Despedida I.

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Hoje é quarta-feira, dia de teatro. Às 17h30min ele sempre passava aqui, mas já me acostumei com sua ausência.

Às vezes a vida realmente não nos quer bem. Esse tipo de coisa me faz questionar sempre: pra que continuar esse inferno? Nós vivemos um mundo pós morte, estamos fardados a sofrer.

Diga-me, quando você foi feliz por mais de um dia? Ou até mesmo por mais de horas? Há realmente alguns momentos em que estamos explodindo de tanta positividade, mas é só passar algo em sua mente que tudo volta à monotonia de antes. E lá estou eu, deitado na cama de pijamas, com meu gato nos meus pés, ouvindo o pior CD do Queens of the Stone Age. Eu sou um covarde.

Só sei reclamar, nunca tento mudar nada. Se estou tão cansado de viver, era só comprar uma arma e atirar em minha cabeça. Ou mais fácil, arrumo uma corda e me enforco no lote que meu pai tem aqui pertinho de casa. Mas eu não sou capaz de fazer isso. Tenho medo de morrer. Aliás, eu tinha medo de morrer.

Desde que ele se foi eu ando pensando muito sobre. Será que se eu morrer posso me encontrar com ele? Talvez nós dois vamos para o céu dos suicidas. Se alguma religião estiver certa, nós vamos para o inferno, mas eu não ligo, eu só quero estar ao lado dele novamente. Ou pelo menos poder me despedir.

Merda, estou chorando novamente.

Eu não chorava quando pensava nele. Sempre pareceu tão fácil superar a ideia de que alguém próximo se foi. No começo não foi nem um pouco difícil. Recebi a notícia e fui no cemitério algumas horas depois.

Foi horrível. Todos estavam acabados. As pessoas sempre ficam muito feias quando choram, não é? Talvez seja por isso que nunca fui de chorar. Sempre me importo com o que as pessoas vão pensar de mim, o que talvez seja meu maior defeito.

Ele sempre criticava isso.

- Você é muito mais do que as pessoas estão vendo! E se gostam de falar, deixe que falem, quem são os outros perto de você?

Eu gostava tanto dele que às vezes parecia que era uma paixão. Nunca cogitei a ideia de beijá-lo, mas não acho que seria algo estranho. Nós sempre falávamos que iriamos nos casar e adotar uma ou duas crianças, pois nos decepcionamos demais com mulheres.

Ele sempre me entendeu muito bem. Era meu psicólogo. Uma das pessoas que eu mais admirei na vida. Mas se foi.

Muitos acreditam que ele não se despediu, já que junto ao seu corpo não foi encontrado nada além da arma, metade de um cigarro e uma caixa de fósforos. Mas não foi bem isso.

Alguns meses antes desse acontecimento, entramos pra aula de teatro juntos. Ele andava meio deprimido eu pensei que esse tipo de atividade iria o aliviar um pouco do stress e de sua cabeça turbulenta.

No começo éramos bem bobinhos mesmo. A gente sempre ria no meio das cenas. Ficavam um fazendo piada sobre o que o outro encenou, quando voltávamos pra casa. Ele não morava perto de minha casa, mas era relativamente perto do teatro, então ele sempre vinha aqui antes.

Nós sempre fumávamos um cigarro de maconha antes de ir para o teatro. Coisa de adolescente, sabe? E todos lá percebiam. Dois idiotas rindo e falando coisas sem sentido. Nunca se importaram com isso, o nosso professor até fumava com a gente durante os intervalos. E na volta a gente fumava cigarro mesmo, pra não chegar cheirando maconha em casa.

Às vezes ele ia pra minha casa. Eu não ia muito à dele, pois a sua mãe não gostava muito de mim. Quando descobriu que ele tinha o costume de fumar comigo começou a me odiar. Dizendo que eu o levava para um caminho ruim. Mas poxa, só um baseadinho.

Uma vez no teatro, ele fez uma cena que desde então me deixou preocupado. Tínhamos que interpretar alguma loucura de nossas cabeças.

As cenas começaram interessantes. Alguns encenaram fetiches sexuais, espancamento, uso exagerado de drogas. Eu encenei uma corrida. Estava sem roupas no meio de uma avenida extremamente movimentada. Até então todos riram, se chocaram, mas nada além de encenação.

Até que foi a vez dele.

Tenho um pouco de dificuldade para falar sobre, eu sempre me lembro da cena ao mesmo tempo em que lembro-me de seu crânio estourado.

Ele começou a cena deitado no chão. Rolando de um lado pro outro enquanto resmungava alguma coisa que não conseguimos entender. Até que ele pegou uma cadeira, começou um discurso, e depois pegou uma das cordas que ficava amarrada naquela coisinha que tem no teatro – eu realmente não sei o nome daquilo, e não faz diferença – colocou no seu pescoço e ficou lá parado. Até então todos aplaudindo. Porra, que cena foda!

Mas a cena não tinha acabado. Ele empurrou a cadeira e começou a se encofrar. Eu fiquei desesperado. Meu amigo está tentando se matar na frente de seus companheiros de teatro? O que está acontecendo.

Corri para o palco e o tirei de lá. Desesperado, eu acabei até o machucando um pouco, mas nada além de uns arranhões. Ele estava meio zonzo, e seu nariz começou a sangrar. Cogitei a ideia de ligarmos para a emergência, mas ele insistiu para eu ficar quieto. Eu fiquei, mesmo sem entender.

O clima do teatro ficou muito pesado, e o professor então decidiu liberar a gente mais cedo. Até metade do caminho, não trocamos uma palavra.

Mas não aguentei o silêncio. Em meio de choros eu questionei. Até fiquei meio agressivo. O agarrei pela camisa enquanto perguntava o que havia acontecido.

Ele não respondeu. Me olhou no fundo dos olhos, e sorriu:

- É teatro. Algumas coisas acontecem sem previsão mesmo.

Depois de dizer isso ele acendeu um cigarro e começou a falar de alguma coisa comigo, mas eu realmente não lembro. Eu estava em choque. Eu não sabia como reagir àquela cena.

Será que realmente era só encenação? Não seria um aviso? Um pedido de socorro? Ou será que ele só quis ser o centro das atenções mesmo? Não é algo fora do que ele já tenha feito quando era vivo. Lembro-me bem de como ele achava que conquistava alguma garota. Gostava de ter a atenção de todas, e a que mais se interessar ele ia pra cima.

Ele era um idiota.

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⏰ Última atualização: Nov 10, 2016 ⏰

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