INSÔNIA

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Sempre fui o tipo de pessoa que tem sérios problemas para conseguir dormir. Quase todas as noites, padeço de profunda insônia. Talvez por morar uma região com muitos assaltos, é de se compreender meus alertas em relação a isso.

Pura mentira!

Eu que não consigo pregar os olhos, mesmo nas noites mais calmas. Quase sempre fico olhando para o teto, esperando o momento oportuno onde consigo adormecer. Não seria diferente naquela densa noite.

As duas da manhã já haviam batido no velho relógio da parede. Olhei atentamente para o brilho que atravessava a sala e invadia lentamente o quarto. Ruídos. Barulhos. Pensei comigo mesmo, quem poderia ter ligado o televisor? Olhei para o lado. A janela refletia a brecha de luz ruidosa que me acordara. Tomado pelo súbito medo de levantar sem fazer barulho, procuro e calço meus chinelos. Ando vagarosamente pelo corredor e observo o brilho da TV ligada. Que programa passa a esta hora? Não faço ideia. Me preocupa saber se há algum estranho dentro de casa, ando pelos cômodos tomado pela ansiedade. É claro que eu estava como sempre tive. Sozinho.

Enquanto o medo tomava meu corpo por inteiro, percebi que nada além de mim e a luz da televisão estavam na sala. Tomado por estranha coragem eu gritei:

– Quem está aí?

Surpreenderiam minhas dúvidas se houvesse.

Sala vazia. Ninguém na cozinha. Banheiro desocupado. Nenhuma alma viva. Janelas fechadas, portas trancadas e nenhum sinal de invasão.

Muito estranho, pensei. Observei a TV. Fora de sinal. Por isso a luz ruidosa. Não havia nada passando na tela a não ser um chiado insuportável. Por mais estranho que possa parecer, lembrava-me de ter desligado o aparelho pelo botão de energia. Enfim. Chega. Preciso voltar para minha insônia insistente. Apago a televisão e dessa vez para que não haja falhas, certifico-me de ter retirado o cabo da tomada.

Pronto. Agora nenhuma televisão maluca iria me incomodar novamente. Cansado e com sede, adentro a cozinha para tomar um copo d'água. Impressionante como um simples detalhe de nada pode acabar com a quietude de qualquer indivíduo. Bem. Vamos dormir.

Paro estagnado novamente na sala. O copo que tinha em minhas mãos cai! Mil pedaços se espalham pelo chão. Eu não podia acreditar no que estava presenciando. A tela azul ruidosa permanecia ligada bem à minha frente. Visivelmente o fio da tomada estava jogado pelo chão.

Como o aparelho poderia estar ligado?

Para minha surpresa, uma imagem se forma na tela. Bem poderia ser incrível, não fosse hediondo. A imagem que se achava na tela era de minha própria sala. Eu estava na lá, dentro da tv. Estava deitado no sofá olhando atentamente para algo. Percebi que pela posição a qual me encontrava, deveria estar olhando para aparelho.

Impossível. Só podia ser piada. Estaria eu preso dentro de alguma alucinação. Prendia-me a esperança de ter ficado impressionado ou algo parecido. Belisco-me para saber se não era sonho. Acorda! Acorda!

Sobressaltado, assisto-me levantando do sofá, indo em direção à TV. Minha imagem olha atentamente pela tela como se prestasse atenção em mim mesmo. É neste momento que um leve sorriso semelhante ao meu se sucede e o televisor se desliga.

Só tive tempo de ver meus olhos se fecharem.

•  •  ♣  •  •

Acordo de sobressalto, sentindo todo meu corpo arrepiado pela péssima noite. Abro os olhos. Fico surpreso por pelo menos ter conseguido dormir. Percebo a luz do sol invadindo o quarto. Era só um sonho. É isso, um terrível e estranho sonho.

O suor me cobre o rosto. Realmente fora uma tenebrosa noite. Decido tomar um banho. Passo pela sala. Fico surpreso ao perceber que na verdade o fio de tomada está jogado no chão.

Estranho. Muito estranho!

Enfim. Chega de pensar nisso. Entro no box e começo a tomar minha ducha.

Enquanto tomo o banho, não percebo o televisor ligando sozinho, novamente sem nenhum fio ligado à energia. Minha imagem refletida está sentada no sofá como que assistindo minha própria vida pela tela.

A imagem sorri. Um riso perturbador, franco e puro.

"o pesadelo está só começando".


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Conto narrado em áudio no canal "Conto um Conto" pelo ilustríssimo Marcelo Fávaro. Se não conhecem o canal, não perca tempo, corre lá escutar a narrativa do conto, bem como se inscrever no canal e acompanhar esse fantástico trabalho!

Muito obrigado Marcelo!

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