Capítulo 2

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Quatro horas e meia depois entro na garagem de minha madrinha. Para vir pra cá tenho que pegar a avenida principal e passar pela minha casa logo depois. Só de olhar para aqueles lugares conhecidos me sinto enjoada. Saio do carro e minha madrinha deixa o portão aberto para me dar um abraço de urso. Ela sabe de tudo. Foi para a casa dela que eu fui depois de sair da minha. Maia Lúcia de Souza, com 63 anos, corpo fofo e cabelo pintado de castanho. Afasto-a para poder olhar para ela direito.

— Oi, madrinha. – Ela já está com os olhos marejados.

— Oi, minha Lila linda. – Sorrio. Sempre me chamou de "Lila linda". Ela olha para meu namorado e sorri. – Você deve ser o Leonardo... Vamos entrar. Temos muito que colocar em dia.

Entramos e ela nos dá um pequeno tour pela casa, dizendo como reformara tal parede, ou pintara tal quarto. Isto é mais para Léo, eu já sei onde eu vou dormir. E, assim, minha madrinha nos leva até o último quarto no corredor, onde agora há uma cama de casal e um vaso cheio de flores coloridas em um dos criados-mudos. Em um canto do quarto, meu antigo violão. Deixamos nossas malas no quarto e minha madrinha astutamente leva Léo para a cozinha, alegando que quer conhecê-lo melhor.

Ganho alguns segundos com meu antigo quarto e as lembranças. Passei dois meses escondida na casa de Maia depois de todo o desastre. No início, eu só estava com raiva e ódio de mim mesma; Maia me ajudou a me acalmar antes de decidir qualquer coisa. Controlo a vontade de pegar meu violão e ver quanto ainda sei tocar e começo a desfazer as malas. Pego meu vestido preto e simples e me troco. O enterro será daqui duas horas. O advogado da minha mãe fez todo o serviço de funeral como um empréstimo – que eu vou pagar assim que eu o encontrar – e agora temos que ir para o velório.

Léo já está de terno e volta com um copo de água para mim. Agradeço e bebo, enquanto ele me ajuda com um colar. Odeio enterros. Eu só fui em um em toda a minha vida, e foi o suficiente para eu nunca mais querer chegar perto de um caixão. Passo um pouco de maquiagem para disfarçar as olheiras do pouco sono e um batom claro. Ponho os sapatos pretos com pouco salto e respiro fundo, me olhando no espelho. Encontro minha madrinha também já arrumada e saímos.

Léo está dirigindo agora. Com salto e com as pernas trêmulas como estou, já não confio muito em mim. Não quero ver essas pessoas. Todos pensam que eu sou algum tipo de monstro sem coração. Minha mãe acha isso, e eu não tenho dúvida. Léo percebe meu nervosismo e põe a mão sobre a minha, na minha coxa. Eu sorrio e tento respirar enquanto nos aproximamos do cemitério. Acho que somos os últimos a chegar, porque todos nos olham enquanto saímos do carro.

Assim que saímos, Léo vem ao meu lado, colocando o braço ao meu redor. Eu acho que o amo mais neste momento do que em vários outros. Sinto segurança por estar perto dele com essas pessoas, mas isso não impede de meu estômago virar com cada lembrança terrível. Tento não prestar atenção em como os murmúrios aumentam conforme passo e vou direto para o caixão de meu pai. Ele morreu de infarto fulminante, disseram. Eu acho que já era sem tempo, visto o quanto ele bebia. Se não tivesse morrido assim, morreria de cirrose ou outra doença similar. Não o odeio, juro. Eu lembro de ter momentos em que ele realmente era uma boa pessoa. E eu o amava por isso. Nas quando vou me aproximando do caixão e encontro minha mãe com a mão em cima do defunto, não consigo chorar por ele. Ela parece realmente sofrer e me pego pensando que deveria haver amor entre eles, afinal. Paro diante dela sem conseguir falar nada.

Engulo seco. O que eu diria, afinal? Fazia dez anos. "Oi mãe, há quanto tempo! Mudou o cabelo? Ah, emagreceu!", suspiro e tento limpar a garganta seca.

— Oi mã...

— O que está fazendo aqui? – A frase saiu pouco mais como um murmúrio, mas ouço bem a voz seca e desgostosa. Sorrio tristemente, sabendo que isso ia acontecer. – Não tem vergonha?

Canção Pra Não VoltarOnde histórias criam vida. Descubra agora