A imigrante

Os próximos imigrantes

"Querida Kim SunHee,

Quanto tempo, minha amiga. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que te encontrei no Brasil. Naquele tempo, eu achei estar fazendo uma boa ação acolhendo-te, mas na verdade foi você quem me salvou como ser humano.
Confesso que ainda não me adaptei a essas novas formas de comunicação, e nem sei como elas são aí na Coreia atualmente, então prefiri restringir-me à carta. Espero que nesses mais de trinta anos, você continue ainda resida no mesmo bairro, e ainda lembre de meu bom e velho idioma, ou então nunca te alcançarei.
Bom, antes de fazer meu pedido, acho justo introduzir-te à situação. Não sei se você se recorda de meu filho mais velho, Diego, e de meu marido, Murilo. Além de Diego eu tive uma menina alguns anos depois de sua partida: Maria Isabel. Ela é linda com seus longos cabelos castanhos, levemente ondulados, e seus olhos são a obra de arte mais perfeita da qual eu tenho ciência - lembram-me dos daquela 'cigana oblíqua a dissimulada' tão querida por nós.
Infelizmente, Murilo e Diego vieram a falecer a dois meses, numa dessas saídas de pescas que tornou-se hábito deles há algum tempo. Eu perdi meu chão. Meus dois meninos, meu porto seguro, se foram. Mas o pior não são os que vão, e sim os que permanecem: não aguento mais ver os outrora alegres olhos de Mabel agora chorosos e desesperados, no sentido mais literal da palavra.
Com a perda dos dois, nossas finanças, que vinham num considerável declínio - as pessoas não gostam mais tanto de bolinhos artesanais salgados -, perderam-se totalmente com os custos fúnebres.
Isso fez-me pensar em mudar para um local mais simples, talvez o subúrbio fluminense, a fim de alugar o casarão como fonte de renda para nossa reconstrução. Todavia, a inegável verdade é que ficar nesse país, tão bem quisto por mim, só servirá para lembrar-me constantemente do ocorrido.
Então, decidi sair do país. Por mim, sim, mas sobretudo pela Mabel. Ela é tão esforçada, Sunnie, merece mais do que eu poderia oferecer aqui. Dessa vez o pedido de socorro é meu. Não apenas um pedido, mas uma súplica se cabível:

Se você estiver em condições suficientes, tanto materiais como emocionais, você poderia abrigar-nos por algum tempo, até que eu consiga um emprego aí?

De qualquer forma, sou grata por e extremamente orgulhosa de sua amizade.
Com carinho, Pilar Casas