Foi o terceiro e último período de minha doença.
Na verdade, conviver com câncer leucemia mieloide aguda aos dezoito anos é viver constantemente na dúvida do amanhã. Mesmo sendo jovem, sinto a vida passar na velocidade da luz; e a impressão que tenho é que nunca vivi ou viverei o suficiente.
Lembro-me de que, certa vez, estava sentado na sala. Escondi o rosto entre as mãos, inclinei a cabeça e assim passei não sei quantas horas. Estava pensando, pensando sempre, uma forma de solucionar toda a minha angústia, e eu experimentava, no íntimo, um sentimento cada vez mais penoso, mais desagradável. Levantei a cabeça. Escutei umas vozes que vinham de um quarto ao lado. Era o oratório.
Os meus pais oravam diariamente para mim. Pediam incansavelmente a minha cura. Um sofrimento que eles passaram a sentir constantemente em suas vidas. Virou uma rotina cansativa, muito exaustiva. As suas orações pareciam mantê-los vivos. Talvez esteja ajudando a eles a suportarem esse fardo tão pesado. Sinto-me triste ao vê-los sofrerem. Percebo que a doença não esteja acabando comigo, mas com eles.
No entanto, percebo que a oração os fortaleciam. Penso também em ajoelhar-me para orar e pedir força para suportar os dias difíceis que passarei com a Hemodiálise. A doença chegou a afetar gravemente os meus rins. Além disso, o meu estado de ânimo era tão doentio! Estava muito frágil. No entanto, eu não podia rezar; estava impressionado, assustado até, lembrei-me das palavras do médico, em uma determinada noite, quando fiquei de cama e, por pouco, não morri neste terceiro período de minha doença. Eu me restabeleci devagar; quando me ergui do leito, minha razão ainda estava numa espécie de mal-estar, não pude compreender ao certo o que me sucedera.
Havia momentos em que tinha a impressão que estava sonhando, e, lembro-me bem, queria que todo o ocorrido comigo tivesse sido na verdade um sonho! No fundo, também esperava um milagre. Esperava o efeito das orações dos meus pais. A minha situação tornou-se mais clara para mim, e pouco a pouco eu compreendi o quanto a minha doença era devastadora. Mas eu já sabia, desde a véspera, da preocupação dos meus pais. Não sabia exatamente o que me atormentava, mas via que eu era refém de um desassossego terrível; até os meus pais notaram isso. Nessa ocasião, eu estava muito doente e mal conseguia mover as pernas.
Comecei a prestar avidamente atenção a todas as coisas, diferentes, que me rodearam tão de repente. A princípio, tudo me parecia estranho e confuso. Naquela hora, eu, moribundo, compreendia completamente, e já percebia que a consciência disso me ferira para sempre, que eu não podia mais adquirir a minha saúde.
Mas, em meus momentos de consciência, lançando um olhar mais claro ao meu redor, eu parecia começar de repente a inquietar-se por mim; preocupando-me evidentemente com a minha idade, com o instante que eu vivia, com o futuro, pronto a receber ajuda. Surpreendido com isso, e preso de entusiasmo por mim, eu já estava demasiadamente inflamado.
Por essa razão, tudo o que vi naqueles dois anos, tudo que se formou no meu íntimo, como sonhos, conhecimentos e esperanças, tudo se conservava teimosamente em mim. Acho que era uma dádiva vinda das orações dos meus pais. Visto que eu também podia, afinal, ocupar-me de algo. Não poderia gastar as minhas poucas energias nessa doença que me devastava e que eu poderia morrer subitamente.
Mas eu não poderia permitir ser importunado pelo medo da morte. Não sei explicar por que tudo o que me aconteceu nesse período de dois anos, daqueles momentos de fraqueza, não deixou em mim nenhuma impressão nítida que eu possa hoje identificar a entregar minha vida a uma aguda tristeza. Tal sensação acentuava-se dia a dia, assinalando com estranhos tons claros toda a existência que passei ao lado dos meus pais. Tudo se aclarou aos meus olhos, tudo se tornou rapidamente compreensível. Lembro-me de tudo com nitidez, até o derradeiro instante, lembro tudo o que prendeu então a minha atenção.
E não é de admirar que penso isso! Penso que talvez em algum dia me soará uma tristeza em que, em troca de um só dia desta vida sofrida, me dará todos os meus anos de fantasia, e nem será pela alegria ou pela felicidade, e nem mesmo irei querer escolher nessa hora de tristeza, arrependimento e dor desenfreada. Sim, porque eu sou o próprio artista de minha vida. É verdade, a qualquer momento eu posso falecer em minhas dores, definhar rapidamente em meu leito, não será uma miragem, não será um engano da imaginação, mas que isso é de fato real, presente, existente!
Eis, por exemplo, que o amor entrou em meu peito com toda a sua alegria inesgotável, com todos os seus suplícios fatigantes... Lembro-me que tinha uma terrível vontade de romper em gargalhadas de qualquer modo, pois já sentia que a tanto tempo se acumulara em meu peito.
Entretanto, como a alegria e a felicidade tornam bela uma pessoa! Como ferve de amor o coração! Como esses sentimentos animavam e afagavam meu peito! Pois quando estamos felizes, mesmo passando por situações como a minha, sentimos mais fortemente a felicidade dos outros; o sentimento não se esfacela, mas sim concentra-se...
Quando penso, quando penso que duvidei da minha força de vontade de viver, que ri do meu amor próprio. Apenas percebi, senti a cada momento que perto de mim batia um coração, ou melhor, dois corações mil vezes agradecidos por ainda está vivo. Mas como não previ isto, como não previ isto antes, como fui tão tolo. Na obstinação que me havia tomado desde que eu ficara doente, insistia sempre em conseguir vencer a própria resistência.
Mas, pegava-me a pensar... Bem, será que eu não podia ter pena de mim? Seria pecado sentir por mim uma fraterna compaixão? Será que involuntariamente eu não poderia ser um pouco egocêntrico?
Talvez, vejo que já não posso impedir tais questionamentos. De repente, sem pensar em nada, pego-me a chorar. Não me julgue mal por tal reação. As vezes mostro-me fraco, sentimental, talvez seja o tratamento. Dizem que deixa o paciente mais sensível.
Mas, no mesmo instante, erguei-me de um salto e, completamente ruborizado, atirei-me a pensar novamente em meus pais. Uma voz ressoou ao lado. Era a minha mãe novamente em suas orações matinais.
No mesmo instante, eu a vejo com as faces umedecidas, os lábios inchados, com os cabelos em desordem. Deteve-se a três passos, lançou-me um olhar, aproximou-se de mim, fez um movimento em minha direção, como se algo quisesse falar.
Beijou-me com desespero, beijou-me o rosto, os olhos, os lábios, o pescoço, os braços; chorava e nada falava. Apertou-me fortemente contra ela, e abraçamo-nos docemente, como amigos, como mãe e filho, que se encontram após a um longo período de separação. O seu coração batia com tamanha força que eu sentia e ouvia cada pancada em seu peito.
Beijou-me pela última vez, serena e silenciosamente, mas com força, e afastou-se de mim. A minha reação nesse momento era impedi-la de se afastar. Sentia que o seu amor transmitia um calor intenso, forte, aconchegante que emanava para todo o meu corpo. Sentia-me aliviado, tranquilo, feliz no momento em que ela abraçava-me e toda a dor se dissipava. A sua energia corporal era como a cura. Como isso me fazia muito bem.
Eu sabia que tinha que ser forte a cada momento. Eu não podia se entregar assim tão fácil, desistir de mim, dos meus pais que ficaram doentes de preocupação. Parecia um sofrimento sem fim para eles e para mim. Mas eu estava acostumado. Os meus pais não aceitavam a minha doença, principalmente a minha mãe. Eu era filho único, o mimado, o querido da família.
Portanto, o amor que ela sentia por mim era incalculável. Talvez jamais a vida tenha lhe trazido tanto sofrimento, mas seu gesto de amor não escapava aos olhares profundos de todos e à sua delicada sensibilidade. Várias vezes falou em mergulhar na luta contra a doença em busca de uma solução para mim. Ela era um anjo que estava aqui na terra para me acompanhar nesse momento difícil.
Logo cheguei-me a um desespero interior que eu escondi com cuidado dos meus pais, com um espírito conturbado, que percorria tão facilmente os meus sentimentos, levava-me a tomar as decisões mais contraditórias. Eu teria que abster-se disso. Ficaria tão encantado em exercer o poder, em ter direito de vida e morte as obras do pensamento. Eu estava, de fato, dominado pela inacreditável elasticidade a todos os desejos, favorecendo-me uma força interna descomunal.
Bem, pois então que algo seja feito por mim; mas não precisa ser às custas do sofrimento dos meus pais. Ora, sem dúvida, sofrer sozinho faria uma grande diferença. Há de chegar um dia em que eu lamentarei ter presenciado o sofrimento deles. Certamente, se repararem, as pessoas sempre acabam vivendo para sempre quando têm algum tipo de ligação muito forte com seus entes-querido.
Sem dúvida; e, afinal, eles não tem nenhuma obrigação em amparar-me, nem fazerem mais do que o esperado. Isso evidentemente fez com que eu pensasse na batalha constante contra o câncer. Não era por mim, era por eles.
Reflito constantemente, como tudo isto e de que modo acabará! Senti nesse momento de reflexão uma dor muito forte no peito, gritei, imediatamente todos entraram no quarto e, sem pestanejar, abriram a porta e caminharam quarto adentro com uma expressão de genuína preocupação. Colocaram-me de imediato a máscara de oxigênio e minha visão ficou turva, o meu pai, ele me olhava triste, baixou os olhos, depois quis olhar para mim mas não conseguia. Por mais alguns minutos dominou a sua emoção, mas de repente virou-se, e rompeu em lágrimas.
A minha mãe empalideceu terrivelmente e por muito tempo ficou imóvel olhando para mim. Eu destruíra sua última esperança. Como isto era cruelmente desumano! Nem uma palavra! Ela estava petrificada. Até com a pior pessoa do mundo se tem compaixão e eu não queria que a sofresse por mim. A emoção da minha mãe era tão forte ao ver o meu sofrimento que ela nem pôde conter o choro, pôs a cabeça em meu ombro, depois em meu peito, e chorou amargamente.
Eu queria falar, mas ela ficou ainda muito tempo me pedindo para ficar calmo. Ficaram calados e observando o médico fazer os procedimentos. Afinal ela parou, enxugou as lágrimas e voltaram a orar.
Vou guardar essa lembrança por resto da minha vida, os meus pais chorando e com medo de eu partir. Agradeço-lhes por esse amor. Pois em minha memória esse amor estará gravado como um sonho doce, pois recordarei eternamente daquele instante em que eles se abriram de maneira tão fraterna o seu coração.
O câncer devorava-me por dentro destruindo todo o meu sistema imunológico. Dessa vez afetara os meus pulmões. Passei a usar aparelhos. Seria uma questão de tempo? Quanto tempo mais eu duraria? Estaria morrendo? Mais uma vez, os questionamentos passaram a fervilhar em minha cabeça. Estava meio tonto e muito confuso, mas não sentia que estava partindo.
Não é para menos. Sim, e no entanto é a mais pura verdade, não iria sobreviver por muito tempo. Talvez eu não possa ficar aqui por muito dias, não creio que suporte mais um ataque da doença. Estava com a mente e o coração dolorosamente agitado e enfermo, virei o rosto para os meus pais e tentei esboçar algumas palavras de agradecimento que saíram em sons abafados e confusos. O som da voz se perdia ao barulho dos aparelhos.
Passamos por grandes provações, mas, ao mesmo tempo nos fortalecemos com os ensinamentos da vida. Felizmente ou infelizmente, a doença trouxe algo importante em minha vida, a valorizar cada momento que eu tinha com o meu melhor amigo, com a família, com a minha namorada e comigo mesmo.
Minhas perspectivas não são muito brilhantes, mas devemos aguardar, e esperar que o melhor aconteça. Não será mais um órgão entrando em falência que eu irei partir. Sim, talvez eu esteja exagerando em meus comentários. Mas, a vida não se deve levar muito a sério. Tudo é uma questão de panorama. Acredito que sairei vitorioso nessa batalha.
Eu olhei para os meus pais e fiz um gesto de agradecimento, mas, eles nada responderam; suas expressões se alteraram e todo o constrangimento reapareceu; mas como se, ao cruzar o olhar, eles se sentissem a necessidade de reagir, recompondo-se de imediato, como se quisesse dizer que eram fortes e estariam ao meu lado. Bastava uma crise de minha doença, um acesso de minhas aflições de sempre, e lá vinham novamente o desespero, as desconfianças, e talvez até a sensação de alívio de eu partir a qualquer momento.
Mesmo nessas ocasiões, porém, havia às vezes momentos que fugiam ao nosso controle. Era exata cada observação feita pelos meus pais durante o meu sofrimento, e adequadas todas as suas impressões. Aos meus olhos, eu já estava demasiadamente cansado. Pouco depois, o destino tornou a agir a meu favor. Eu estava tão comovido com aquele fato inesperado, num tal arroubo de tristeza, que não sabia como falar com os meus pais, de que modo os acarinhar. Era um daqueles momentos de fraqueza, de dissabor mútua, de desalento, que há muito já não aconteciam conosco.
Mas, pouco depois, a minha própria voz animou-me e deu-me apoio. Eu mesmo me surpreendia, cada vez mais, com a minha força, e, neste terceiro e último período da minha doença, ficou dissipada qualquer dúvida. A minha vontade de viver era maior. Mas para quê, para quê sofrer? Repeti, cada vez mais surpreendido com a minha tamanha força de vontade de viver. Meu coração crispava-se de modo cada vez mais aprazível.
Aquele sofrimento contínuo, que eu agora conhecia inteiramente, aquela vida em um vislumbre de luz, aquele amor tímido, que não exigia nada, e, ainda assim, naquele instante, quase em meu leito de morte, os meus pais, temia a menor censura ou queixa e, imaginando, inventando uma nova desapoquentação, já se submetia a esta, já se conformava comigo! Lembro-me de que se tornavam cada vez mais difíceis para mim a solidão e o mutismo, que eu ousava interromper.
E assim, os meus pais não se deixaram desviar da sua decisão por mim, que também pareciam inseguros, naquele quarto, com tanta inquietação; logo emudeceram e ajudara-me, na medida de suas forças, a confortar-me. Todos os olhos se voltavam para a extensão acinzentada que se espraiava no quarto, onde toda a força ainda existente enfrentava o poder desorganizado da morte, do desconhecido.
No entanto, numa situação em que não existia uma outra alternativa, a não ser aceitar o já estabelecido, um único poder de esperança não admitia nenhum outro tipo de aceitação.
Um sonhador, se é necessária uma definição detalhada, essa vida é uma mistura de algo puramente fantástico, e, ao mesmo tempo comum, para não dizer vulgar até o improvável. Na maioria das vezes ele habita um recanto inacessível, como se quisesse esconder-se até da luz do dia.
É verdade, a qualquer momento estarei pronto a acreditar que toda essa vida não é a excitação de um sentimento. Mas digo por que razão? Por que nesse momento o espírito se exprime, saltam lágrimas dos olhos do sonhador, e toda a minha existência se enche de um júbilo tão irresistível.
Lancei-me ao leito e esmoreci com uma dor tão doce e atordoante no coração, por causa do entusiasmo de meu espírito doentiamente abalado. Terá sido os meus pais quem, numa hora tardia, quando chegar o momento da separação, terá sido eles que deitará no meu peito, soluçando e sofrendo, sem perceberem a tempestade que se desencadeará sob o céu nublado, sem perceberem o vento que arrancaram e arrastaram lágrimas de seus olhos.
Agora eu sei e o sinto ainda mais dolorosamente por ter tal consciência, que nada disso é um sonho. Quando voltei a mim, virei-me para o lado, cobri o rosto com as mãos e me desfiz em lágrimas. Meu coração batia tanto que a cabeça doía, e minhas ideias estavam confusas novamente. Mas então eu não estava totalmente feliz. Vi que eu simplesmente tinha pena de mim pelo fato de estar preso daquele jeito, e mais nada.
O quarto era amplo e confortável, era vagamente perturbador, mesmo na claridade ofuscante da tarde, e então me virei novamente como se houvesse alguém no meu encalço. Voltei a pensar na vida, e por algum tempo, ruídos intrigantes e confusos emanaram de uma sala. Não dava para entender o que era falado. Por um instante, tive que seguir unicamente seu som, de cima a baixo, só com os ouvidos, antes de poder distinguir as palavras.
Eram os meus pais, conversando, falando da gravidade de minha doença. Voltei a pensar, olhei para uma das janelas, as cortinas haviam sido afastadas e estavam abertas e permitia a entrada de um sopro quente e agradável vindo do parque. Percebo um vulto e ao olhar calmamente, vejo a minha mãe espiando pela janela. Estava tão pensativa que nem se deu conta de que eu a observava, e as emoções dominavam o seu rosto, uma a uma, feito objetos numa fotografia lentamente revelada. Sua expressão era singularmente familiar. Era uma expressão que eu já vira constantemente nesses últimos dois anos, parecia despropositada e inexplicável.
Ela ao olhar pela janela, virava várias vezes para trás, olhava para o meu leito, a fim de certificar-se da minha presença. Havia um momento de silêncio. Ela caminhou em direção a dois assentos estreitos, um do lado do outro, sentou-se e ficou a me observar com um olhar tão angelical e meigo. Eu não conseguia tirar os olhos dela, mas, sempre que me encarava, eu fingia estar olhando para o infinito. Levantou-se e veio em minha direção, sacou um lenço de seu bolso e limpou o meu rosto uma mancha, levou as suas mãos ao meu rosto como se estivesse tateando o meu formato, e aos poucos seu olhar se perdeu fixando em direção a janela.
Pouco depois, ao perceber que ela estava sendo tomada por um turbilhão de emoções, em que sua voz se deteve, atraindo mais a minha atenção, entendi a absoluta tristeza em seu olhar. Esperei e, como previsto, ela me olhou com um sorriso verdadeiramente afetado em seu rosto amável. Ela olhou para o relógio na parede, voltou a sentar, limpou os olhos com o mesmo lenço que limpou o meu rosto e cochilou em uma das cadeiras com as mãos juntas sobre o colo, como uma pintura renascentista.
Aquela expressão altiva e encantadora me perturbou. Senti uma enorme dor no peito, um turbilhão de sentimentos em meu coração, lembranças passando em minha cabeça como um projetor de filmes antigos. Na mesma hora vi que ela me faria muita falta. Senti-me sozinho! Olhei ao redor. Tinha certeza de que logo eu estaria semiadormecido na gélida carcaça do meu corpo. Fui subitamente despertado desse inconsciente com uma música que irradiava do prédio ao lado. Costumava ele aos sábados de primavera, tocar violino para os amigos. Fiquei eu imaginando em seus jardins esverdeados, homens e mulheres felizes que frequentavam a sua casa para ouvir o aveludado som de um violino.
Lembrei-me imediatamente dos meus pais. Não poderia se deixar levar pelas más lembranças e sentimentos ruins. Não poderia permitir que a luz dentro de mim se esvair-se para sempre. Comparada à enorme distancia que a doença separava eu da minha família, a luz lhe parecera antes muito próxima, quase a ponto de tocá-la. Mas um sentimento de glória futura me levara por um tempo, as ilusões que me proporcionara um escape para a imaginação; eram uma alusão satisfatória à irrealidade da realidade. Concentrei todos meus pensamentos, todos os meus sentimentos, na minha cura, mas o temor sobrepujava-me. Erguei-me, torturado de angústia. Não queria mais partir, pois temia a morte e eu tinha vontade de ficar. Finalmente, o terrível tormento que me angustiava passara.
Naquele momento, chegara o meu pai ao meu quarto. Ele quis passar despercebido, mas a minha mãe acordou, deteve-o e dirigiu-lhe a palavra, um olhar rápido e inquieto e sorriu com tristeza. Minha mãe não pode prosseguir, sufocada em lágrimas. Ele a olhava, chorando também. Depois, tomou-a a mão, levo-a até a minha cama. Ele não conseguia entender como era difícil enganar uma natureza ávida de compreender suas próprias impressões, que pressentia o pior.
Depois, de repente, estava a pensar em meu pai; imaginava a sua aflição diante do meu estado muito debilitado. Olhava-me como a uma criança. Há momentos em que a nossa consciência sofre muito mais do que anos inteiros, ao passo que eu o compreendia tudo.
Pois em minha situação atual não havia realmente muito o que faltasse. Assim, julguei que na verdade o medo que assolava o meu pai por conta da doença que me consumia, os seus cuidados com a minha preservação, tinha deixado-o mais sensível e presente em nossas vidas. Não posso ser injusto nesse momento criticá-lo, muito pelo contrário, foi um pai maravilhoso, mas agora, mais do que nunca o seu amor se aflorou brutamente, demonstrando o mais puro carinho em suas lágrimas que escorriam pelas maças de seu rosto. E o que podia fazer um homem no meio dessa situação, a não ser estar mais presente, não medindo esforço, mesmo que fosse por mais cem anos e, ainda, que manter-me ao seu alcance dependeria inteiramente de seu amor paterno.
Mas o que mais me confortou no final de tudo, foi perceber mais ainda todos os seus sentimentos. Isso me afetou sensivelmente! Bem! As minhas condições eram apenas duas. Primeiro, que no tempo que estive comigo mesmo nesse quarto, a minha situação era bastante delicada e o resultado disso seria falecer em meu leito. Segundo, a fé de meus pais era tamanha, que eu poderia sair vitorioso dessa situação.
O meu pai deu todas as garantias que a fé do homem poderiam conceber saúde, e que além disso me deveria a minha vida, o que havia de reconhecer em qualquer ocasião, até o fim de seus dias.
Eu não tinha, ai de mim, nenhum conhecimento religioso. O pouco que tinha recebido graças à boa instrução de meu pai estava, àquela altura desgastado, já havia dois anos por uma série ininterrupta de descrença.
Voltando ao que já era passado em minha história, isso poderá ser mais facilmente entendido quando eu acrescentar que, em todas as provações que até então me acometeram, nunca me ocorreu que poderia haver uma cura milagrosa, mas a oportunidade de ser curado.
Numa palavra, a natureza e a pouca experiência das coisas me ditavam, depois de uma ponderada reflexão, que todas as coisas deste mundo só são boas para nós na medida em que o ser humano esteja livre de seus preconceitos, medos e anseios; com o propósito de ajudar o próximo. Mas com essa experiência, isso me fez decidir, que eu tenho que lutar contra o câncer e ter fé para suportar toda essa aflição. Eu via que os meus pais tinham um semblante bondoso, não um aspecto arrogante e feroz, mas parecia ter algo de muito especial em seus rostos, ao mesmo tempo que transmitia a doçura e a suavidade de um anjo, especialmente ao sorrir. A luz da janela os iluminou e mostrou claramente os semblantes deles.
Imagino não ter feito mais nada durante duas ou três horas, até que, passado o acesso, adormeci.OBS: Obrigado por se interessar pelo meu livro. A cada 3 semanas postarei um capítulo. Por favor, que tal votar nesse livro, ou quem sabe, deixar um comentário? Isso é muito importante pra minha obra ficar em evidência dentro do Wattpad.
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UM DIA DE CADA VEZ
Teen FictionUm adolescente que luta contra um câncer. A cada dia que passa ele sente a necessidade de vencer a doença que o consome. A sua luta é constante, mas como jovem e ser humano, por alguns momentos se deixa levar pelas angústias e sofrimentos das i...