Primeiro encontro

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Entro na livraria Cultura decidida a perder o restante do meu dia lá dentro, como de praxe. Primeiro, me concentro em ver quais são os novos lançamentos, é incrível como toda semana chegam novidades. Depois de perder longas horas checando cada uma das sinopses e escolhendo alguns para levar comigo, passo pela sessão de biografias e encontro com a Jéssica.

— Nunca me surpreendo em te encontrar aqui dia de hoje.

Ela sorri e me abraça, pegando os livros que seguro em seguida.

— Me dá aqui pra eu reservar pra tu.

— Ai, obrigada!

— Separei uns cds novos pra tu lá na sessão de rock nacional e já tem um copo de café por lá. Preciso ir trabalhar agora.

Sorrimos uma pra outra e me dirijo até os cds.

Conheci a Jéssica no primeiro dia de trabalho dela, foi engraçado porque eu já conhecia todo mundo que trabalhava e então me deparei com uma novata. No final das contas, eu que a ajudei a se encontrar naquele mundo de prateleiras e nos tornamos grandes amigas.

Pego meu copo de café, me aproximo do mais recluso dos fones de ouvido e começo a passar os códigos de barra, curtindo os poucos minutos de degustação que me são dados por cada um dos cds.

Jardim-Pomar.

CPM 22: ao vivo no Rock In Rio.

Braza.

Mão no Sonho.

Quando dou o último gole de café, a última música também acaba e é hora de explorar minha parte preferida: os discos de vinis.

Passeio os dedos pelos pequenos espaços entre cada um deles e meus olhos brilham quando a maior relíquia daquela livraria finalmente se encontra em seu lugar. A meses não tinha mais nenhum vinil do Arctic Monkeys e por algum pulo de sorte ou por destino, tem um me esperando.

Opa.

— Desculpa, mas eu vi primeiro.

Digo, tímida.

O garoto me olha e arqueia a sobrancelha.

— Viu? Mas eu também vi primeiro. E peguei, por sinal.

Ele acena o disco para mim e fico cabisbaixa.

— Tudo bem, tudo bem. Você venceu.

Estico os braços para o alto e sorrio dessa vez.

— Vem cá.

O estranho me puxa até um dos fones de ouvido e passa o código de barras, me entregando o headfone e sorrindo satisfeito.

— Você. Fica aqui, enquanto isso.

Ponho os fones e o vejo sumir do meu horizonte.

Incrível como a voz do Turner preenche meus ouvidos e vai tomando pra si o meu corpo numa sensação maravilhosa de saciedade. A música fazia parte de mim.

E eu adorava isso.

— Se me permite, senhorita...

Me assusto ao perceber que o rapaz já voltara a ficar ao meu lado e tiro os fones.

— Oi, não vi que tinha voltado.

— Percebi, moça.

Ele levanta a sacola com o disco e fala empolgado:

— Te deixo ficar com o disco se me convidar para escutá-lo com você.

— Muito abusado, não?

Ele dá uma gargalhada gostosa e noto finalmente que profundas covinhas se formam em suas bochechas.

Ele segura uma das minhas mãos e – literalmente – me arrasta até o Paço Alfândega, só parando de andar quando nos sentamos em uma das mesas da cafeteria.

— Esse é o momento que você me diz seu nome, senhorita.

Ele me entrega o pacote com o vinil e se senta, inclinando a cabeça um pouco para o lado e me olhando como se tentasse me decifrar.

— Por que eu te diria?

— Porque, certamente, você não pode falar com estranhos e esse seria o primeiro passo para nos conhecermos e você enfim me convidar para sua casa e desfrutarmos desse belíssimo presente que lhe dei.

Ele sorri satisfeito, encostando na cadeira.

— Ah, tudo bem. Sendo assim, meu nome é Cleide Josefa.

— Suspeitei desde o princípio pelo seu ar vintage.

Não controlo a risada e estapeio um de seus braços.

— Me respeita, garoto!

— Vou te denunciar por agressão, Cleide Josefa.

— Ok, ok, você venceu. Meu nome é Maria Luísa, mas pode me chamar de Malu.

— E se eu não quiser, Maria Luísa?

— Não chame, oxente.

Sorrio e ele segura uma de minhas mãos.

— Meu nome é Rafael.

Ele beija a mão que segurava e inclina a cabeça para frente devagar.

Enchanté.

Ele pede dois cafés expressos e começamos a conversar, principalmente sobre nosso gosto musical parecido.

O tempo vai passando, a conversa fluindo tão bem que nem percebo que preciso voltar para casa. Rafael me oferece uma carona, mas meu pai simplesmente surtaria em me ver chegando num carro de um garoto que ele não conhecia. Afinal, apesar dos meus 17 anos, para ele sempre teria 5.

— Tudo bem, aceito você recusar minha carona, se prometer que além de nos vermos outra vez, você vai me convidar para ouvir realmente o disco.

— Pensarei no seu caso.

Anoto meu telefone e e-mail num guardanapo e ponho em baixo da xícara dele e, enquanto ele paga a nossa pequena conta, me afasto e saio do Paço, entrando no primeiro táxi vazio que encontro. Sem despedidas.

Era Só Um Disco de VinilOnde histórias criam vida. Descubra agora