Ding Dong! –O relógio de pendulo do corredor toca uma vez acordando Kami.
Ding Dong!
Ding Dong!
Três toques. Três horas da madrugada, constata Kami.
Ela aperta os olhos para tentar dormir novamente, mas não tem sucesso, já que sua bexiga está cheia e ela precisa usar o banheiro. Pelo menos há um pequeno no quarto, ela agradece imensamente por não precisar ir ao corredor.
Ela se levanta e vai fazer suas necessidades voltando para o quarto escuro logo em seguida, ela nem sabia sequer onde havia o interruptor de luz para liga-la.
Ela volta para cama, mas antes de se deitar, seu corpo fica gélido e seu rosto empalidece como se ela tivesse se enfiado em um pote de talco.
Na cama, no mesmo lugar que ela estava deitada antes, estava uma caixa preta, a mesma caixa que encontrara na biblioteca mais cedo.
Ela olha envolta do quarto, inclusive embaixo da cama, não havia como a caixa ter voado sozinha e chegado até lá. Alguém a colocou ali. Ela se aproximou da caixa e a estudou por alguns segundos. Ela estava sem o cadeado.
Kami não se segurou, ela quis abrir e saber o que estava lá dentro. Ela se sentou na beirada da cama e pegou a caixa no colo. Abriu devagar com medo de sair algum bicho peçonhento lá de dentro, talvez uma cobra de milho. Kami odiava repteis. Mas ao invés de algum ser rastejante, ela encontrou bonecas.
Eram cinco pequenas bonecas de palha de milho que cabiam na palma de sua mão. Todas elas estavam pintadas com rostos tristes e cores coloridas e havia tinta vermelha sob seus pescoços. Menos uma. Essa estava apenas vestida, parecia ter sido feita mais recentemente em comparação com as outras. Ela estava com uma blusa branca e uma saia longa azul... igual a sua...
-Já conseguiu me assustar, agora me deixa em paz! – Ela grita mas não aparece ninguém. Ela sai do quarto correndo e bate na porta de Gabriel.
-Gabriel, abre a porta! -Ela chama nervosa.
-Vai dormir, amanhã a gente vai embora. – Ele responde com a voz sonolenta.
-Me deixa entrar! –Ela tenta abrir a porta, mas Gabriel a trancou por dentro.
-Boa noite, Kami. –Ele diz e faz silêncio a partir daí.
-Ele não pode ajudar. –Ela escuta uma voz infantil.
-Quem está ai? –Ela pergunta olhando para os dois lados. Isso de escutar coisas e não saber de onde vem a está mortificando aos poucos.
Ele caminha para o final do corredor a passos cautelosos. Ela escuta risadas de crianças e as segue.
-Não tenha medo. A morte não é tão ruim depois que a dor passa. –A menina da biblioteca aparece no fim do corredor em frente ao relógio de pendulo enorme.
-Por que está fazendo isso? –Kami pergunto indo até ela com o coração na mão.
-Você me matou. Você me matou Kami! –A menina diz calmamente.
-Eu nem te conheço. –Kami diz desesperada.
-Conhece, você me matou. –Ela se vira de lado para que Kami veja sua cabeça.
Ela está amassada e ensanguentada e o lugar estava sem cabelo.
-Eu te matei? Foi Gabriel. – Kami não gritou de medo como esperava, ela não fez nada. Por dentro ela estava gritando e se debatendo, mas por fora, ela era uma menina serena e sem medo. Era como uma casca, a qual essa tinha todo o controle sobre ela.
-Você me viu aquele dia, papai e mamãe tinham voltado e estava levando a gente para passear no milharal, mas vocês me mataram antes...
-Quantas irmãs você tem? –Ela pergunta calmamente.
-Quatro. –Ela vira seu pescoço e ele sai do lugar. O estomago de Kami dá um giro e ela segura para não vomitar.
Agora ela tinha uma certeza... Aquela na sua frente é a menina que morreu atropelada e 'escapou' do sacrifício.
-Você morreu a muitos anos...
-Nao, Você me matou, Kami. -A menina diz mudando a voz para um tom mais forte.
-Matei... –Ela concordou sem hesitar, parecia que algo estava a manipulando, ela estava leve e concordando com qualquer coisa que a oferecessem.
-você precisa ir no meu lugar...
-Mas onde?
-você me matou... você merece também. –A menina estica as mãos e estende um objeto para ela.
-Eu não quero...
-Você tem que fazer.
Kami pega o objeto da mão da menina. É uma foice pequena de capim
' Não! Saí! Não faça isso!' Sua mente gritou, mas seu corpo não obedeceu.
-Vou estar com você. –A menina pega a mão de Kami e a guia até que ela passasse a foice lentamente pelo pescoço.
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Sacrificadas
Short StoryA estrada que corta o milharal não é muito agradável quando se está sozinho e com chuva. Kami e Gabriel são provas disso. Quando Gabriel atropela algo na estrada, os dois primos começam a cogitar a existência de uma das mais famosas histórias do es...