou, sacudindo a mãozinha da criança para o cavaleiro imponente.

Talvez algo durante o parto houvesse danificado a mente da irmã, pensou Leon pela milésima vez durante a estadia ali.

-Fique no colo do titio enquanto recebo seu pai – Afirmou ela.

Para horror de Leon, ele viu-se com a sobrinha no braço. Era pequena, gordinha e sem um fio de cabelo. Cheirava a uma mistura de leite e sabonete de alfazema.

Com a caneca de cerveja em uma das mãos e o bebê no outro braço, o jovem dirigiu um olhar impotente para a irmã. Porém, ela já se afastava.

Nervoso, viu-a atirar-se nos braços do marido. Ele jamais se acostumaria àquele comportamento. Numa cena constrangedora, o casal beijou-se apaixonadamente como se estivessem em seu quarto. Talvez a crise de cegueira também houvesse perturbado a mente do cunhado, refletiu Leon.

A vingança - Leon e Nilce (medieval)Onde histórias criam vida. Descubra agora