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Nebraska – 30 outubro 1984.

-Gabriel. Para com essa teimosia e vai pelo caminho normal.

-Sem drama, para que eu vou pegar o caminho mais longo se existe o atalho? Vamos economizar meia hora.

-Mas seu atalho é isolado. Vamos nos perder.

-Você não é a chapeuzinho vermelho, Kami. - Gabriel solta uma risada debochada fazendo Kami se arrepender mais ainda de ter aceitado viajar sozinha com ele.

-Olha, é só seguir essa rota e chegamos na cidade do campus.

-Tudo bem, só espero que esse carro velho não estrague nesse fim de mundo.

-E eu espero que você não seja tão reclamona a viagem toda.

- Então não me enche. Não deveria ter escutado minha mãe, deveria ter vindo de ônibus.

-Tia Ana sabe que você não tem capacidade de pegar ônibus sozinha. - Ele ri novamente e Kami fecha a cara e se vira encarando a janela lateral.

A estrada passava e não havia nenhum ser vivo nela. Nem pássaros, nem animais, nem mesmo os animais atropelados e secos no chão quente haviam. Era apenas um campo aberto.

-Você olhou um mapa? -Kami pergunta meio nervosa, ela não costumava viajar, nunca viajou sem seus pais. Dessa vez ela estava partindo para faculdade e seu primo que frequentava a mesma, ofereceu-se para leva-la. Kami só aceitou porque agora ela era uma universitária e como a maioria deles, só tinha dinheiro o suficiente para livros e fotocópias.

-Kami. Vou te jogar pela janela. -Gabriel diz girando a manivela que abre a janela do seu carro antigo.

-Não, não me deixa nesse fim de mundo. -Ela olha desesperada para os dois lados do carro tentando encontrar alguma cabana, mas nem isso.

-Estou brincando, bobinha! -Ele revira os olhos. -Minha mãe me mataria se o fizesse. - Gabriel gostava muito da sua prima, mas mais do que isso, gostava de deixa-la irritada, e digamos que era muito fácil fazer isso.

- Vou tentar ficar quieta.

-Por favor. Ah olhe! Já chegamos no milharal. -Ele aponta o dedo para janela da frente chamando a atenção de Kami para uma linha ainda fina no horizonte formada por pés de milhos que se estendia por quilômetros que se perdiam
na visão.

-Milharal? -Kami aumenta a voz. -Sabe o quanto é perigoso andar em um milharal sozinho?

-Não estou sozinho, estou com você. Vai me proteger se um espantalho aparecer com uma faca não é?

-Não brinca com isso. Sabe que eu não gosto disso. -A mãe de Kami, é uma católica obcecada, desde pequena ela a ensinou que Deus existe, e se ele existe, quer dizer que o inferno também, e Kami não queria descobrir se realmente poderiam sair coisas de dentro dele.

-Pensando bem, tem uma lenda urbana sobre milharal...

-Cala boca, Gabriel! -Ele ri alto e concentra-se no asfalto. Agora adentrando na estrada que corta o imenso milharal. Agora serão quilômetros até chegarem a estrada principal e continuarem no curso certo.

-Tem como andar mais rápido? -Kami pergunta sentindo um leve frio na barriga.

-Você me pedindo pro andar mais rápido? Deve estar com muito medo mesmo. - Gabriel levanta uma sobrancelha e pisa mais firme no acelerador, não porque quis obedecer o pedido da prima, mas porque gosta de correr e essa estrada é reta, plana e perfeita para isso.

-Não é isso, é que começou a chover e é meio medonho ficar entre esses milhos e com chuva é mais ainda.

-Entendi. Medrosa. -A chuva começa a cair mais grossa e a visão do carro se turva. Daniel aperta o botão velho do limpador do para - brisa para poder ver a estrada, mas o mecanismo trava e não funciona mesmo ele apertando dez vezes.

-Gabriel, liga o limpador! Não dá para ver nada. -A chuva engrossou e batia fortemente contra o carro

-Não quer funcionar! -Ele aperta mais vezes, mas não adianta.

-Então desacelera, idiota! -Ela grita com o primo, temendo que batessem em algo.

Gabriel não desacelera. A estrada é reta, o mapa que virá mais cedo mostrava isso, eram quilômetros e mais quilômetros de retidão. Ele se virou um pouco e girou a manivela da sua porta para não respingar água no seu protetor de banco novo.

-Gabriel!! Desacelera a porra do carro!! -Ela grita.

-Não se preocupe. - Ele olha para ela por um instante e volta a olhar a para frente embaçada do vidro a tempo para ver um vulto preto entrar em baixo do carro fazendo-o dar um salto na roda traseira. Ele pisa no freio assim que seus reflexos o ordena. Mas não é rápido suficiente para evitar que o carro tenha passado totalmente em cima daquilo.

-Você atropelou uma criança! -Kami olha em desespero para Gabriel. -Você... matou ela?

-Não sei! Caso não percebeu, eu ainda não fui ver. Deve ser um animal.- Gabriel abre a porta do carro e sai na chuva grossa para ver o resultado do atropelamento. -Fica aí dentro. -Ele a ordena e bate à porta.

Ele dá a volta pelo automóvel e vai até a traseira temendo o que vai encontrar. Ele finalmente cria coragem para olhar para o chão, mas quando o faz, ele simplesmente se espanta. Não tem nada ali.

Não há corpo algum. Ele não atropelou ninguém.

-Graças a Deus! - ele respira aliviado. -Se você existe, muito obrigado! -Ele olha para o céu e a chuva gélida cai em pingos grossos em seu rosto.

-O que aconteceu? Ele está morto? -Kami pergunta com medo da resposta.

-Não atropelei ninguém. -Ele volta para o carro, mas antes que entrasse, Kami salta para fora e vai examinar ela mesma o acidente. Ela não tinha dúvidas de que o primo mentiria para ela para fugir da cena do crime.

-Kami volta para o carro! - Ele a grita mas é ignorado, lhe resta então segui-la. -Viu? Não aconteceu nada. -Gabriel aponta para o chão abaixo do carro.

Kami ainda não acreditando, se abaixa e quase deitando sob o asfalto para olhar em baixo do carro. Ela olha cada detalhe e seus olhos param finalmente em uma mancha vermelha acima da roda traseira

-Olha! É sangue. -Kami grita assustada, isso prova que eles passaram em cima de algo.

Gabriel se abaixa também e olha o local indicado, não havia só sangue, havia também pelos emaranhados e pedaços gosmentos de algo, que agora eram vermelhos sangue.

- É, mas está cheio de pelo, com certeza era um animal.

-Gabriel, isso não é pelo... É cabelo!

Sacrificadas Onde histórias criam vida. Descubra agora